Carl Gustav Jung - A Natureza da Psique.pdf - Agricultura Celeste
Carl Gustav Jung - A Natureza da Psique.pdf - Agricultura Celeste
Carl Gustav Jung - A Natureza da Psique.pdf - Agricultura Celeste
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
XI – O FUNDAMENTO PSICOLÓGICO DA CRENÇA NS ESPÍRITOS 188<br />
[570] Se lançarmos um olhar para o passado <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de, encontraremos, entre muitas outras<br />
convicções religiosas, uma crença universal na existência de seres aeriformes ou etéreos que habitam em<br />
volta do homem e exercem sobre ele uma influência invisível, mas poderosa. Em geral esta crença é<br />
acompanha<strong>da</strong> <strong>da</strong> idéia de que estes seres são espíritos ou almas de pessoas mortas. Esta crença se<br />
encontra tanto entre os povos altamente civilizados como entre os aborígines australianos que ain<strong>da</strong><br />
vivem na i<strong>da</strong>de <strong>da</strong> pedra. Mas entre os povos civilizados do Ocidente a crença nos espíritos tem sido<br />
combati<strong>da</strong> há mais de um século pelo Racionalismo e Iluminismo científico, e reprimi<strong>da</strong> em um grande<br />
número de pessoas cultas, juntamente com outras crenças metafísicas.<br />
[571] Mas, <strong>da</strong> mesma forma como estas crenças metafísicas continuam ain<strong>da</strong> vivas entre as<br />
massas, assim também acontece com a crença nos espíritos. Mesmo nas ci<strong>da</strong>des mais esclareci<strong>da</strong>s e mais<br />
intelectualiza<strong>da</strong>s ain<strong>da</strong> se fala de casas mal-assombra<strong>da</strong>s, e os camponeses ain<strong>da</strong> acreditam que seu gado<br />
adoece de feitiço. Temos observado, ao invés, que justamente na i<strong>da</strong>de do materialismo — esta inevitável<br />
conseqüência do Iluminismo racionalista — há um ressurgimento <strong>da</strong> crença nos espíritos a nível superior,<br />
e isto não como uma recaí<strong>da</strong> nas trevas <strong>da</strong> superstição, mas como um interesse científico intenso, como<br />
uma necessi<strong>da</strong>de de iluminar o caos sombrio dos fatos duvidosos, com a luz <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de. Os nomes de<br />
Crookes, Myers, Wallace, Zoellner e muitos outros autores ilustres simbolizam este renascimento e esta<br />
renovação <strong>da</strong> crença nos espíritos. Mesmo que se questione a natureza real de suas observações, mesmo<br />
que eles sejam acusados de erro e de se terem enganado, contudo, estes pesquisadores gozam do<br />
mérito moral imorredouro de se terem empenhado, com todo o peso de sua autori<strong>da</strong>de e de seu grande<br />
renome científico — pondo de lado qualquer temor pessoal — em acender uma nova luz neste domínio<br />
tenebroso. Eles não recearam nem os prejuízos acadêmicos nem o escárnio do público e, justamente numa<br />
época em que o pensamento dos eruditos sucumbe mais do que nunca à força <strong>da</strong> corrente materialista,<br />
foram eles que chamaram a atenção para os fenômenos de origem psíquica, que pareciam estar em<br />
completa contradição com o materialismo de sua época.<br />
[572] Por isto estes homens caracterizam uma reação do espírito humano contra a visão<br />
materialista do mundo. Considerando-se esta situação do ponto de vista <strong>da</strong> história, não é de espantar que<br />
eles tenham utilizado justamente a crença nos espíritos como a arma mais eficaz contra a simples ver<strong>da</strong>de<br />
dos sentidos, porque a crença nos espíritos tem também a mesma significação funcional para o primitivo.<br />
A dependência extrema<strong>da</strong> deste último em relação às circunstâncias a seu meio ambiente, as suas<br />
múltiplas necessi<strong>da</strong>des e as tribulações de sua vi<strong>da</strong> cerca<strong>da</strong> por vizinhos hostis e por feras perigosas, e<br />
exposto freqüentemente a uma natureza impiedosa, seus sentidos aguçados, seus apetites sensíveis, suas<br />
emoções mal controla<strong>da</strong>s, tudo isto o prende a reali<strong>da</strong>des físicas, de modo que ele corre sempre o perigo<br />
de assumir uma atitude puramente materialista e de se degenerar inteiramente. Sua crença nos espíritos,<br />
ou, melhor, a percepção de uma reali<strong>da</strong>de espiritual arranca-o constantemente dos laços que o prendem a<br />
um mundo puramente sensível e material, e lhe incute a certeza de uma reali<strong>da</strong>de espiritual cujas leis ele<br />
deve observar tão cui<strong>da</strong>dosamente e com tanto temor quanto as leis <strong>da</strong> natureza física circun<strong>da</strong>nte. Por<br />
isto, ele vive realmente em dois mundos. A reali<strong>da</strong>de física é, ao mesmo tempo, um mundo povoado de<br />
espíritos. Para ele, o segundo é tão real quanto o primeiro, não porque ele assim o pense, mas pela<br />
ingenui<strong>da</strong>de com que sente as coisas espirituais. Sempre que se perde esta ingenui<strong>da</strong>de, em contacto com<br />
a civilização e com seu espírito iluminista tão desastroso para o primitivo, cessa também a sua<br />
dependência em relação à lei espiritual, e ele, conseqüentemente, degenera. Mesmo o Cristianismo não<br />
consegue preservar-se deste processo de decadência, porque uma religião altamente desenvolvi<strong>da</strong> como<br />
ele é exige também uma psique altamente desenvolvi<strong>da</strong> para que possa fazer sentir seus benéficos efeitos.<br />
[573] Para o primitivo, o fenômeno dos espíritos é uma evidência imediata <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de do mundo<br />
espiritual. Se examinarmos mais de perto o que estes fenômenos dos espíritos significam para ele, e em<br />
que consistem, nos depararemos com os seguintes fatos: antes de tudo, que a aparição de espíritos não é<br />
rara entre os primitivos. Admite-se, em geral, que estas aparições são muito mais freqüentes entre os<br />
primitivos do que entre os povos civilizados, e <strong>da</strong>í se conclui que a aparição de espíritos é mera<br />
superstição, porque ela jamais ocorre entre pessoas esclareci<strong>da</strong>s, exceto em casos patológicos. É fora de<br />
188 Conferência pronuncia<strong>da</strong> na British Society for Psychical Research, em Londres, junho de 1919.