Carl Gustav Jung - A Natureza da Psique.pdf - Agricultura Celeste
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ecolha do material para o estudo de um sonho, portanto, iremos até onde isto nos parecer necessário para<br />
extrair dele uma significação utilizável.<br />
[455] Exceção feita <strong>da</strong> referi<strong>da</strong> limitação arbitrária, a reunião dos materiais escapa ao arbítrio do<br />
pesquisador, e o material reunido deve ser submetido a um processo de seleção e a uma elaboração cujo<br />
princípio é aplicado sempre na elaboração de material histórico ou de qualquer outro material empíricocientífico.<br />
Trata-se, essencialmente, de um método comparativo cujo funcionamento, evidentemente, na<strong>da</strong><br />
tem de automático, mas depende, em grande parte, <strong>da</strong> habili<strong>da</strong>de e dos objetivos do pesquisador.<br />
[456] Quando se trata de explicar um fato psicológico, é preciso não esquecer que todo fenômeno<br />
psicológico deve ser abor<strong>da</strong>do sob um duplo ponto de vista, ou seja, do ponto de vista <strong>da</strong> causali<strong>da</strong>de e do<br />
ponto de vista <strong>da</strong> finali<strong>da</strong>de. É de propósito que falo de finali<strong>da</strong>de, para evitar to<strong>da</strong> a confusão com o<br />
conceito de teleologia. Por finali<strong>da</strong>de pretendo simplesmente designar a tensão psicológica imanente<br />
dirigi<strong>da</strong> a um objetivo futuro. Em vez de "tensão dirigi<strong>da</strong> a um objetivo futuro" poderíamos empregar<br />
também a expressão "sentido de um objetivo a alcançar". Todos os fenómenos psicológicos comportam<br />
em si um sentido desta natureza, mesmo os fenómenos puramente reativos, como sejam, por exemplo, as<br />
reações emocionais. A cólera provoca<strong>da</strong> por uma ofensa manifesta este sentido na vingança, e um luto<br />
ostensivo tem como finali<strong>da</strong>de despertar a compaixão dos outros.<br />
[457] Aplicando o ponto de vista causal ao material recolhido para o estado do sonho, reduzimos o<br />
conteúdo manifesto do sonho a certas tendências ou idéias fun<strong>da</strong>mentais descritas por este material. Estas<br />
tendências, como seria de esperar, são naturalmente muito gerais e elementares. Um jovem paciente, por<br />
exemplo, tem o seguinte sonho: "Encontro-me em um pomar alheio e olho uma maçã. Olho<br />
cautelosamente à minha volta, para me certificar de que ninguém me viu".<br />
[458] O material associativo nos oferece o seguinte quadro: recor<strong>da</strong>-se de ter roubado uma vez,<br />
quando jovem, algumas pêras de um pomar alheio. O sentimento de ter uma consciência culposa,<br />
particularmente acentuado no sonho, recor<strong>da</strong>-lhe uma situação <strong>da</strong> véspera. Encontrou na rua uma jovem<br />
conheci<strong>da</strong> que o deixava indiferente, e trocou com ela algumas palavras. No mesmo momento passou por<br />
eles um de seus conhecidos e repentinamente foi invadido por um curioso sentimento de embaraço, como<br />
se tivesse praticado um ato ilícito. Ele associa a maçã à cena do Paraíso Terrestre e ao fato de nunca ter<br />
podido compreender realmente por que o ato de comer do fruto proibido trouxera conseqüências tão<br />
graves para os nossos primeiros pais. Sempre se revoltara contra essa injustiça divina, uma vez que Deus<br />
tinha criado os homens com a sua forte curiosi<strong>da</strong>de e seus apetites.<br />
[459] Uma outra associação era a de que o pai o castigara muitas vezes de maneira<br />
incompreensível, por certas coisas, e com particular severi<strong>da</strong>de uma vez em que fora surpreendido a<br />
observar, às escondi<strong>da</strong>s, algumas jovens que estavam a se banhar. A tudo isso vem se acrescentar a<br />
confissão de que recentemente ele começara um caso amoroso com uma cria<strong>da</strong>, caso este, porém, que não<br />
chegara ain<strong>da</strong> a seu fim natural. Na véspera do sonho tivera um encontro com a cria<strong>da</strong>.<br />
[460] Se considerarmos este material em seu conjunto, perceberemos que o sonho guar<strong>da</strong> uma<br />
relação muito clara com o acontecimento <strong>da</strong> véspera. O material associativo nos mostra que a cena <strong>da</strong><br />
maçã, evidentemente, está a indicar uma cena erótica. Por estes e inúmeros outros motivos parece-nos<br />
também extremamente provável que o acontecimento <strong>da</strong> véspera repercutiu no sonho do jovem. Neste<br />
sonho ele colhe a maçã paradisíaca que, na reali<strong>da</strong>de, ain<strong>da</strong> não colheu. O restante material associativo se<br />
ocupa também com um outro acontecimento <strong>da</strong> véspera, ou seja, o estranho sentimento de estar com a<br />
consciência culposa e que dele se apoderou quando falava com uma jovem que lhe era indiferente.<br />
Também se refere ao pecado original no Paraíso e, por último, a um pecadilho erótico de sua meninice,<br />
tão severamente punido pelo pai. To<strong>da</strong>s estas associações convergem na idéia de culpabili<strong>da</strong>de.<br />
[461] Examinaremos este material primeiramente sob o ponto de vista causal desenvolvido por<br />
Freud, ou, em outras palavras, "interpretaremos" este sonho para usar uma expressão de Freud. Subsiste<br />
do dia anterior um desejo insatisfeito. No sonho esse desejo se realiza sob o símbolo <strong>da</strong> maçã. Por que a<br />
realização desse desejo só se efetua de maneira vela<strong>da</strong>, ou seja, sob uma imagem simbólica, e não em um<br />
pensamento sexual claro? Freud apontaria para o elemento de culpabili<strong>da</strong>de, indubitavelmente presente<br />
neste material, e diria que a morali<strong>da</strong>de imposta ao jovem desde a infância e que se empenha em reprimir<br />
os desejos dessa natureza, imprimiu em uma inspiração inteiramente natural como esta um sabor penoso e<br />
incompatível. Por tal motivo, a idéia possível e recalca<strong>da</strong> só pode exprimir-se de maneira simbólica. E<br />
visto que há uma incompatibili<strong>da</strong>de entre estes pensamentos e o conteúdo moral <strong>da</strong> consciência, a