Carl Gustav Jung - A Natureza da Psique.pdf - Agricultura Celeste
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invisível o homem tem sua sabedoria, sua arte, provin<strong>da</strong> <strong>da</strong> luz <strong>da</strong> natureza" 103 . O homem é "um profeta<br />
<strong>da</strong> luz natural" 104 . Ele "aprende" o lúmen <strong>da</strong> natureza, entre outras coisas através dos sonhos 105 ; "...<br />
como a luz <strong>da</strong> natureza não pode falar, ela constrói certas formas durante o sono, pelo poder <strong>da</strong><br />
palavra" (de Deus) 106 .<br />
[392] Se me permiti demorar-me um pouco mais sobre Paracelso e citar um determinado número<br />
de textos autênticos, foi com o intuito de fornecer ao leitor uma idéia aproxima<strong>da</strong> <strong>da</strong> maneira como este<br />
autor concebe o lumen naturae. Parece-me de muita importância, particularmente com relação à nossa<br />
hipótese <strong>da</strong> existência de uma consciência múltipla e seus fenômenos, que a visão característica dos<br />
alquimistas — aquela <strong>da</strong>s centelhas que brilham na substância arcana negra — se transforma, segundo<br />
Paracelso, no espetáculo do "firmamento interior" e de seus astros (estrelas). Ele considera a psique<br />
obscura como um céu noturno semeado de estrelas cujos planetas e constelações fixas representam os<br />
arquétipos em to<strong>da</strong> a sua luminosi<strong>da</strong>de e numinosi<strong>da</strong>de 107 . O céu estrelado é, na ver<strong>da</strong>de, o livro aberto <strong>da</strong><br />
projeção cósmica no qual se refletem os mitologemas, ou arquétipos. Nesta visão, a Astrologia e a<br />
Alquimia, as duas representantes <strong>da</strong> psicologia do inconsciente nos tempos clássicos, dão-se as mãos.<br />
[393] Paracelso foi diretamente influenciado por Agrippa de Nettesheim 108 , que admite uma<br />
luminositas sensus naturae [uma luminosi<strong>da</strong>de do sentido <strong>da</strong> natureza]. Daqui "desceram lampejos de<br />
profecias sobre os animais quadrúpedes, os pássaros e outros seres vivos", tornando-os capazes de<br />
predizer coisas futuras 109 . Ele baseia o sensus naturae na autori<strong>da</strong>de de Guilielmus Parisiensis que, a<br />
nosso ver, outro não é senão Guilherme de Auvergne (G. Alvemus, † 1249), que foi bispo de Paris a partir<br />
de cerca de 1228, e escreveu várias obras que influenciaram também Alberto Magno. Diz ele que o sensus<br />
naturae é um sentido superior à capaci<strong>da</strong>de perceptível do homem, e insiste, de modo particular, que os<br />
animais também o possuem 110 . A doutrina do sensus naturae desenvolveu-se a partir <strong>da</strong> idéia <strong>da</strong> alma do<br />
mundo que tudo penetra e <strong>da</strong> qual se ocupou também um outro Guilielmus Parisiensis, predecessor de<br />
Alvernus, e conhecido por Guillaume de Conches 111 (1080-1154), escolástico platônico que ensinou em<br />
Paris. Ele identificou a anima mundi [a alma do mundo], ou precisamente o sensus naturae, com o<br />
Espírito Santo, como já o fizera Abelardo. A alma do mundo é uma força natural, responsável por todos<br />
os fenômenos <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> e <strong>da</strong> psique. Como pude mostrar nas passagens <strong>da</strong> obra indica<strong>da</strong> abaixo, esta<br />
concepção está presente ao longo de to<strong>da</strong> a tradição alquímica, na medi<strong>da</strong> em que Mercúrio é interpretado<br />
ora como anima mundi, ora como Espírito Santo 112 . Em vista <strong>da</strong> importância <strong>da</strong>s representações<br />
alquímicas para a psicologia do inconsciente, creio que vale a pena dedicar alguma atenção a uma<br />
variante bastante esclarecedora do simbolismo <strong>da</strong> centelha.<br />
[394] Mais comum ain<strong>da</strong> do que o tema <strong>da</strong>s scintillae [centelhas] é o dos olhos do peixe que tem a<br />
mesma significação. Como já disse acima, os autores alegam uma passagem de Morieno como sendo<br />
fonte <strong>da</strong> "doutrina" <strong>da</strong>s scintillae. Esta passagem se encontra realmente no tratado de Morieno Romano<br />
[século VII-VIII]. Mas nela se lê o seguinte: "... Purus laton tamdiu decoquitur, donec veluti oculi<br />
piscium elucescat..." 113 . Esta passagem parece que é uma citação de uma fonte mais antiga ain<strong>da</strong>. O tema<br />
dos olhos do peixe aparece quase sempre nos autores posteriores. Há uma variante em Sir George Ripley,<br />
segundo a qual depois do "dessecamento do mar" fica uma substância que brilha "como olhos de peixe"<br />
114 , uma alusão clara ao ouro e ao Sol (como olho de Deus). Por isto não causa mais estranheza que um<br />
alquimista do século XVII tenha colocado as palavras de Zacarias 4,10 como dístico de sua edição <strong>da</strong><br />
103<br />
Phil. sag., Huser, X, p. 46; Sudhoff, XII, p. 53.<br />
104<br />
Phil. sag., Huser, X, p. 79; Sudhoff, XII, p. 94.<br />
105<br />
Practica scientiam divinationis, Huser, X, p. 434; Sudhoff, XII, p. 488.<br />
106<br />
Liber de caducis, Huser, IV, p. 274; Sudhoff, VIII, p. 298.<br />
107<br />
Nos Hieroglyphica de Horapolo, o céu estrelado significa Deus como o destino [Patum] derradeiro, simbolizado pelo número cinco,<br />
presumivelmente um quincunce.<br />
108<br />
Cf. Paracelsus als geistige Erscheinung, p. 47s [Obras Completas, XV].<br />
109<br />
De occulta philosophia, p. LXVIII: "Nam iuxta Platonicorum doctrinam, est rebus inferioribus vis quae<strong>da</strong>m insita, per quam magna ex<br />
parte cum superioribus conveniunt, unde etiam animalium taciti consensus cum divinis corporibus consentire vident, atque his viribus eorum<br />
corpora et affectus affici" etc. ["Porque de acordo com a doutrina dos platônicos, há uma certa virtude graças à qual elas se harmonizam em<br />
grande parte com as superiores; <strong>da</strong>í parecer que o consentimento tácito dos animais está em conformi<strong>da</strong>de com os corpos divinos, e os seus<br />
corpos e afetos serem atingidos por estas virtudes"] (op. cif., p. LXIV).<br />
110<br />
Cf. Thorndike, A History of Magia and Experimental Science, II, p. 348s.<br />
111<br />
Picavet, Essais sur l'histoire générale et comparée des théologies et dês philo-sophies médiévales, p. 207.<br />
112<br />
Cf. Psychologie und Alchemie, p. 187, 261, 467, 570 e 586s. [Obras Completas, XII].<br />
113<br />
Artis auriferae..., II: Lïber de compositione alchemiae, p. 32: "Cozinha-se o latão puro, até que ele brilhe como os olhos dos peixes". Os<br />
próprios autores interpretam os oculi piscium [os olhos dos peixes] no sentido de scintillae [centelhas].<br />
114<br />
Opera omnia chemica, p. 159.