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Carl Gustav Jung - A Natureza da Psique.pdf - Agricultura Celeste

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sonho. Não é difícil ver que estas fantasias do estado de vigília possuem, além de um sentido superficial e<br />

concreto, uma significação psicológica mais profun<strong>da</strong>. Por causa <strong>da</strong> brevi<strong>da</strong>de que aqui devo me impor,<br />

não poderei citar o material aí colhido, mas gostaria de observar que um gênero muito antigo e muito<br />

difundido de narração imaginativa, representado de modo típico pelas fábulas de Esopo, nos oferece uma<br />

boa ilustração para aquilo que podemos dizer a respeito do significado <strong>da</strong>s fantasias. Há, por exemplo,<br />

uma narração fantástica <strong>da</strong>s façanhas do leão e do burro. O sentido superficial e concreto <strong>da</strong> narrativa é<br />

uma fantasmagoria objetiva irrealizável, mas o sentido moral oculto é evidente para quem quer que sobre<br />

ele reflita. É característica a maneira como as crianças se satisfazem com o sentido exotérico <strong>da</strong> fábula e<br />

nela encontram vivo prazer.<br />

[450] A aplicação conscienciosa do processo técnico, para a análise do conteúdo manifesto do<br />

sonho nos fornece, de longe, o melhor argumento a favor de um sentido oculto do sonho. Isto nos leva ao<br />

segundo ponto capital, que é a questão do processo técnico. Também aqui não desejo criticar nem<br />

defender os pontos de vista e as descobertas de Freud, mas limitar-me-ei ao que me parece<br />

definitivamente estabelecido. Se partirmos do fato de que o sonho é um produto psíquico, não temos,<br />

desde logo, absolutamente nenhum motivo para supor que sua natureza e sua destinação obedecem a leis<br />

e a fins totalmente diferentes <strong>da</strong>queles que se aplicam a outros produtos psíquicos. Segundo a máxima de<br />

que "principia explicandi praeter necessitatem non sunt multiplican<strong>da</strong>" 158 , temos de tratar o sonho,<br />

analiticamente, como qualquer outro produto psíquico, enquanto nenhum outro fato contraditório não nos<br />

ensine um caminho melhor.<br />

[451] Sabemos que todo produto psíquico, encarado do ponto de vista causal, é a resultante de<br />

conteúdos psíquicos que o precederam. Sabemos, além disso, que esse mesmo produto psíquico,<br />

considerado sob o ponto de vista de sua finali<strong>da</strong>de, tem um sentido e um alcance que lhe são próprios<br />

dentro do processo psíquico. Este critério deve ser aplicado também aos sonhos. Para explicar<br />

psicologicamente os sonhos, devemos, portanto, primeiramente investigar as experiências precedentes, de<br />

que se compõem. Assim, no que diz respeito a ca<strong>da</strong> uma <strong>da</strong>s partes <strong>da</strong> imagem onírica, devemos remontar<br />

até os seus antecedentes. Vejamos um exemplo: Um indivíduo sonha que vai por uma rua. De repente,<br />

uma criança, que brinca e salta à sua frente, é atropela<strong>da</strong> por um automóvel.<br />

[452] Reduzamos as componentes <strong>da</strong> imagem deste sonho aos seus antecedentes, com a aju<strong>da</strong> <strong>da</strong>s<br />

recor<strong>da</strong>ções do sonhador: a rua, ele a reconhece como sendo uma certa rua que ele atravessou na véspera.<br />

Na criança ele identifica um filho do seu irmão que ele vira ao visitar este irmão no dia anterior. O<br />

acidente de carro lembra-lhe um acidente que se deu realmente alguns dias antes, mas de que só teve<br />

conhecimento através dos jornais. Como sabemos, o juízo corrente se contenta com uma redução deste<br />

gênero e se diz: "Ah, é por isso que tive este sonho".<br />

[453] Evidentemente uma tal redução é totalmente insuficiente do ponto de vista científico. O<br />

sonhador percorreu muitas ruas na véspera, e por que motivo o seu sonho escolheu justamente esta rua?<br />

Leu notícias a respeito de numerosos acidentes, e por que motivo escolheu este, de preferência a outros?<br />

A descoberta de um único acidente não é ain<strong>da</strong> suficiente, porque só a influência de várias causas é capaz<br />

de <strong>da</strong>r uma determinação verossímil <strong>da</strong>s imagens do sonho. A recolha de material adicional se processa<br />

de acordo com o nosso princípio <strong>da</strong> rememoração, também chamado de método <strong>da</strong>s associações livres.<br />

Essa recolha, como é fácil de entender, nos fornece um material muito variado e muito heterogêneo cujo<br />

único traço em comum parece ser sua evidente relação associativa com o conteúdo do sonho; do<br />

contrário, nunca poderia ser evocado por meio desse conteúdo.<br />

[454] É também uma questão importante, do ponto de vista técnico, saber até que ponto pode se<br />

estender esta recolha dos materiais. Desde que todo o conteúdo <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> pode ser evocado na alma,<br />

teoricamente é possível também investigar, para ca<strong>da</strong> sonho, to<strong>da</strong> a história passa<strong>da</strong> do indivíduo.<br />

Entretanto, basta tão-somente recolher o material absolutamente indispensável para compreender o<br />

sentido do sonho. A limitação do material é, evidentemente, um processo arbitrário, de acordo com o<br />

princípio de Kant segundo o qual compreender uma coisa na<strong>da</strong> mais é do que "reconhecê-la o quanto<br />

baste para as nossas intenções" 159 . Por exemplo, se procuramos saber quais foram as causas <strong>da</strong> Revolução<br />

Francesa, podemos incluir na recolha do material não só a história <strong>da</strong> I<strong>da</strong>de Média, como também a de<br />

Roma e <strong>da</strong> Grécia, mas isto, evidentemente, não é "necessário" para o nosso propósito, visto podermos<br />

igualmente compreender a gênese histórica <strong>da</strong> Revolução, basea<strong>da</strong> em material bem mais restrito. Na<br />

158 [Não se deve multiplicar, sem necessi<strong>da</strong>de, os princípios explicativos].<br />

159 Cf. introdução a Die Logik, p. 377.

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