Carl Gustav Jung - A Natureza da Psique.pdf - Agricultura Celeste
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Filosofia, porque a ativi<strong>da</strong>de pensante, base de to<strong>da</strong> Filosofia, é uma ativi<strong>da</strong>de psíquica que, como tal,<br />
pertence ao campo <strong>da</strong> Psicologia. Quando falo de Psicologia, tenho em mente a alma humana com todos<br />
os seus aspectos, e aqui se incluem a Filosofia, a Teologia e ain<strong>da</strong> muitas outras coisas. Subjacentes a<br />
to<strong>da</strong>s as filosofias e a to<strong>da</strong>s as religiões, estão os <strong>da</strong>dos <strong>da</strong> alma humana que talvez constituam a instância<br />
derradeira <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de e do erro.<br />
[526] Nossa Psicologia pouco se preocupa com a questão se os problemas por ela suscitados se<br />
chocam com esta ou aquela concepção preexistente. Nossa atenção se concentra antes de tudo sobre<br />
necessi<strong>da</strong>des de ordem prática. Se a questão <strong>da</strong>s concepções do mundo é um problema psicológico,<br />
precisamos de abordá-lo sem nos preocupar em saber se a Filosofia está incluí<strong>da</strong> ou não na Psicologia. De<br />
modo análogo, os problemas de religião constituem para nós, primeiro que tudo, uma questão de ordem<br />
psicológica. A Psicologia médica em geral se mantém afasta<strong>da</strong> destes domínios, e isto é uma carência<br />
lamentável que aparece claramente no fato de que as neuroses psicógenas encontram freqüentemente<br />
maiores possibili<strong>da</strong>des de cura em qualquer outro domínio do que na Medicina acadêmica. Embora seja<br />
eu médico e> de acordo com o princípio de que medicus medicum non decimal [um médico não ofende a<br />
outro médico], tenha motivos de sobra para não criticar a profissão médica, mesmo assim devo confessar<br />
que os médicos nem sempre foram os melhores autores <strong>da</strong> Medicina psicológica. Muitas vezes tive<br />
ocasião de verificar, por própria experiência, que os psicoterapeutas médicos procuravam exercer sua arte<br />
<strong>da</strong>quele mesmo modo rotineiro que lhes fora inculcado pela natureza peculiar de seus estudos. Os estudos<br />
de Medicina consistem, de um lado, em encher-nos a cabeça com uma quanti<strong>da</strong>de enorme de fatos<br />
teóricos que são apenas decorados, sem que se tenha um conhecimento real de seus fun<strong>da</strong>mentos e, de<br />
outro lado, na aprendizagem de habili<strong>da</strong>des práticas, que devem ser adquiri<strong>da</strong>s segundo o princípio:<br />
"primeiro agir, depois pensar". É por isto que, de to<strong>da</strong>s as Facul<strong>da</strong>des, a de Medicina é a que tem menos<br />
oportuni<strong>da</strong>de de desenvolver a função do pensamento. Por isto, também já não é de espantar que até<br />
mesmo médicos adeptos <strong>da</strong> Psicologia sintam grande dificul<strong>da</strong>de em acompanhar minhas reflexões. Eles<br />
se habituaram a trabalhar com base em receituários e a aplicar mecanicamente métodos que eles próprios<br />
não desenvolveram. Mas esta tendência, como é fácil de imaginar, é a menos indica<strong>da</strong> para o exercício <strong>da</strong><br />
Psicologia médica, pois se apóia em teorias e métodos autoritários, impedindo o desenvolvimento de um<br />
pensamento independente. Assim verifiquei, por experiência própria, que mesmo certas distinções<br />
elementares e <strong>da</strong> maior importância para o tratamento prático, como, por ex., aquelas estabeleci<strong>da</strong>s entre<br />
interpretação ao nível do sujeito e interpretação ao nível do objeto, entre ego e Si-mesmo, entre sinal e<br />
símbolo, entre causali<strong>da</strong>de e finali<strong>da</strong>de, etc, exigem demais de sua capaci<strong>da</strong>de de pensar. Estas<br />
dificul<strong>da</strong>des talvez expliquem o apego obstinado destes médicos a concepções retrógra<strong>da</strong>s e de há muito<br />
necessita<strong>da</strong>s de revisão. A prova de que não se trata apenas de um ponto de vista subjetivo de minha parte<br />
está no unilateralismo fanático e no isolamento sectário de certas organizações "psicanalíticas". Como<br />
todos sabem, esta atitude é um sintoma de dúvi<strong>da</strong> supercompensa<strong>da</strong>. Mas, na ver<strong>da</strong>de, quem aplica<br />
critérios psicológicos a si mesmo?<br />
[527] A interpretação segundo a qual os sonhos são apenas satisfações de desejos infantis ou<br />
arranjos orientados para um fim determinado e destinados a satisfazer uma vontade de poder infantil<br />
parece-me demasiado estreita e não leva devi<strong>da</strong>mente em conta a natureza do sonho. Este, como ca<strong>da</strong><br />
elemento <strong>da</strong> estrutura psíquica, se apresenta qual resultante de to<strong>da</strong> a psique. É por isto que devemos estar<br />
preparados para encontrar no sonho todos aqueles fatores que desde os tempos mais recuados tiveram sua<br />
importância na vi<strong>da</strong> <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de. Da mesma forma que a existência humana, na sua essência, não se<br />
deixa reduzir a este ou àquele instinto fun<strong>da</strong>mental, mas se constrói a partir de uma multidão de instintos,<br />
carências, necessi<strong>da</strong>des e condicionamentos físicos e psíquicos, assim também o sonho não se pode<br />
explicar a partir deste ou <strong>da</strong>quele elemento, por mais sedutora que possa ser, na sua simplici<strong>da</strong>de, uma tal<br />
explicação. Podemos estar certos de que ela é erra<strong>da</strong>, pois jamais uma simples teoria dos instintos será<br />
capaz de apreender esta coisa poderosa e misteriosa que é a alma humana e, conseqüentemente, sua<br />
expressão, que é o sonho. Para fazer alguma justiça ao sonho, temos de recorrer a instrumentos que só<br />
poderemos obter através de laboriosa investigação nos diversos domínios <strong>da</strong>s ciências do espírito. Mas<br />
não é com certos gracejos de mau gosto nem com a demonstração <strong>da</strong> existência de certos recalques que se<br />
resolve o problema do sonho.<br />
[528] Tenho sido acusado diretamente de alimentar tendências "filosóficas" (ou mesmo "teológicas"),<br />
querendo-se dizer com isto que eu pretendo explicar ca<strong>da</strong> coisa "filosoficamente", e que minhas