Carl Gustav Jung - A Natureza da Psique.pdf - Agricultura Celeste
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escuridão do inconsciente, compensando e corrigindo nossa unilaterali<strong>da</strong>de e mostrando-nos de que modo<br />
e em que ponto nós desviamos do plano fun<strong>da</strong>mental e nos atrofiamos psiquicamente.<br />
[191] Devo contentar-me aqui em descrever as formas externas e as possibili<strong>da</strong>des <strong>da</strong> função<br />
transcendente. Uma outra tarefa <strong>da</strong> maior importância seria a descrição dos conteúdos <strong>da</strong> função<br />
transcendente. Já existe uma grande quanti<strong>da</strong>de de material a este respeito, mas ain<strong>da</strong> não foram<br />
supera<strong>da</strong>s to<strong>da</strong>s as dificul<strong>da</strong>des que esta descrição nos oferece. Precisamos ain<strong>da</strong> de uma série de estudos<br />
preparatórios até que se criem as bases conceituais que nos permitam uma descrição clara e<br />
compreensível destes conteúdos. Infelizmente, até o presente, minha experiência me diz que o público<br />
científico em geral não está ain<strong>da</strong> capacitado para acompanhar semelhantes reflexões e argumentos<br />
psicológicos, porque nisto entrariam atitudes demasia<strong>da</strong>mente pessoais e preconceitos filosóficos e<br />
intelectuais. Quando os indivíduos se deixam mover pelos seus afetos pessoais, seus julgamentos são<br />
sempre subjetivos, porque consideram impossível tudo o que não parece valer para o seu caso, ou que<br />
preferem ignorar. São incapazes de entender que aquilo que se aplica a eles pode não valer para outras<br />
pessoas com uma psicologia diferente. Em qualquer dos casos, estamos ain<strong>da</strong> infinitamente longe de um<br />
esquema de explicação que valha para todos.<br />
[192] Um dos grandes obstáculos para a compreensão psicológica é a indiscreta curiosi<strong>da</strong>de de<br />
saber se o quadro psicológico apresentado é "ver<strong>da</strong>deiro" ou "correto". Se a exposição não é deturpa<strong>da</strong> ou<br />
falsa, o fato em si é ver<strong>da</strong>deiro e comprova sua vali<strong>da</strong>de mediante sua existência. O ornitorrinco é<br />
porventura uma invenção "ver<strong>da</strong>deira" ou correta <strong>da</strong> vontade do Criador? Igualmente infantil é o<br />
preconceito contra o papel que os pressupostos mitológicos desempenham na vi<strong>da</strong> <strong>da</strong> psique humana.<br />
Como não são "ver<strong>da</strong>deiros" — argumenta-se — estes pressupostos não podem ter um lugar numa<br />
explicação científica. Mas os mitologemas existem, mesmo que suas expressões não coinci<strong>da</strong>m com<br />
nosso conceito incomensurável de "ver<strong>da</strong>de".<br />
[193] Como o processo de confrontação com o elemento contrário tem caráter de totali<strong>da</strong>de, na<strong>da</strong><br />
fica excluído dele. Tudo se acha envolvido na discussão, embora se tenha consciência de alguns<br />
fragmentos. A consciência é amplia<strong>da</strong> continuamente, ou — para sermos mais exatos — poderia ser<br />
amplia<strong>da</strong> pela confrontação dos conteúdos até então inconscientes, se se desse ao cui<strong>da</strong>do de integrá-los.<br />
Mas isto evidentemente nem sempre acontece. E mesmo quando se tem suficiente inteligência para<br />
compreender o problema, falta coragem e autoconfiança, ou a pessoa é espiritual e moralmente<br />
demasiado preguiçosa ou covarde para fazer qualquer esforço. Mas quando há os pressupostos<br />
necessários, a função transcendente constitui não apenas um complemento valioso do tratamento<br />
psicoterapêutico, como oferece também ao paciente a inestimável vantagem de poder contribuir, por seus<br />
próprios meios, com o analista, no processo de cura e, deste modo, não ficar sempre dependendo do<br />
analista e de seu saber, de maneira muitas vezes humilhante. Trata-se de uma maneira de se libertar pelo<br />
próprio esforço e encontrar a coragem de ser ele próprio.