Carl Gustav Jung - A Natureza da Psique.pdf - Agricultura Celeste
Carl Gustav Jung - A Natureza da Psique.pdf - Agricultura Celeste
Carl Gustav Jung - A Natureza da Psique.pdf - Agricultura Celeste
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
[356] A hipótese <strong>da</strong> existência do inconsciente constitui um grande ponto de interrogação<br />
colocado diante do conceito de psique. A alma postula<strong>da</strong> até então pelo intelecto filosófico ameaçava<br />
revelar-se como uma coisa dota<strong>da</strong> de quali<strong>da</strong>des inespera<strong>da</strong>s e ain<strong>da</strong> não explora<strong>da</strong>s. Já não era mais<br />
aquilo que se sabia e se conhecia diretamente e acerca <strong>da</strong> qual na<strong>da</strong> mais encontrávamos do que<br />
definições mais ou menos satisfatórias. Agora ela aparecia, ao contrário, sob uma dupla e estranha forma,<br />
como algo inteiramente conhecido e ao mesmo tempo desconhecido. Este fato derrubou e revolucionou 41<br />
a antiga Psicologia, do mesmo modo que a descoberta <strong>da</strong> radioativi<strong>da</strong>de revolucionou a Física clássica.<br />
Aconteceu com os primeiros psicólogos experimentais o mesmo que aconteceu com o descobridor mítico<br />
<strong>da</strong> série natural dos números, o qual, ao colocar sucessivamente um grão de ervilha depois do outro, na<strong>da</strong><br />
mais fazia do que simplesmente acrescentar uma nova uni<strong>da</strong>de às já existentes. Ao contemplar o<br />
resultado, provavelmente ele tinha a impressão de não ver senão 100 uni<strong>da</strong>des idênticas umas às outras,<br />
mas os números que imaginara apenas como nomes apareciam inespera<strong>da</strong> e imprevistamente como<br />
enti<strong>da</strong>des singulares provi<strong>da</strong>s de proprie<strong>da</strong>des irredutíveis. Havia, por ex., números pares, números<br />
ímpares, números primos, números positivos, negativos, irracionais, imaginários, etc 42 . O mesmo<br />
acontece com a Psicologia: se a alma é realmente apenas uma idéia, esta idéia nos dá a impressão bastante<br />
desagradável de que na<strong>da</strong> se pode prever a seu respeito — ou seja, de algo dotado de quali<strong>da</strong>des que<br />
ninguém jamais teria imaginado. Podemos continuar a afirmar que a alma é uma superconsciência e uma<br />
subconsciência. No momento em que formamos uma idéia de uma determina<strong>da</strong> coisa e conseguimos,<br />
deste modo, captar um de seus aspectos, invariavelmente sucumbimos à ilusão de termos abarcado a sua<br />
totali<strong>da</strong>de. Em geral não nos <strong>da</strong>mos conta de que é absolutamente impossível uma apreensão total. Nem<br />
mesmo uma idéia concebi<strong>da</strong> como total é total, porque é ain<strong>da</strong> uma enti<strong>da</strong>de dota<strong>da</strong> de quali<strong>da</strong>des<br />
imprevisíveis. Esta auto-ilusão, entretanto, propicia a paz e a tranqüili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> alma: o nome do<br />
desconhecido foi mencionado; o distante foi trazido para perto de nós, de modo a podermos tocá-lo com<br />
nossas mãos. Tomamos posse dele e ele tornou-se parte inalienável de nossa proprie<strong>da</strong>de, como um<br />
animal selvagem abatido que não pode mais escapar. É um procedimento mágico que o primitivo pratica<br />
em relação a objetos e o psicólogo utiliza em relação à alma. Ele não fica mais à sua mercê, porque<br />
sequer suspeita de que o fato de apreender conceitualmente um objeto propicia-lhe a melhor oportuni<strong>da</strong>de<br />
de desenvolver aquelas quali<strong>da</strong>des que jamais se manifestariam, se não tivessem sido captura<strong>da</strong>s por um<br />
conceito.<br />
[357] As tentativas feitas nos últimos três séculos, no sentido de captar a alma, fazem parte<br />
<strong>da</strong>quela tremen<strong>da</strong> expansão dos nossos conhecimentos sobre a natureza que trouxe o cosmos para mais<br />
perto de nós, em medi<strong>da</strong> quase inimaginável. Os aumentos de milhares de vezes dos objetos, por meio de<br />
microscópios eletrônicos, rivalizam com as distâncias de 500 milhões de anos-luz. A Psicologia, porém,<br />
está muito longe de alcançar um desenvolvimento semelhante ao <strong>da</strong>s demais Ciências naturais. Como<br />
vimos, até hoje quase não conseguiu se libertar <strong>da</strong>s malhas <strong>da</strong> Filosofia. Entretanto, qualquer ciência é<br />
função <strong>da</strong> psique, e qualquer conhecimento nela se radica. Ela é o maior de todos os prodígios cósmicos e<br />
a conditio sine qua non do mundo enquanto objeto. É sumamente estranho que o homem ocidental, com<br />
raríssimas exceções, aparentemente não dê muita importância a este fato. Sufocado pela multidão dos<br />
objetos externos conhecidos, o sujeito de todo conhecimento eclipsou-se temporariamente, até à aparente<br />
inexistência.<br />
41<br />
Reproduzo aqui o que William James afirma sobre a importância <strong>da</strong> descoberta de uma psique inconsciente (The Varieties of Religious<br />
Experience, p. 233): "I cannot but think that the most important step forward that nas occurred in psychology since I have been a student of<br />
that science is the discovery, first made in 1886, that... there is not only the consciousness of the ordinary field, with its usual centre and<br />
margin, but an addition thereto in the shape of a set of memories, thoughts, and feelings which are extra-marginal and outside of the primary<br />
consciousness altogether, but yet must be classed as conscious facts of some sort, able to reveal their presence by unmistakable signs. I call<br />
this the most important step forward because, unlike the other advances which psychology has made, this discovery has revealed to us an<br />
entirely unsuspected peculiarity in the constitution of human nature. No other step forward which psychology has made can proffer any such<br />
claim as this". ["Não posso deixar de pensar que o passo mais importante neste sentido, verificado na Psicologia desde a época em que fui<br />
estu<strong>da</strong>nte nesta Ciência, é a descoberta, ocorri<strong>da</strong> pela primeira vez em 1886, de que ... há não somente a consciência do campo ordinário com<br />
seu centro e sua margem habituais, mas também sob a forma de recor<strong>da</strong>ções, pensamentos e sentimentos, situados à margem e fora dos<br />
limites <strong>da</strong> consciência em geral, mas que devem ser classificados ain<strong>da</strong> como fatos conscientes de certa espécie, capazes de revelar sua<br />
presença por sinais inequívocos. Considero este passo à frente como o mais importante, porque, ao contrário dos outros progressos <strong>da</strong><br />
Psicologia, esta descoberta revelou-nos uma peculiari<strong>da</strong>de inteiramente insuspeita<strong>da</strong> <strong>da</strong> constituição <strong>da</strong> natureza humana. Nenhum avanço <strong>da</strong><br />
Psicologia pode apresentar um título tão importante como este"]. A descoberta de 1886, à qual se refere James, foi a elaboração do conceito<br />
de subliminal consciousness por Frederic W. H. Myers. Para mais detalhes, veja-se abaixo.<br />
42<br />
Um matemático disse, outrora, que tudo o que há na ciência foi feito pelo homem, exceto os números, que foram criados pelo próprio<br />
Deus.