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Carl Gustav Jung - A Natureza da Psique.pdf - Agricultura Celeste

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conscientes; do contrário, tais rupturas <strong>da</strong> ordem consciente não seriam de todo possíveis. De fato, um<br />

complexo ativo nos coloca por algum tempo num estado de não-liber<strong>da</strong>de, de pensamentos obsessivos e<br />

ações compulsivas para os quais, sob certas circunstâncias, o conceito jurídico de imputabili<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong><br />

seria o único válido.<br />

[201] O que é, portanto, cientificamente falando, um "complexo afetivo"? É a imagem de uma<br />

determina<strong>da</strong> situação psíquica de forte carga emocional e, além disso, incompatível com as disposições<br />

ou atitude habitual <strong>da</strong> consciência. Esta imagem é dota<strong>da</strong> de poderosa coerência interior e tem sua<br />

totali<strong>da</strong>de própria e goza de um grau relativamente elevado de autonomia, vale dizer: está sujeita ao<br />

controle <strong>da</strong>s disposições <strong>da</strong> consciência até um certo limite e, por isto, se comporta, na esfera do<br />

consciente, como um corpus alienum corpo estranho, animado de vi<strong>da</strong> própria. Com algum esforço de<br />

vontade, pode-se, em geral, reprimir o complexo, mas é impossível negar sua existência, e na primeira<br />

ocasião favorável ele volta à tona com to<strong>da</strong> a sua força original. Certas investigações experimentais<br />

parecem indicar que sua curva de intensi<strong>da</strong>de ou de ativi<strong>da</strong>de tem caráter ondulatório, com um<br />

comprimento de on<strong>da</strong> que varia de horas, dias ou semanas. Esta questão é muito complica<strong>da</strong> e ain<strong>da</strong> não<br />

se acha de todo esclareci<strong>da</strong>.<br />

[202] Aos trabalhos <strong>da</strong> psicopatologia francesa, e em particular aos esforços de Pierre Janet,<br />

devemos os conhecimentos que hoje possuímos sobre a extrema dissociabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> consciência. Janet e<br />

Morton Prince conseguiram produzir quatro e até cinco cisões <strong>da</strong> personali<strong>da</strong>de, verificando que ca<strong>da</strong><br />

fragmento <strong>da</strong> personali<strong>da</strong>de tinha uma componente caracterológica própria e sua memória separa<strong>da</strong>. Ca<strong>da</strong><br />

um destes fragmentos existe lado a lado, relativamente independentes uns dos outros, e pode a qualquer<br />

tempo revezar-se mutuamente, ou seja, possui ca<strong>da</strong> uma um elevado grau de autonomia. Minhas<br />

observações sobre os complexos completam este quadro um tanto inquietador <strong>da</strong>s possibili<strong>da</strong>des de<br />

desintegração psíquica, pois, no fundo, não há diferença de princípio alguma entre uma personali<strong>da</strong>de<br />

fragmentária e um complexo. Ambos têm de comum características essenciais e em ambos os casos<br />

coloca-se também a delica<strong>da</strong> questão <strong>da</strong> consciência fragmenta<strong>da</strong>. As personali<strong>da</strong>des fragmentárias<br />

possuem indubitavelmente uma consciência própria, mas a questão de saber se fragmentos psíquicos tão<br />

diminutos como os complexos são também capazes de ter consciência própria ain<strong>da</strong> não foi resolvi<strong>da</strong>.<br />

Devo confessar que esta questão me tem ocupado muitas vezes, pois os complexos se comportam como<br />

os diabretes cartesianos e parecem comprazer-se com as travessuras dos duendes. Põem em nossos lábios<br />

justamente a palavra erra<strong>da</strong>; fazem-nos esquecer o nome <strong>da</strong> pessoa que estamos para apresentar;<br />

provocam-nos uma necessi<strong>da</strong>de invencível de tossir, precisamente no momento em que estamos no mais<br />

belo pianíssimo do concerto; fazem tropeçar ruidosamente na cadeira o retar<strong>da</strong>tário que quer passar<br />

despercebido; num enterro, man<strong>da</strong>m-nos congratular-nos com os parentes enlutados, em vez de<br />

apresentar-lhes condolências; são os autores <strong>da</strong>quelas mal<strong>da</strong>des que F.Th. Vischer atribuía aos objetos<br />

inocentes. 6 São os personagens de nossos sonhos diante dos quais na<strong>da</strong> podemos fazer; são os seres<br />

élficos, tão bem caracterizados no folclore dinamarquês, pela história do pastor que tentou ensinar o pai<br />

nosso a dois elfos. Fizeram o maior esforço para repetir com exatidão as palavras ensina<strong>da</strong>s, mas, já na<br />

primeira frase, não puderam deixar de dizer: "Pai nosso, que não estás no céu". Como era de esperar, por<br />

razões teóricas, mostraram-se ineducáveis.<br />

[203] Cum maximo salis grano, espero que ninguém me leve a mal essa metaforização de um<br />

problema cientifico. Uma formulação dos fenômenos dos complexos, por mais sóbria que seja, não<br />

consegue contornar o fato impressionante de sua autonomia, e quanto mais profun<strong>da</strong>mente ela penetra a<br />

natureza - quase diria a biologia - dos complexos, tanto mais claramente ressalta seu caráter de alma<br />

fragmentária. A psicologia onírica mostra-nos, com to<strong>da</strong> a clareza, que os complexos aparecem em forma<br />

personifica<strong>da</strong>, quando são reprimidos por uma consciência inibidora, do mesmo modo como o folclore<br />

descreve os duendes que, de noite, fazem barulheira pela casa. Observamos o mesmo fenômeno em certas<br />

psicoses nas quais os complexos "falam alto" e aparecem como "vozes" que apresentam características de<br />

pessoas.<br />

[204] Hoje em dia podemos considerar como mais ou menos certo que os complexos são aspectos<br />

parciais <strong>da</strong> psique dissociados. A etiologia de sua origem é muitas vezes um chamado trauma, um<br />

choque emocional, ou coisa semelhante, que arrancou fora um pe<strong>da</strong>ço <strong>da</strong> psique. Uma <strong>da</strong>s causas mais<br />

freqüentes é, na reali<strong>da</strong>de, um conflito moral cuja razão última reside na impossibili<strong>da</strong>de aparente de<br />

6 Cf. Auch Elner. [Sobre este ponto, veja-se <strong>Jung</strong>, Psychologische Typen. p. 418 (obras Completas. VI)].

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