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Carl Gustav Jung - A Natureza da Psique.pdf - Agricultura Celeste

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XV – O REAL E O SUPRA-REAL 208<br />

[742] Não conheço na<strong>da</strong> a respeito de uma supra-reali<strong>da</strong>de. A reali<strong>da</strong>de contém tudo o que<br />

podemos saber, pois aquilo que age, que atua, é real. Se não age, não podemos <strong>da</strong>r-nos conta de sua<br />

presença e, por conseguinte, não conhecemos na<strong>da</strong> a seu respeito. Por isto eu só posso falar de coisas<br />

reais e nunca de coisas irreais, supra-reais ou sub-reais, a menos que alguém, naturalmente, tivesse a idéia<br />

de limitar o conceito de reali<strong>da</strong>de de tal maneira, que -o atributo "real" só se aplicasse a um determinado<br />

segmento <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de. Esta limitação à chama<strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de material ou concreta dos objetos percebidos<br />

pelos sentidos é um produto do modo de pensar subjacente ao chamado senso comum e à linguagem<br />

ordinária. Este modo de pensar procede em conformi<strong>da</strong>de com o célebre princípio: Nihil est in intellectu<br />

quod non antea fuerit in sensu [na<strong>da</strong> existe no intelecto que antes não tenha passado pelos sentidos], e isto<br />

a despeito do fato de haver uma imensi<strong>da</strong>de de coisas na mente que não derivam dos <strong>da</strong>dos dos sentidos.<br />

Sob este aspecto, é "real" tudo o que provém ou pelo menos parece provir direta ou indiretamente do<br />

mundo revelado pelos sentidos.<br />

[743] Esta limitação <strong>da</strong> imagem do mundo é reflexo <strong>da</strong> unilaterali<strong>da</strong>de do homem ocidental, <strong>da</strong><br />

qual muitas vezes se tem inculpado, mas injustamente, o espírito grego. A limitação do conhecimento à<br />

reali<strong>da</strong>de material arranca um pe<strong>da</strong>ço excessivamente grande, ain<strong>da</strong> que fragmentário, <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de total,<br />

substituindo-o por uma zona de penumbra que poderíamos chamar de irreal ou supra-real. A visão<br />

oriental do mundo desconhece esta perspectiva por demais estreita e, por isto, não tem necessi<strong>da</strong>de de<br />

uma supra-reali<strong>da</strong>de filosófica. Nossa reali<strong>da</strong>de, arbitrariamente circunscrita, acha-se continuamente<br />

ameaça<strong>da</strong> pelo "supra-sensível", pelo "supranatural", pelo "supra-humano" e outras coisas semelhantes. A<br />

reali<strong>da</strong>de oriental, evidentemente, inclui tudo isto. Entre nós, a zona de perturbação começa já com o<br />

conceito de psíquico. Em nossa reali<strong>da</strong>de, o psíquico não pode exprimir senão um efeito de terceira mão,<br />

produzido originariamente por causas físicas, uma "secreção do cérebro" ou alguma outra coisa<br />

igualmente "saborosa". Ao mesmo tempo, atribui-se a este apêndice do mundo material a capaci<strong>da</strong>de de<br />

superar e conhecer não só os mistérios do mundo físico, mas também a si próprio, sob a forma de<br />

"mente", e tudo isto sem que lhe seja reconheci<strong>da</strong> apenas como uma reali<strong>da</strong>de indireta.<br />

[744] O pensamento é "real"? Provavelmente — segundo este modo de pensar — na medi<strong>da</strong> em<br />

que se refere a algo que pode ser percebido pelos sentidos. Se não puder, será considerado "irreal",<br />

"imaginário" e "fantástico" e, deste modo, declarado como não existente. Isto acontece, praticamente, de<br />

maneira incessante, embora seja uma monstruosi<strong>da</strong>de filosófica. O pensamento existiu e existe, mesmo<br />

que não se refira a uma reali<strong>da</strong>de palpável, e produz inclusive efeitos exteriores, pois, do contrário,<br />

ninguém o perceberia. Mas como a palavra "existe" se refere — segundo o nosso modo de pensar — a<br />

algo de material, o pensamento "irreal" deve-se contentar com a existência de uma supra-reali<strong>da</strong>de<br />

nebulosa que equivale praticamente à irreali<strong>da</strong>de. E, no entanto, o pensamento tem deixado indícios<br />

indubitáveis atrás de si; talvez tenhamos especulado com eles e, com isto, aberto um doloroso rombo em<br />

nossa conta bancária mental.<br />

[745] Nosso conceito prático de reali<strong>da</strong>de parece, portanto, que precisa de revisão, e tanto é assim,<br />

que a literatura comum e diária começa a incluir os conceitos de "super" e "supra" em seu horizonte<br />

mental. Estou de pleno acordo com isto, porque nossa imagem do mundo contém alguma coisa que não<br />

está inteiramente certa, ou seja: na teoria nos recor<strong>da</strong>mos muito pouco, e na prática, por assim dizer,<br />

quase nunca, de que a consciência não tem uma relação direta com qualquer objeto material. Percebemos<br />

apenas as imagens que nos são transmiti<strong>da</strong>s indiretamente, através de um aparato nervoso complicado.<br />

Entre os terminais dos nervos dos órgãos dos sentidos e a imagem que aparece na consciência se intercala<br />

um processo inconsciente que transforma o fato psíquico <strong>da</strong> luz, por ex., em uma "luz"-imagem. Sem este<br />

complicado processo inconsciente de transformação, a consciência é incapaz de perceber qualquer<br />

coisa material.<br />

[746] A conseqüência disto é que aquilo que nos parece como uma reali<strong>da</strong>de imediata consiste em<br />

imagens cui<strong>da</strong>dosamente elabora<strong>da</strong>s e que, por conseguinte, nós só vivemos diretamente em um mundo<br />

de imagens. Para determinar, ain<strong>da</strong> que só aproxima<strong>da</strong>mente, a natureza real <strong>da</strong>s coisas materiais,<br />

precisamos <strong>da</strong> aparelhagem e dos métodos complicados <strong>da</strong> Física e <strong>da</strong> Química. Com efeito, estas<br />

208 [Publicado em: Querschnitt, XII (1933)].

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