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Carl Gustav Jung - A Natureza da Psique.pdf - Agricultura Celeste

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tranqüili<strong>da</strong>de. Na ver<strong>da</strong>de, porém, despertei justamente nesta parte do sonho, tomado <strong>da</strong> mais viva<br />

comoção, devido às pretensões descabi<strong>da</strong>s do advogado. A "satisfação de meu desejo", portanto, não me<br />

deixou absolutamente tranqüilo.<br />

[513] Indubitavelmente, por trás do advogado está a questão com o Sr. A. Mas é de notar que o<br />

sonho extraiu a apaga<strong>da</strong> figura do jurista, de meus tempos de estu<strong>da</strong>nte. Ao advogado associo a idéia de<br />

lider judicial, de ergotismo e a pretensão de sempre estar com a razão, o que me traz lembranças de meus<br />

tempos de estu<strong>da</strong>nte, quando, certo ou errado, eu defendia, muitas vezes, meus pontos de vista com<br />

teimosia e pertinácia, argumentando a partir de uma posição de quem aparentemente estava com a razão,<br />

para conquistar, pelo menos, uma aparência de superiori<strong>da</strong>de. Tudo isto — percebo-o agora claramente<br />

— não deixou de exercer certo papel em minha lide com o Sr. A. Eu sei que sou eu mesmo, isto é, uma<br />

parte de mim, ina<strong>da</strong>pta<strong>da</strong> à minha reali<strong>da</strong>de presente, que, sob a aparência de falso direito que realmente<br />

não possuo, como de fato não possuía, exige de mim acima do que é devido. Sei também que minha<br />

conten<strong>da</strong> com A. não se extinguira, porque o querelador que mora dentro de mim, sempre obstinado na<br />

defesa de seus direitos, não desiste de alcançar, afinal, uma solução "justa", a todo custo.<br />

[514] Esta interpretação orientou-me para aquilo que me parece um resultado cheio de sentido, ao<br />

passo que a interpretação ao nível do objeto revelou-se infrutuosa, pois não tenho o mínimo interesse em<br />

demonstrar que os sonhos são realizações de desejos. Quando um sonho me mostra que espécie de falta<br />

eu cometi, ele me dá a possibili<strong>da</strong>de de corrigir minha atitude, o que é sempre vantajoso. Naturalmente só<br />

se pode chegar a um resultado desta natureza através <strong>da</strong> interpretação ao nível do sujeito.<br />

[515] Por mais clara que seja a interpretação ao nível do sujeito, num caso como este, ela pode<br />

perder seu valor, quando uma relação de importância vital é o conteúdo e a causa do conflito. Neste caso,<br />

é preciso referir a personagem onírica ao objeto real. O critério a empregar tira-se, para ca<strong>da</strong> caso<br />

especial, do material consciente, exceto naqueles casos em que está em jogo a transferência. A<br />

transferência determina muito facilmente erros de apreciação, de sorte que o médico às vezes parece um<br />

deus ex machina, absolutamente indispensável ou um requisito igualmente imprescindível <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de. E<br />

é isto mesmo o que ele representa aos olhos do doente. Em tais casos, cabe ao médico decidir, com<br />

independência e controle de si próprio, em que medi<strong>da</strong> ele próprio constitui um problema real para o<br />

paciente. A partir do momento em que o nível do objeto se torna monótono e infrutífero para a<br />

interpretação, sabe-se que é tempo de ver a figura do médico como um símbolo de conteúdos<br />

inconscientes e projetados do próprio paciente. Se o médico não faz isto, ele só terá uma alternativa: ou<br />

desvalorizar e destruir assim a transferência, reduzindo-a a desejos infantis, ou, pelo contrário, aceitar a<br />

reali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> transferência e sacrificar-se às suas exigências em favor do paciente (mesmo a despeito <strong>da</strong>s<br />

resistências conscientes deste último). Esta segun<strong>da</strong> eventuali<strong>da</strong>de acarreta muitos inconvenientes às<br />

partes interessa<strong>da</strong>s, sendo, em geral, o médico o mais gravemente prejudicado. Se, pelo contrário, se<br />

consegue elevar a figura do médico ao nível do sujeito, todos os conteúdos transferidos (projetados)<br />

podem regressar ao paciente com seu valor original. Em minha obra: O Eu e o Inconsciente (Die<br />

Beziehungen zwischen dem Ich und dem Unbewussten), encontra-se um exemplo de retira<strong>da</strong> <strong>da</strong>s projeções<br />

no decorrer <strong>da</strong> transferência 171 .<br />

[516] Parece-me de todo claro que o leitor não especialista de análise não terá interesse nessas<br />

minhas discussões sobre o "nível do sujeito" e o "nível do objeto". Mas, quanto mais nos aprofun<strong>da</strong>mos<br />

nos problemas suscitados pelo sonho, mais é preciso levar em consideração também os aspectos técnicos<br />

do tratamento prático. Para avançar neste terreno, foi preciso aquele inelutável constrangimento que todo<br />

caso difícil implica para o analista, pois este deve empenhar-se constantemente em aperfeiçoar seus meios<br />

de ação, a fim de estar em condições de prestar uma aju<strong>da</strong> váli<strong>da</strong>, mesmo nos casos mais difíceis.<br />

Devemos às dificul<strong>da</strong>des do tratamento diário de nossos doentes o fato de termos sido compelidos a<br />

formular pontos de vista que abalam alguns fun<strong>da</strong>mentos de nossa mentali<strong>da</strong>de corrente. Embora a<br />

subjetivi<strong>da</strong>de de qualquer imago seja um dos chamados truísmos, contudo, esta constatação encerra um<br />

não sei quê de filosófico que soa mal aos ouvidos de certos autores. A razão deriva diretamente <strong>da</strong>quilo<br />

que dissemos acima: a mentali<strong>da</strong>de ingênua identifica a imago com o objeto. Tudo o que perturba este<br />

pressuposto, provoca um efeito irritante nesta classe de pessoas. Pela mesma razão, a idéia de um nível do<br />

sujeito desperta pouca simpatia porque também perturba o postulado ingênuo <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de dos conteúdos<br />

<strong>da</strong> consciência com os objetos. Como nos mostraram claramente os acontecimentos do tempo de<br />

171<br />

[Cf. também Obras Completas, VII. Quanto às projeções no processo de transferência, veja-se Die Psychologie der Übertragung<br />

[Psicologia <strong>da</strong> Transferência, Obras Completas, XVI].

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