Carl Gustav Jung - A Natureza da Psique.pdf - Agricultura Celeste
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[637] Acontece que nossa consciência não exprime a totali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> natureza humana; é e<br />
permanece apenas uma parcela <strong>da</strong> mesma. Como se há de lembrar, em minhas considerações iniciais,<br />
mencionei a possibili<strong>da</strong>de de que a consciência de nosso eu não é necessariamente a única forma de<br />
consciência de nosso sistema, mas talvez esteja subordina<strong>da</strong> inconscientemente a uma consciência mais<br />
ampla, <strong>da</strong> mesma forma como os complexos mais simples estão subordinados ao complexo do eu.<br />
[638] Não sei como poderíamos provar que existe em nós uma consciência superior ou mais<br />
ampla do que a consciência do eu; mas, se existe tal consciência, ela deve perturbar sensivelmente a<br />
consciência do eu. Ilustrarei com um exemplo singelo o que pretendo dizer. Suponhamos que nosso<br />
sistema ótico tenha sua própria consciência e seja, por conseguinte, uma espécie de personali<strong>da</strong>de que eu<br />
chamarei de "personali<strong>da</strong>de visual". Suponhamos, ain<strong>da</strong>, que esta personali<strong>da</strong>de visual descobriu uma<br />
bela vista e que mergulhou em sua contemplação. De repente o sistema auditivo ouve a buzina de um<br />
automóvel. Esta percepção permanece inconsciente para o sistema ótico. O eu emite — também de modo<br />
inconsciente para o sistema ótico — uma ordem aos músculos, para que eles desloquem o corpo para uma<br />
outra posição no espaço. Este movimento subtrai subitamente o objeto do alcance <strong>da</strong> consciência visual.<br />
Se os olhos pudessem pensar, chegariam à conclusão de que o mundo iluminado acha-se exposto a to<strong>da</strong><br />
espécie de distúrbios obscuros.<br />
[639] Algo de semelhante aconteceria à nossa consciência, se houvesse uma consciência mais<br />
ampla, uma consciência que, como já indiquei acima, seria uma imagem do homem todo. Existem,<br />
realmente, distúrbios obscuros desta natureza, que nenhuma vontade pode controlar e nenhum propósito<br />
pode remover? E existe em algum recanto dentro de nós algo de intocável que pudesse ser eventualmente<br />
a fonte de tais distúrbios? À primeira questão podemos responder, sem mais, pela afirmativa. Nas pessoas<br />
normais — para não falar dos neuróticos — podemos observar facilmente as interferências e os distúrbios<br />
mais evidentes, originários de uma outra esfera: o humor de uma pessoa pode mu<strong>da</strong>r subitamente; uma<br />
dor de cabeça assalta-nos inopina<strong>da</strong>mente; o nome de um conhecido que queríamos apresentar foge-nos<br />
<strong>da</strong> mente; uma melodia persegue-nos um dia inteiro; gostaríamos de fazer alguma coisa, mas a energia<br />
necessária para isto desapareceu de modo inexplicável; esquecemos aquilo que de maneira nenhuma<br />
desejaríamos esquecer; gostaríamos de pegar logo no sono, mas o sono nos foge, ou, se adormecemos,<br />
nosso sono é perturbado por sonhos fantásticos e angustiantes; procuramos pelos óculos que estão em<br />
nosso nariz, como se os tivéssemos perdido em algum lugar; esquecemos o novo guar<strong>da</strong>-chuva mas não<br />
sabemos onde. Poderíamos multiplicar infinitamente a lista de casos. Quando estu<strong>da</strong>mos a psicologia dos<br />
neuróticos, defrontamo-nos com distúrbios os mais paradoxais possíveis. Vemos surgir sintomas<br />
patológicos estranhíssimos, mas não encontramos nenhum órgão doente. A temperatura do corpo se eleva<br />
a mais de quarenta graus, sem que se detecte a menor perturbação no organismo; estados sufocantes de<br />
angústia se manifestam, sem nenhuma causa real; açodem idéias obsessivas, de cujo caráter absurdo até o<br />
próprio paciente se dá conta; erupções cutâneas aparecem e desaparecem, independentemente de qualquer<br />
motivo real ou de qualquer terapia. Aqui também a lista seria interminável. Para ca<strong>da</strong> caso encontra-se<br />
naturalmente uma explicação boa ou má, a qual, to<strong>da</strong>via, não serve absolutamente para o caso seguinte.<br />
Mas não pode haver nenhuma dúvi<strong>da</strong> ou incerteza quanto à existência dos distúrbios.<br />
[640] Quanto à segun<strong>da</strong> questão, concernente à origem destes distúrbios, é preciso observar que a<br />
Psicologia médica formulou o conceito de inconsciente e provou que estes distúrbios estão ligados a<br />
processos inconscientes. É como se nossa personali<strong>da</strong>de visual tivesse descoberto que existem também<br />
fatores determinantes invisíveis, ao lado de fatores visíveis. Se não estamos de todo enganados, parecenos<br />
que os processos inconscientes longe estão de serem, ininteligentes. Falta-lhes, até mesmo<br />
estranhamente, o caráter de automatismo e de mecanismo. Por isto, eles jamais ficam abaixo dos<br />
processos conscientes, em questão de subtilezas; pelo contrário, muitas vezes eles ultrapassam, de muito,<br />
os conhecimentos e percepções conscientes.<br />
[641] Nossa personali<strong>da</strong>de visual imaginária poderia talvez duvi<strong>da</strong>r que os distúrbios repentinos<br />
do seu mundo luminoso provenham de uma consciência. E, assim, também podemos duvi<strong>da</strong>r <strong>da</strong><br />
existência de uma consciência mais ampla, sem outro fun<strong>da</strong>mento para esta dúvi<strong>da</strong> senão a personali<strong>da</strong>de<br />
visual. Como, porém, não podemos chegar a esse estado de consciência mais ampla, e, por conseguinte,<br />
não podemos compreendê-la, seria correto, sob nosso ponto de vista, <strong>da</strong>r a esta esfera obscura o nome de<br />
inconsciente.<br />
[642] Neste ponto de nossa discussão retorno à minha hipótese inicial de uma consciência<br />
superior, porque o problema de que aqui nos ocupamos, ou seja, o de uma força do espírito que determina