Carl Gustav Jung - A Natureza da Psique.pdf - Agricultura Celeste
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XVII – A ALMA E A MORTE *<br />
* Publicado pela primeira vez em Europäische Revue, X (1934), a<br />
seguir em Wirklichkeit der Seele, Tratados Psicológicos IV (1934)<br />
[796] Muitas vezes me tem sido perguntado o que e que eu penso a respeito <strong>da</strong> morte, desse fim<br />
não problemático <strong>da</strong> existência humana individual. A morte nos é conheci<strong>da</strong> simplesmente como um fim<br />
e na<strong>da</strong> mais. E o ponto final que se coloca muitas vezes antes mesmo de encerrar-se o período, e depois<br />
dela só existem recor<strong>da</strong>ções e efeitos subseqüentes, nos outros. Mas para o interessado a areia escoou-se<br />
na ampulheta; a pedra que rolava chegou ao estado de repouso. Em confronto com a morte, a vi<strong>da</strong> nos<br />
parece sempre como um fluir constante, como a marcha de um relógio a que se deu cor<strong>da</strong> e cuja para<strong>da</strong><br />
afinal é automaticamente espera<strong>da</strong>. Nunca estamos tão convencidos desta marcha inexorável do que<br />
quando vemos uma vi<strong>da</strong> humana chegar ao fim, e nunca a questão do sentido e do valor <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> se torna<br />
mais premente e mais dolorosa do que quando vemos o ultimo alento abandonar um corpo que ain<strong>da</strong> ha<br />
pouco vivia. Quão diferente nos parece o significado <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, quando vemos um jovem a lutar por<br />
objetivos distantes e a construir um futuro, em comparação com um doente incurável ou um ancião que<br />
descem relutantes e impotentes a sepultura. A juventude tem — aparentemente — um objetivo, um<br />
futuro, um significado e um valor, enquanto a marcha para um fim e apenas uma cessação sem sentido. Se<br />
alguém tem medo do mundo, <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> e do futuro, todos consideram isto como lamentável, irracional e<br />
neurótico; o jovem e visto como um poltrão covarde. Mas, se o homem que envelhece sente um pavor<br />
secreto ou mesmo um temor mortal ao pensamento de que suas expectativas razoáveis de vi<strong>da</strong> agora são<br />
apenas de tantos e tantos anos, então nos lembramos penosamente de certos sentimentos que trazemos<br />
dentro de nosso próprio peito, desviamos talvez o olhar para outro lado e encaminhamos a conversa para<br />
outro assunto. O otimismo com que julgamos a juventude, fracassa nessa hora. Temos, naturalmente, um<br />
repertório de conceitos apropriados a respeito <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, que ocasionalmente ministramos aos outros, tais<br />
como: "Todo mundo um dia vai morrer", "ninguém e eterno" etc., mas quando estamos sozinhos e é noite,<br />
e a escuridão e o silencio são tão densos, que não escutamos e não vemos senão os pensamentos que<br />
somam e subtraem os anos <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, e a longa serie <strong>da</strong>queles fatos desagradáveis que impiedosamente nos<br />
mostram ate onde os ponteiros do redigiu já chegaram, e a aproximação lenta e irresistível do muro de<br />
trevas que finalmente tragarão tudo o que eu amo, desejo, possuo, espero e procuro; então to<strong>da</strong> a nossa<br />
sabedoria de vi<strong>da</strong> se esgueirara para um esconderijo impossível de descobrir, e o medo envolvera o insone<br />
como um cobertor sufocante.<br />
[797] Assim como existem um grande número de jovens que, no fundo, tem um medo pânico <strong>da</strong><br />
vi<strong>da</strong> (que eles ao mesmo tempo desejam ardentemente), também existe um número, talvez ain<strong>da</strong> maior,<br />
de pessoas idosas que tem o mesmo medo em relação a morte. Tenho observado que aqueles que mais<br />
temem a vi<strong>da</strong> quando jovens, são justamente os que mais tem medo <strong>da</strong> morte quando envelhecem.<br />
Quando são jovens, dizemos que eles opõem uma resistência infantil as exigências normais <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, mas<br />
deveríamos dizer a mesma coisa quando são velhos, ou seja, que eles tem medo também <strong>da</strong>s exigências<br />
normais <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>; mas estamos tão convencidos de que a morte não é senão o fim de um processo, que<br />
ordinariamente não nos ocorre conceber a morte como uma meta e uma consumação, como o fazemos,<br />
sem hesitarão, com respeito aos objetivos e as intenções <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> jovem em ascensão.<br />
[798] A vi<strong>da</strong> é um processo energético, como qualquer outro, mas, em princípio, todo processo<br />
energético é irreversível e, por isto, é orientado univocamente para um objetivo. E este objetivo é o estado<br />
de repouso. No fundo, todo processo na<strong>da</strong> mais é do que, por assim dizer, a perturbação inicial de um<br />
estado de repouso perpétuo que procura restabelecer-se sempre. A vi<strong>da</strong> é teleológica par excellence, é a<br />
própria persecução de um determinado fim, e o organismo na<strong>da</strong> mais é do que um sistema de objetivos<br />
prefixados que se procura alcançar. O termo de ca<strong>da</strong> processo é o seu objetivo. Todo processo energético<br />
se assemelha a um corredor que procura alcançar sua meta com o máximo esforço e o maior dispêndio<br />
possível de forças. A ânsia do jovem pelo mundo e pela vi<strong>da</strong>, o desejo de consumar altas esperanças e<br />
objetivos distantes constituem o impulso teleológico manifesto <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> que se converte em medo <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>,<br />
em resistências neuróticas, depressões e fobias, se fica preso ao passado, sob algum aspecto, ou recua<br />
diante de certos riscos sem os quais não se podem atingir as metas prefixa<strong>da</strong>s. Mas o impulso teleológico