Carl Gustav Jung - A Natureza da Psique.pdf - Agricultura Celeste
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momento, já não podemos falar de função "moral" em sentido estrito. Com efeito, convém observar que<br />
os sonhos <strong>da</strong>quelas pessoas cujo comportamento é aparentemente irrepreensível do ponto de vista moral,<br />
trazem à tona materiais que devemos classificar de "imorais" em sentido corrente. Assim é sintomático<br />
que Santo Agostinho se regozijava de não ser responsável pelos seus sonhos diante de Deus. O<br />
inconsciente é aquilo que não se conhece em determinado momento, e por isto não é de surpreender que o<br />
sonho venha acrescentar à situação psicológica consciente do momento todos aqueles aspectos que são<br />
essenciais para um ponto de vista totalmente diferente. É óbvio que a função do sonho constitui um<br />
ajustamento psicológico, uma compensação absolutamente indispensável à ativi<strong>da</strong>de ordena<strong>da</strong>. No<br />
processo consciente de reflexão é necessário que, enquanto possível, tenhamos em mente todos os<br />
aspectos e conseqüências de um problema, de modo a encontrar a solução corrente. Este processo<br />
prolonga-se automaticamente durante o estado mais ou menos inconsciente de sono, onde, como nos<br />
parece mostrar nossa experiência atual, se apresentam ao sonhador — quando na<strong>da</strong>, apenas por alusão —<br />
todos aqueles pontos de vista que durante o dia foram insuficientemente considerados ou totalmente<br />
ignorados, isto é, que se mantiverem mais ou menos inconscientes.<br />
[470] Com relação ao tão discutido simbolismo do sonho, sua apreciação varia conforme o<br />
consideremos do ponto de vista causal ou final. A concepção causal de Freud parte de um desejo, de uma<br />
aspiração recalca<strong>da</strong>, expressa no sonho. Esse desejo é sempre algo de relativamente simples e elementar,<br />
mas pode se dissimular sob múltiplos disfarces. Assim, o rapaz de nosso sonho teria podido igualmente<br />
sonhar que devia abrir uma porta com uma chave, que voava de avião, que beijava a mãe, etc. Por este<br />
caminho a escola freudiana chegou a ponto de interpretar — para citarmos um exemplo grosseiro —<br />
quase todos os objetos alongados vistos nos sonhos, como símbolos fálicos, e todos os objetos redondos e<br />
ocos, como símbolos femininos.<br />
[471] Do ponto de vista <strong>da</strong> finali<strong>da</strong>de as imagens oníricas possuem o seu valor próprio. Se, por<br />
exemplo, em vez <strong>da</strong> cena <strong>da</strong> maçã, o jovem tivesse sonhado que devia abrir a porta com uma chave, esta<br />
imagem modifica<strong>da</strong> do sonho provavelmente teria fornecido material associativo essencialmente<br />
diferente, o qual, por sua vez, teria completado a situação consciente de maneira também diferente<br />
<strong>da</strong>quela do material associado à cena <strong>da</strong> maçã. Para este ponto de vista, a riqueza de sentidos reside na<br />
diversi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s expressões simbólicas, e não na sua uniformi<strong>da</strong>de de significação. O ponto de vista causal<br />
tende, por sua própria natureza, para a uniformi<strong>da</strong>de do sentido, isto é, para a fixação dos significados dos<br />
símbolos. O ponto de vista final, pelo contrário, vê nas variações <strong>da</strong>s imagens oníricas a expressão de<br />
uma situação psicológica que se modificou. Não reconhece significados fixos dos símbolos, por isto<br />
considera as imagens oníricas importantes em si mesmas, tendo ca<strong>da</strong> uma delas sua própria significação,<br />
em virtude <strong>da</strong> qual elas aparecem nos sonhos. Em nosso exemplo, o símbolo, considerado sob o ponto de<br />
vista final, possui mais propriamente o valor de uma parábola: não dissimula, ensina. A cena <strong>da</strong> maçã nos<br />
recor<strong>da</strong> vivi<strong>da</strong>mente o sentimento de culpa, ao mesmo tempo em que dissimula o que aconteceu com<br />
nossos primeiros pais.<br />
[472] É evidente que chegaremos a concepções muito diversas do sentido, do sonho, de acordo<br />
com o ponto de vista. Deseja-se saber, então, qual é a concepção melhor e mais correta. Para nós,<br />
terapeutas, de qualquer modo, termos uma concepção do sentido do sonho constitui acima de tudo uma<br />
necessi<strong>da</strong>de prática e não meramente teórica. Se queremos tratar nossos pacientes, é preciso, por razões<br />
concretas, tentar nos assenhorear dos meios que, com eficácia, nos permitirão educá-los. Conforme o<br />
nosso exemplo claramente o demonstrou, a coleta do material associativo suscitou uma questão<br />
especialmente indica<strong>da</strong> para abrir os olhos do jovem para coisas que ele negligenciara sem <strong>da</strong>r por isto.<br />
Mas, negligenciando-as, era de si mesmo que ele descurava, pois possuía, como qualquer outra pessoa,<br />
uma consciência moral e necessi<strong>da</strong>des de ordem moral. Procurando viver sem levar em conta este fato,<br />
sua existência tornou-se incompleta e exagera<strong>da</strong> ou, por assim dizer, desordena<strong>da</strong>, acarretando para a vi<strong>da</strong><br />
psíquica aquelas mesmas conseqüências que, para o corpo, resultam de um regime alimentar unilateral e<br />
incompleto. Para educar um indivíduo para a autonomia e para uma vi<strong>da</strong> plena, é preciso levá-lo à<br />
assimilação de to<strong>da</strong>s as funções que bem pouco ou mesmo nenhum desenvolvimento consciente<br />
alcançaram. Para isto, e por motivos terapêuticos, temos de levar em conta todos os aspectos <strong>da</strong>s coisas<br />
que os materiais oníricos nos oferecem. Daqui se infere o quanto o ponto de vista final é capaz de<br />
concorrer para a educação prática <strong>da</strong> personali<strong>da</strong>de.<br />
[473] O ponto de vista causal está muito mais na linha do espírito científico atual, com seu modo<br />
de pensar rigorosamente causal. Por isto, quando se trata de <strong>da</strong>r uma explicação científica <strong>da</strong> psicologia