Carl Gustav Jung - A Natureza da Psique.pdf - Agricultura Celeste
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os arquétipos devem ter um aspecto não-psíquico. As razões para esta conclusão se encontram nos<br />
fenômenos de sincronici<strong>da</strong>de 150 que acompanham a ativi<strong>da</strong>de de fatores inconscientes e que até hoje têm<br />
sido considerados ou rejeitados como "telepatia" 151 . O ceticismo, porém, deveria ter por objeto<br />
unicamente a teoria errônea, e não voltar-se contra fatos comprova<strong>da</strong>mente certos. Só um observador<br />
preconceituoso seria capaz de negá-lo. A resistência contra o reconhecimento de tais fatos provém<br />
principalmente <strong>da</strong> repugnância que as pessoas sentem em admitir uma suposta capaci<strong>da</strong>de sobrenatural<br />
inerente à psique. Os aspectos muito diversos e confusos de tais fenômenos podem muito bem ser<br />
explicados, até onde me é possível constatá-lo no presente, se admitirmos um contínuo espaço-tempo<br />
psiquicamente relativo. Assim que um conteúdo psíquico cruza o limiar <strong>da</strong> consciência, desaparecem os<br />
fenômenos sincronísticos marginais, o tempo e o espaço retomam o seu caráter absoluto costumeiro e a<br />
consciência fica de novo isola<strong>da</strong> em sua subjetivi<strong>da</strong>de. Deparamo-nos aqui com um <strong>da</strong>queles casos que<br />
pode muito bem ser compreendido sob a noção de "complementari<strong>da</strong>de", familiar aos físicos. Quando um<br />
conteúdo inconsciente penetra na consciência, cessa a sua manifestação sincronística; e, inversamente,<br />
torna-se possível produzir fenômenos sincronísticos, colocando-se o sujeito em um estado inconsciente<br />
(transe). Aliás, podemos observar também a mesma relação de complementari<strong>da</strong>de em todos aqueles<br />
casos, muito comuns e conhecidos <strong>da</strong> Medicina, nos quais certos sintomas clínicos desaparecem quando<br />
seus respectivos conteúdos inconscientes se tornam conscientes. Como se sabe, uma série de fenômenos<br />
psicossomáticos que, em geral, escapam ao controle <strong>da</strong> vontade, podem ser provocados por hipnose, ou<br />
seja, precisamente limitando-se a consciência. Pauli formula a relação de complementari<strong>da</strong>de aqui<br />
expressa, sob o ponto de vista físico, nos seguintes termos: "O experimentador (ou observador) é livre de<br />
escolher... que tipo de conhecimento ele adquirirá e que tipo perderá, ou, para dizermos em linguagem<br />
popular: é livre de decidir se medirá A e arruinará B, ou se arruinará A e medirá B. Mas não lhe cabe<br />
decidir se adquirirá exclusivamente conhecimentos, sem também perder outros" 152 .Isto se aplica de modo<br />
particular à relação entre o ponto de vista físico e o ponto de vista psicológico. A Física determina<br />
quanti<strong>da</strong>des e suas mútuas relações; a Psicologia determina quali<strong>da</strong>des, sem ser capaz de medir qualquer<br />
quanti<strong>da</strong>de que seja. Apesar disto, essas duas ciências chegam a conceitos que se aproximam<br />
significativamente uns dos outros. O paralelismo entre a explicação psicológica e a explicação física já<br />
fora apontado por C. A. Meier em Moderne Physik — Moderne Psychologie (Física Moderna —<br />
Psicologia Moderna) 153 . Ele afirma: "Ambas as ciências reuniram, ao longo de muitos anos de trabalho<br />
independente, um acervo de observações e de sistemas de pensamento correspondentes a elas. Ambas as<br />
ciências se depararam com certos limites que... apresentam características básicas similares. O objeto a<br />
ser pesquisado e o homem com seus órgãos dos sentidos e de conhecimento e suas ampliações isto é, os<br />
instrumentos e processos de medição — se acham indissoluvelmente ligados entre si. É isto o que se<br />
chama complementari<strong>da</strong>de em Física como em Psicologia". Entre a Física e a Psicologia há inclusive<br />
"uma autêntica e genuína relação de complementari<strong>da</strong>de".<br />
[441] Assim que podemos nos libertar <strong>da</strong> pretensão acientífica de que se trata meramente de uma<br />
coincidência casual, logo percebemos que os fenômenos em questão não são ocorrências raras, mais ou<br />
menos freqüentes. Esta constatação concor<strong>da</strong> inteiramente com os resultados a que chegou Rhine e que<br />
ultrapassam os limites <strong>da</strong> probabili<strong>da</strong>de. A psique não é um caos feito de caprichos e de casuali<strong>da</strong>des, mas<br />
uma reali<strong>da</strong>de objetiva, à qual os pesquisadores podem chegar pelos métodos <strong>da</strong>s Ciências naturais. Há<br />
indícios de que os processos psíquicos guar<strong>da</strong>m uma relação energética com o substrato fisiológico.<br />
Como se trata de acontecimentos energéticos, eles só podem ser interpretados como processos<br />
energéticos 154 ou, embora seja impossível medir os processos psíquicos, só podemos conceber as<br />
mu<strong>da</strong>nças perceptíveis produzi<strong>da</strong>s pela psique como fenômeno energético. Isto coloca o psicólogo numa<br />
situação extremamente repulsiva para o físico: o psicólogo fala também de energia, embora não tenha<br />
algo de mensurável a manipular; acresce que o conceito de energia é uma grandeza matemática<br />
150<br />
Sobre o conceito de "sincronici<strong>da</strong>de" veja-se Naturerklärung und Psyche, estudos extraídos do C. G. <strong>Jung</strong>-Institut IV (1952). [Cf. cap.<br />
XVIII do presente volume].<br />
151<br />
O físico Jor<strong>da</strong>n (Positivistische Bemerkungen über die paraphysischen Erscheinungen, p. 14s) já havia utilizado a idéia de espaço relativo<br />
para explicar os fenômenos telepáticos.<br />
152<br />
Comunicado epistolar.<br />
153<br />
Die kulturelle Bedeutung der Komplexen Psychologie, p. 349s.<br />
154<br />
Quero dizer com isto apenas que os fenômenos psíquicos têm um aspecto energético, em virtude do que eles podem ser classificados<br />
justamente como "fenômenos". Mas de modo algum quero dizer que o aspecto energético abarque ou explique mesmo a totali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> psique.