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Carl Gustav Jung - A Natureza da Psique.pdf - Agricultura Celeste

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lado, não podemos nos fechar para o fato de que estes mesmos conteúdos incompatíveis derivam de<br />

instintos inconscientes, o que quer dizer que o inconsciente não é apenas um mero receptáculo, mas a<br />

matriz <strong>da</strong>quelas coisas <strong>da</strong>s quais a consciência gostaria de se libertar. Mas podemos <strong>da</strong>r um passo adiante<br />

e dizer que o inconsciente cria também conteúdos novos. Tudo o que o espírito humano criou, brotou de<br />

conteúdos que, em última análise, eram germes inconscientes. Enquanto Freud enfatizou de modo<br />

especial o primeiro aspecto, eu acentuei o segundo, sem, contudo, negar o primeiro. Embora não se deva<br />

negligenciar o fato de que o homem procura evitar o máximo possível tudo o que lhe é desagradável e,<br />

por isto, esquece de pronto tudo o que não lhe convém, contudo, pareceu-me muito mais importante<br />

descobrir em que consiste realmente a ativi<strong>da</strong>de positiva do inconsciente. Sob este ponto de vista, o<br />

inconsciente aparece como a totali<strong>da</strong>de de todos os conteúdos psíquicos in statu nascendi. Esta<br />

ver<strong>da</strong>deira função do inconsciente é, no fun<strong>da</strong>mental, apenas perturba<strong>da</strong> pela repressão, e esta<br />

perturbação <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de natural do inconsciente é talvez a fonte mais importante <strong>da</strong>s chama<strong>da</strong>s<br />

enfermi<strong>da</strong>des psicógenas. A melhor maneira talvez de compreender o inconsciente é considerá-lo como<br />

um órgão natural dotado de uma energia criadora específica. Se, em conseqüência <strong>da</strong> repressão, seus<br />

produtos não encontram acolhi<strong>da</strong> na consciência, surge uma espécie de represamento, uma inibição não<br />

natural de uma função orienta<strong>da</strong> para um fim, semelhantemente ao que ocorre com a bílis, um produto <strong>da</strong><br />

função do fígado, quando impedi<strong>da</strong> de fluir para o intestino. Em conseqüência <strong>da</strong> repressão, produzem-se<br />

escoamentos psíquicos falsos. Da mesma forma que a bílis penetra na corrente sangüínea, assim também<br />

o conteúdo reprimido se irradia para outros domínios psíquicos e fisiológicos. Na histeria são sobretudo<br />

as funções fisiológicas que são perturba<strong>da</strong>s; em outras neuroses, tais como as fobias, as obsessões e as<br />

neuroses compulsivas, são perturba<strong>da</strong>s principalmente as funções psíquicas, entre as quais os sonhos.<br />

Assim como se pode demonstrar a ativi<strong>da</strong>de dos conteúdos reprimidos nos sintomas orgânicos <strong>da</strong> histeria<br />

e nos sintomas psíquicos de outras neuroses (e também <strong>da</strong>s psicoses), também se pode demonstrá-lo em<br />

relação aos sonhos. Em si, o sonho é uma função normal que pode ser perturba<strong>da</strong> por represamentos,<br />

como qualquer outra função. A teoria freudiana dos sonhos considera, e até mesmo explica, os sonhos<br />

exclusivamente sob este ângulo, como se na<strong>da</strong> mais fossem do que meros sintomas. Outros campos <strong>da</strong><br />

ativi<strong>da</strong>de do espírito, como sabemos, são tratados <strong>da</strong> mesma maneira pela psicanálise — por exemplo, as<br />

obras-de-arte. Mas é aqui onde penosamente se manifesta a inconsistência desta teoria, pois uma obra-dearte<br />

não é um sintoma, mas uma genuína criação. Uma ativi<strong>da</strong>de criativa só pode ser entendi<strong>da</strong> a partir de<br />

si mesma. Mas se ela é considera<strong>da</strong> como um mal-entendido patológico, que é também explicado como<br />

uma neurose, a tentativa de explicação em breve assume um aspecto lamentavelmente curioso.<br />

[703] O mesmo se pode dizer do sonho. Este último é uma criação peculiar do inconsciente, que é<br />

meramente deforma<strong>da</strong> e distorci<strong>da</strong> pela repressão. Uma explicação que visse no sonho apenas um sintoma<br />

de repressão erraria inteiramente o alvo.<br />

[704] Limitemo-nos, por enquanto, às conclusões <strong>da</strong> psicanálise de Freud. Segundo esta teoria, o<br />

homem aparece como um ser instintivo, que, sob vários aspectos, se choca com as barreiras <strong>da</strong> lei, dos<br />

preceitos morais e com suas próprias percepções, e, em conseqüência disto, é compelido a reprimir certos<br />

instintos no todo ou em parte. O escopo deste método é encaminhar estes conteúdos instintivos à<br />

inconsciência e neutralizar a repressão por meio de correções conscientes. À alegação de que sua<br />

libertação constitui uma ameaça, se responde dizendo que esses instintos na<strong>da</strong> mais são do que fantasias<br />

de desejos infantis que podem ser suprimidos simplesmente por meios racionais. Também se admite que<br />

eles possam ser "sublimados", segundo o termo técnico que designa uma espécie de desvio desses<br />

instintos para uma forma apropria<strong>da</strong> de a<strong>da</strong>ptação. Se alguém acredita que isto se possa fazer à vontade,<br />

engana-se redon<strong>da</strong>mente. Só a necessi<strong>da</strong>de absoluta pode efetivamente inibir um instinto natural. Onde<br />

não há esta necessi<strong>da</strong>de ou uma exigência inexorável, esta "sublimação" não passa de uma autodecepção,<br />

uma nova repressão, desta vez um pouco mais sutil.<br />

[705] Esta teoria e esta concepção do homem contêm alguma coisa de válido para a nossa<br />

cosmovisão? Acho muito difícil. A idéia que norteia a psicologia interpretativa de Freud é o<br />

conhecidíssimo materialismo racionalista do final do século XIX. Deste materialismo não pode resultar<br />

uma concepção diferente do mundo e, conseqüentemente, também uma atitude diferente do homem em<br />

relação ao mundo. Por isto, não devemos esquecer que só em raríssimos casos a atitude é influencia<strong>da</strong> por<br />

teorias. Um meio muito mais eficiente é o recurso ao sentimento. Mas não consigo ver como uma<br />

apresentação teórica e seca possa atingir o sentimento. Eu poderia apresentar um relato estatístico<br />

detalhado sobre as prisões a meus leitores e eles cairiam no sono. Mas se eu os condusisse através de uma

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