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Carl Gustav Jung - A Natureza da Psique.pdf - Agricultura Celeste

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[693] Creio que não sobrecarregamos nossa analogia, se incluirmos nela a relação do homem para<br />

com o mundo: o eu individual como coman<strong>da</strong>nte de um pequeno exército em luta com seu meio<br />

ambiente, não raramente uma guerra em duas frentes: na vanguar<strong>da</strong>, a luta pela existência, e na<br />

retaguar<strong>da</strong>, a luta contra a natureza rebelde de seus próprios instintos. Mesmo para os não-pessimistas,<br />

nossa existência parece mais uma luta do que qualquer outra coisa. O estado de paz é um desiderato, e é<br />

um acontecimento notável quando alguém sela a paz com o mundo e consigo mesmo. Precisamos de uma<br />

atitude cui<strong>da</strong>dosamente organiza<strong>da</strong>, de acordo com o estado mais ou menos crônico de guerra, e se um<br />

indivíduo perfeito conseguisse uma paz duradoura <strong>da</strong> alma, sua atitude precisaria de um grau muito maior<br />

ain<strong>da</strong> de cui<strong>da</strong>dosa preparação e de uma elaboração detalha<strong>da</strong>, para que pudesse durar, o mais<br />

modestamente que fosse. Com efeito, é muito mais fácil, para a psique, viver em estado de movimento,<br />

em contínuos altos e baixos dos acontecimentos, do que em estado de equilíbrio permanente, porque<br />

nesse último estado — por perfeito e elevado que possa ser — há a ameaça constante de sufocamento e de<br />

um tédio insuportável. Assim, engnamo-nos a nós próprios, ao supormos que os estados de paz <strong>da</strong> alma,<br />

isto é, as disposições serenas, delibera<strong>da</strong>s, equilibra<strong>da</strong>s e sem conflitos de ânimo — quando duradouras<br />

— dependem sempre de atitudes especialmente bem desenvolvi<strong>da</strong>s.<br />

[694] Talvez alguém se admire de que eu prefira o termo "atitude" à palavra "cosmovisão"<br />

[Weltanschauung]. Usando o conceito de atitude, deixo simplesmente em aberto a questão se se trata de<br />

uma cosmovisão consciente ou inconsciente. Alguém pode ser o coman<strong>da</strong>nte de seu próprio exército e<br />

travar com êxito a luta pela existência dentro e fora de si, e até mesmo alcançar um estado relativamente<br />

seguro de paz, sem possuir uma cosmovisão consciente. Mas não o conseguirá sem uma atitude. Só<br />

podemos falar ver<strong>da</strong>deiramente de cosmovisão quando alguém formular sua atitude de maneira conceitual<br />

ou concreta e verificar claramente por qual motivo e para que fim vive e age dessa ou <strong>da</strong>quela forma.<br />

[695] Mas, para que uma cosmovisão — perguntar-me-á alguém — se podemos viver<br />

perfeitamente sem ela? E poderia também perguntar-me: E para que uma consciência, se podemos viver<br />

muito bem sem ela? O que é, afinal de contas, uma cosmovisão? Na reali<strong>da</strong>de, na<strong>da</strong> mais é do que uma<br />

consciência amplia<strong>da</strong> ou aprofun<strong>da</strong><strong>da</strong>. A razão pela qual existe uma consciência e por que é que esta<br />

última tende fortemente a ampliar-se e aprofun<strong>da</strong>r-se é muito simples: é porque sem a consciência as<br />

coisas vão menos bem. Essa é, evidentemente, a razão pela qual a mãe <strong>Natureza</strong> se dignou produzir a<br />

consciência, a mais notável de to<strong>da</strong>s as curiosi<strong>da</strong>des <strong>da</strong> <strong>Natureza</strong>. Mesmo o primitivo quase inconsciente<br />

pode a<strong>da</strong>ptar-se e afirmar-se, mas somente em seu mundo primitivo, e é por isto que ele, em outras<br />

condições de vi<strong>da</strong>, torna-se vítima de incontáveis perigos, que nós, a um nível superior <strong>da</strong> consciência,<br />

podemos evitar sem esforço. É ver<strong>da</strong>de que a consciência superior está exposta a perigos que o primitivo<br />

sequer imagina, mas o fato é que o homem consciente conquistou a terra, e o inconsciente não. Não é de<br />

nossa competência decidir se, em última análise, e de um ponto de vista supra-humano, isto constitui uma<br />

vantagem ou um inconveniente.<br />

[696] A consciência superior determina a cosmovisão. Qualquer consciência dos motivos e <strong>da</strong>s<br />

intenções é uma cosmovisão em germe. Todo aumento de experiência e de conhecimento é um passo a<br />

mais no desenvolvimento <strong>da</strong> cosmovisão. E com a imagem que o homem pensante forma a respeito do<br />

mundo ele se modifica também a si próprio. O homem cujo Sol gira ain<strong>da</strong> em torno <strong>da</strong> Terra é diferente<br />

<strong>da</strong>quele cuja Terra é um planeta do Sol. As idéias de Gior<strong>da</strong>no Bruno sobre a infinitude não foram em<br />

vão: elas representam um dos inícios mais importantes <strong>da</strong> consciência moderna. O homem cujo cosmo<br />

está suspenso no empíreo é diferente <strong>da</strong>quele cuja mente foi ilumina<strong>da</strong> pela visão de Kepler. O homem<br />

que ain<strong>da</strong> tem dúvi<strong>da</strong>s quanto ao resultado <strong>da</strong> multiplicação de dois por dois é diferente <strong>da</strong>quele para o<br />

qual na<strong>da</strong> é mais certo do que as ver<strong>da</strong>des aprio-rísticas <strong>da</strong> Matemática. Em outras palavras: Não é<br />

indiferente saber que espécie de cosmovisão possuímos, porque não formamos apenas uma imagem do<br />

mundo; esta imagem modifica-nos também retroativamente.<br />

[697] O conceito que formamos a respeito do mundo é a imagem <strong>da</strong>quilo que chamamos mundo.<br />

E é por esta imagem que orientamos a a<strong>da</strong>ptação de nós mesmos à reali<strong>da</strong>de. Como já disse, isto não<br />

acontece de modo consciente. O sol<strong>da</strong>do comum não tem conhecimento <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong>des do estado-maior,<br />

enquanto que nós somos, ao mesmo tempo, o estado-maior e o coman<strong>da</strong>nte do exército. Mas quase<br />

sempre é necessária uma decisão enérgica para arrancar a consciência <strong>da</strong>s preocupações impertinentes do<br />

momento e dirigi-la para os problemas mais gerais <strong>da</strong> atitude. Se não o fizermos, naturalmente<br />

permaneceremos inconscientes de nossa atitude e, neste caso, não temos uma cosmovisão, mas apenas<br />

uma atitude inconsciente. Se não nos dermos conta disto, os nossos motivos e intenções fun<strong>da</strong>mentais

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