19.05.2013 Views

Carl Gustav Jung - A Natureza da Psique.pdf - Agricultura Celeste

Carl Gustav Jung - A Natureza da Psique.pdf - Agricultura Celeste

Carl Gustav Jung - A Natureza da Psique.pdf - Agricultura Celeste

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

elação ao inconsciente temos apenas dom do conhecimento a posteriori, e, além disto, é completamente<br />

impossível saber de antemão o que quer que seja a respeito do estado ver<strong>da</strong>deiro <strong>da</strong>s coisas que se passam<br />

no inconsciente. Qualquer conclusão neste sentido é confessa<strong>da</strong>mente não mais do que uma suposição.<br />

[710] Nestas circunstâncias, o inconsciente parece-nos como um no grande x a respeito do qual a<br />

única certeza que temos é a de que dele resultam efeitos importantes. Uma olha<strong>da</strong> sobre as religiões<br />

universais nos mostra como estes efeitos são importantes, historicamente falando. E um olhar sobre os<br />

sofrimentos do homem moderno nos mostrará a mesma coisa. Apenas nos expressamos um pouco<br />

diferentemente. Há quinhentos anos atrás dizia-se que uma mulher estava possuí<strong>da</strong> do demônio: hoje<br />

dizemos que ela tem um ataque de histeria. Antigamente dizia-se que uma pessoa enferma estava<br />

enfeitiça<strong>da</strong>: hoje dizemos que ela sofre de neurose gástrica. Os fatos são os mesmos; só que a antiga<br />

explicação era, psicologicamente falando, quase exata, ao passo que nossas descrições raciona-listas dos<br />

sintomas são praticamente sem conteúdo. De fato, se eu digo que uma pessoa está possuí<strong>da</strong> de um espírito<br />

mau, no fundo estou simplesmente querendo dizer que esta pessoa possessa não está realmente doente,<br />

mas sofre uma influência psíquica invisível que ela não tem condições de controlar. Este fator invisível é<br />

um complexo autônomo, um conteúdo inconsciente. Quando analisamos a psicologia de uma neurose,<br />

descobrimos um complexo que não se comporta como os conteúdos <strong>da</strong> consciência, isto é, vindo e indo a<br />

uma ordem nossa, mas obedece às suas próprias leis; em outras palavras: é independente, ou (para<br />

empregar um termo técnico) autônomo. Comporta-se exatamente como um diabrete que não se deixa<br />

captar. E quando o complexo se torna consciente — e tal é o objetivo <strong>da</strong> análise — o paciente exclama,<br />

talvez aliviado: "Então, era isto o que me perturbava?" Tem-se a impressão de que se conseguiu alguma<br />

coisa: os sintomas desaparecem; o complexo, como se diz, foi resolvido. Pode-se exclamar com Goethe:<br />

"Nós te explicamos, afinal!" Mas também devemos acrescentar, com Goethe: "E, mesmo assim, Tegel<br />

continua mal-assombra<strong>da</strong>!" Somente agora se revelou o ver<strong>da</strong>deiro estado <strong>da</strong>s coisas; isto é, somente<br />

agora tomamos consciência de que este complexo jamais poderia ter surgido, se nossa natureza não lhe<br />

tivesse conferido uma força propulsora secreta. Passarei a explicar o que quero dizer com isto, valendome<br />

de um pequeno exemplo:<br />

[711] Um cliente sofre de sintomas gástricos nervosos que consistem em contrações dolorosas<br />

semelhantes à fome. A análise revela uma ânsia infantil pela mãe, um assim chamado complexo <strong>da</strong> mãe.<br />

Os sintomas desaparecem com este novo conhecimento, mas, em compensação, permanece um forte<br />

anseio que não se aplaca com a simples explicação de que não passa de um complexo <strong>da</strong> mãe, de natureza<br />

infantil. O que antes era uma espécie de fome física e um sofrimento físico, agora se torna uma fome<br />

psíquica e um sofrimento psíquico. Anseia-se por alguma coisa e se sabe que era inteiramente errôneo<br />

associar este anseio à mãe, mas permanece o fato de um anseio sempre presente e implacável, e a solução<br />

deste problema é consideravelmente mais difícil do que reduzir esta neurose ao complexo <strong>da</strong> mãe. O<br />

anseio é uma exigência constante, um vazio interior e cruciante que só pode ser esquecido uma ou outra<br />

vez, mas nunca ser vencido pela força de vontade. Sempre retorna. Inicialmente não se sabe a origem<br />

deste anseio, e talvez nem mesmo se saiba qual é propriamente o objeto deste anseio. Podemos fazer uma<br />

série de conjeturas sobre isto, mas tudo o que se pode dizer com certeza é que alguma coisa expressa esta<br />

exigência, para além do complexo <strong>da</strong> mãe, e continua a levantar sua voz, independentemente de nossa<br />

consciência e à margem de qualquer crítica. É a este algo que eu chamo de complexo autônomo. É desta<br />

fonte que brota a força propulsora que originalmente alimentou o anseio infantil pela mãe e, deste modo,<br />

produziu a neurose, porque uma consciência adulta deveria repelir tal anseio infantil e reprimi-lo como<br />

incompatível.<br />

[712] Todos os complexos infantis são, em última análise, conteúdos autônomos do inconsciente.<br />

A mente primitiva considerou estes conteúdos sempre como algo estranho e incompreensível,<br />

personificando-os como espíritos, demônios e deuses, e procurou satisfazer as suas exigências com ritos<br />

mágicos e sacrais. Reconhecendo corretamente que esta fome ou sede não podia ser sacia<strong>da</strong> com alimento<br />

nem com bebi<strong>da</strong>, nem retornando ao seio materno, a mente primitiva criou imagens de seres invisíveis,<br />

ciumentos e exigentes, mais influentes, mais poderosos e mais perigosos do que o homem; habitantes de<br />

um mundo invisível, mas fundidos com as reali<strong>da</strong>des terrestres e tão identificados com elas, que há<br />

espíritos que habitam até mesmo nas panelas <strong>da</strong> cozinha. Os espíritos e a magia são as únicas causas <strong>da</strong>s<br />

enfermi<strong>da</strong>des para os primitivos. Os conteúdos autônomos foram projetados sobre estes serei<br />

sobrenaturais pelo primitivo. Nosso mundo, pelo contrário libertou-se dos demônios, até ao último<br />

resquício, mas os co~ teúdos autônomos e suas exigências permaneceram. Eles expressam parcialmente

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!