Carl Gustav Jung - A Natureza da Psique.pdf - Agricultura Celeste
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obra de Nicolas Flammel: "... et videbunt lapidem stanneum in manu Zorobabel. Septem isti oculi sunt<br />
Domini, qui discurrunt in universam terram" 115 ("Todos eles se alegraram, quando viram o prumo na mão<br />
de Zorobabel. Estas sete lâmpa<strong>da</strong>s são os olhos do Senhor que percorrem to<strong>da</strong> a terra") 116 . Estes sete<br />
olhos são, evidentemente, os sete planetas que, como o Sol e a Luz, são os olhos de Deus e nunca<br />
repousam, mas estão por to<strong>da</strong> parte e a tudo vêem. Parece que o mesmo motivo está na base <strong>da</strong> len<strong>da</strong> do<br />
gigante Argos de muitos olhos. Ele é alcunhado de πανοπτιζ (aquele que tudo vê) e simboliza o céu<br />
estrelado. Algumas vezes possui apenas um olho, outras vezes possui vários, e outras possui centenas, ou<br />
é mesmo μυριωποζ (dotado de milhares de olhos). Além disto, nunca adormece. Hera transferiu os olhos<br />
de Argos Panoptes para a cau<strong>da</strong> do pavão 117 . Como o guardião Argos, a constelação do Dragão ocupa<br />
também uma posição de supervisionadora de to<strong>da</strong>s as coisas, nas citações de Arato feitas por Hipólito.<br />
Ele é descrito aí como alguém "que contempla do alto do Pólo to<strong>da</strong>s as coisas e vê to<strong>da</strong>s as coisas, de tal<br />
modo que na<strong>da</strong> do que acontece lhe fica oculto" 118 . Este dragão nunca adormece, porque o Pólo "jamais<br />
se põe". Muitas vezes ele é confundido com o percurso serpentino do Sol através do céu. "C'est pour ce<br />
motif qu'on dispose parfois les signes du zodiaque entre lês circonvolutions du reptile" ["É por isto que às<br />
vezes se colocam os signos do Zodíaco entre as circunvoluções do réptil"], diz Cumont em uma de suas<br />
obras 119 . Às vezes a serpente traz os signos do Zodíaco no dorso 120 . Como observa Eisler, graças ao<br />
simbolismo do tempo, a onividência do dragão foi transferi<strong>da</strong> para Cronos que Sófocles chama de<br />
ο παντ ορων Χρονοζ [o que tudo vê], enquanto na inscrição sepulcral em memória dos que tombaram<br />
em Queronéia é denominado de πανεπισχοποζ [o gênio que a tudo inspeciona] 121 . O Oυροβοροζ<br />
[Uroboros] tem o significado de eterni<strong>da</strong>de (αιων) e de cosmos em Horapolo. A identificação <strong>da</strong><br />
onividência com o tempo talvez explique a presença dos olhos nas ro<strong>da</strong>s <strong>da</strong> visão de Ezequiel (Ez 1,18:<br />
"... todo o corpo <strong>da</strong>s quatro ro<strong>da</strong>s estava cheio de olhos ao redor"). Mencionamos a identificação <strong>da</strong><br />
constelação onividente com o tempo, por causa de seu significado especial: ela indica a relação do<br />
mundus archetypus do inconsciente com o "fenômeno" do tempo; em outras palavras: indica a<br />
sincronici<strong>da</strong>de de certos acontecimentos arquetípicos, à qual voltarei mais demora<strong>da</strong>mente no final <strong>da</strong><br />
seguinte secção.<br />
[395] Pela autobiografia de Inácio de Loiola, por ele dita<strong>da</strong> a Loys Gonzales 122 , sabemos que ele<br />
teve repeti<strong>da</strong>mente uma visão luminosa que muitas vezes assumia a forma de uma serpente. Ela parecia<br />
cheia de olhos brilhantes que, no entanto, não eram ver<strong>da</strong>deiros olhos. Inicialmente ele se sentia muito<br />
consolado com a beleza desta visão; mais tarde, porém, reconheceu que era um espírito mau 123 . Esta visão<br />
contém, em suma, todos os temas óticos aqui tratados e apresenta um retrato impressionante do<br />
inconsciente com suas luminosi<strong>da</strong>des dissemina<strong>da</strong>s. Podemos facilmente imaginar a perplexi<strong>da</strong>de que<br />
deveria sentir um homem medieval confrontado com uma intuição tão eminentemente "psicológica"<br />
como esta, especialmente se considerarmos que não havia um símbolo dogmático nem uma alegoria<br />
patrística suficiente que viessem em socorro de seu julgamento. Mas Inácio não esteve muito longe de<br />
acertar, pois a multiplici<strong>da</strong>de de olhos é também uma característica do Purusha, o homem primordial do<br />
Hinduísmo. Assim lemos no "Rgve<strong>da</strong>" 10,90: "Purusha possui mil cabeças, mil olhos e mil pés. Ele<br />
abarca a terra inteira e domina o espaço de dez dedos" 124 .Segundo Hipólito, Monoimos, o árabe,<br />
ensinava que o homem primordial (Ανθροποζ) era a única môna<strong>da</strong> (μια μοναζ), não composta,<br />
indivisível, e, ao mesmo tempo, composta e divisível. Esta môna<strong>da</strong> é o pontinho do "i" [iota]<br />
(μια χεραια), e esta uni<strong>da</strong>de mínima, que corresponde à única scintilla de Khunrath, tem "inúmeras<br />
115<br />
Zc 3,9: "Super lapidem unum septem oculi sunt". ["Sobre esta pedra única estão sete olhos"] se acha na mesma linha.<br />
116<br />
Eirenaeus Orandus, Nicolas Flammel: His Exposition of the Hierogfyphical Figures... etc.<br />
117<br />
Este mitologema é importante para a interpretação <strong>da</strong> cau<strong>da</strong> pavonis [cau<strong>da</strong> do pavão].<br />
118<br />
" θαι νομιζουσι <br />
ϕ <br />
υψηλο <br />
<br />
<br />
ηδεν η" (Elenchos, IV, 47, 2, 3).<br />
119<br />
Textes et monuments figures relatifs mix mystères de Mithra, I, p. 80.<br />
120<br />
" ξε<br />
δ<br />
<br />
ξεινεξ<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
" ("Faz com que a serpente carregue sinais<br />
zodiacais no dorso".). (Pitra, Analecta sacra, V, p. 300, citado em Eisler, Weltenmantel und Himmelszelt, II, p. 389, nota 5).<br />
121<br />
Eisler, op. cif., II, p. 388: "O Onividente Cronos" e o "demônio que tudo observa".<br />
122<br />
Luís Gonzalez, Acta antiqüíssima.<br />
123<br />
Inácio teve também a visão de uma "res quae<strong>da</strong>m rotun<strong>da</strong> tanquam ex auro et magna" ["uma certa coisa redon<strong>da</strong>, feita de ouro e grande"]<br />
que flutuava diante de seus olhos. Ele interpretou-a como sendo Cristo que lhe aparecia qual um sol (Funk, Ignatius von Loyola, p. 57, 65, 74<br />
e 112).<br />
124<br />
Hillebrandt, Lieder der Rgve<strong>da</strong>, p. 130.