Carl Gustav Jung - A Natureza da Psique.pdf - Agricultura Celeste
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o curso de nossa vi<strong>da</strong>, está ligado a processos que escapam ao controle <strong>da</strong> consciência do eu. Um pouco<br />
mais acima eu observei, de passagem, que uma idéia desprovi<strong>da</strong> de força emotiva jamais poderá<br />
converter-se em um fator que determinasse o curso de nossa existência. Também disse que o<br />
aparecimento de um determinado espírito — ou atitude — constitui uma questão de vi<strong>da</strong> e morte. Com<br />
isto eu quis enfatizar que nossa consciência não está em condição de produzir um complexo autônomo a<br />
seu bel-prazer. O complexo não é autônomo, a não ser que nos ocorra forçosamente e nos mostre<br />
visivelmente sua superiori<strong>da</strong>de em relação à vontade consciente. Ele também constitui um <strong>da</strong>queles<br />
distúrbios que provêm <strong>da</strong>s regiões obscuras <strong>da</strong> psique. Quando eu disse, anteriormente, que a idéia deve<br />
necessariamente suscitar uma resposta <strong>da</strong>s emoções, eu me referi a uma prontidão inconsciente que, por<br />
causa de sua natureza afetiva, atinge uma profundi<strong>da</strong>de inteiramente inacessível à nossa consciência.<br />
Assim, nossa razão consciente não é capaz de destruir as raízes dos sintomas nervosos. Para isto seriam<br />
necessários processos emocionais que têm o poder de influenciar o sistema nervoso simpático. Por isto,<br />
poderíamos dizer também que uma idéia compulsiva se apresenta aos olhos <strong>da</strong> consciência do eu como<br />
uma ordem incondicional, quando a consciência mais ampla a considera adequa<strong>da</strong>. Todos os que têm<br />
consciência do seu princípio norteador sabem com que autori<strong>da</strong>de indiscutível ele dispõe e domina a<br />
nossa vi<strong>da</strong>. Mas, em geral, a consciência se acha tão preocupa<strong>da</strong> em alcançar os objetivos que ela tem em<br />
vista, que jamais leva em conta a natureza do espírito que determina o curso de sua vi<strong>da</strong>.<br />
[643] Sob o ponto de vista psicológico, o fenômeno do espírito aparece, <strong>da</strong> mesma forma que<br />
qualquer complexo autônomo, como uma intenção superior — ou pelo menos de igual nível — do<br />
inconsciente. Se queremos fazer justiça à natureza <strong>da</strong>quilo que chamamos espírito, devemos antes falar de<br />
um inconsciente do que de uma consciência superior, porque o conceito de espírito exige que associemos<br />
a ele a déia de superiori<strong>da</strong>de em relação à consciência do eu. A superiori<strong>da</strong>de do espírito não lhe foi<br />
atribuí<strong>da</strong> por uma reflexão consciente. Pelo contrário, é uma quali<strong>da</strong>de essencial inerente à sua<br />
manifestação, como no-lo mostram com evidência os documentos de to<strong>da</strong>s as épocas, desde a Sagra<strong>da</strong><br />
Escritura até o Zaratustra de Nietzsche. Psicologicamente falando, o espírito se manifesta como um ser<br />
pessoal, às vezes com uma clareza visionária. No dogma cristão, é inclusive a terceira Pessoa <strong>da</strong><br />
Santíssima Trin<strong>da</strong>de. Estes fatos nos mostram que o espírito nem sempre é uma idéia ou uma máxima que<br />
se possa formular, mas que nas suas manifestações mais vigorosas e mais imediatas, ele desenvolve uma<br />
vi<strong>da</strong> autônoma to<strong>da</strong> própria, que é senti<strong>da</strong> como a vi<strong>da</strong> de um ser independente de nós mesmos. Enquanto<br />
um espírito puder ser designado e descrito através de um princípio inteligível ou de uma idéia clara,<br />
certamente ele não será sentido como um ser independente. Mas, quando a idéia ou princípio em questão<br />
é imprevisível, quando suas intenções são obscuras quanto à origem e aos seus objetivos, mas assim<br />
mesmo se impõem, o espírito é necessariamente sentido como um ser independente, como uma espécie de<br />
consciência supe-rior, sua natureza superior e inescrutável e já não pode ser expressa em conceitos <strong>da</strong><br />
razão humana. Em tais circunstâncias, nossa capaci<strong>da</strong>de de expressão lança mão de outros re» cursos:<br />
cria um símbolo.<br />
[644] Por símbolo não entendo uma alegoria ou um mero sinal, mas uma imagem que descreve <strong>da</strong><br />
melhor maneira possível a natureza do espírito obscuramente pressenti<strong>da</strong>. Um símbolo não define nem<br />
explica. Ele aponta para fora de si, para um significado obscuramente pressentido, que escapa ain<strong>da</strong> à<br />
nossa compreensão e não poderia ser expresso adequa<strong>da</strong>mente nas palavras de nossa linguagem atual. Um<br />
espírito que não pode ser traduzido em um conceito definido é um complexo psíquico situado nos limites<br />
<strong>da</strong> consciência de nosso eu. Ele não produz nem faz na<strong>da</strong> além <strong>da</strong>quilo que colocamos dentro dele. Mas<br />
um espírito que requer um símbolo para sua expressão é um complexo psíquico que encerra os germes<br />
fecundos de possibili<strong>da</strong>des incalculáveis. O exemplo mais ilustrativo e mais imediato é a eficácia do<br />
símbolo cristão, testemunha<strong>da</strong> pela história e cuja extensão é fácil de avaliar. Alguém que contemplar<br />
com isenção de ânimo o efeito produzido pelo espírito do Cristianismo primitivo sobre a mente dos<br />
homens medianos do século II, não pode furtar-se ao espanto que isto lhe causa. Mas nenhum espírito era<br />
mais criativo do que este. Por isto, não é de admirar que ele fosse sentido como possuidor de uma<br />
superiori<strong>da</strong>de divina.<br />
[645] É justamente esta superiori<strong>da</strong>de senti<strong>da</strong> com tanta clareza que confere ao fenômeno do<br />
espírito um caráter de revelação e uma autori<strong>da</strong>de absoluta — certamente uma quali<strong>da</strong>de perigosa, pois o<br />
que poderíamos talvez chamar de consciência superior, nem sempre é "superior" do ponto de vista de<br />
nossos valores conscientes, mas muitas vezes contrasta violentamente com nossos ideais aceitos.<br />
Estritamente falando, poderíamos denominar esta consciência hipotética simplesmente de consciência