Carl Gustav Jung - A Natureza da Psique.pdf - Agricultura Celeste
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um arranjo adequado <strong>da</strong> matéria que torna possível a existência de um ser vivo. Com o fim de evitar<br />
qualquer confusão, eu gostaria de chamar a atenção para o fato de que na minha definição de corpo<br />
incluí uma componente que denomino vagamente de "enti<strong>da</strong>de vital". Mas esta separação, que não<br />
pretendo defender ou criticar, quer apenas indicar que o corpo não deve ser entendido como um<br />
amontoado de matéria inerte, mas como um sistema material realmente pronto para a vi<strong>da</strong> e que torna a<br />
vi<strong>da</strong> possível, com a condição, porém, de que, mesmo estando pronto para a vi<strong>da</strong>, este sistema não poderá<br />
viver sem a presença de um princípio vital. Pois, excluído o significado possível deste princípio vital,<br />
faltaria automaticamente ao corpo como tal algo que é estritamente necessário à sua vi<strong>da</strong>, a saber: o fator<br />
psíquico. Conhecemos isto, diretamente, a partir de nossa experiência com nós mesmos, através <strong>da</strong><br />
observação científica em animais vertebrados superiores e nos animais inferiores e mesmo nas plantas,<br />
pois nenhum argumento prova o contrário.<br />
[606] Podemos admitir que a "enti<strong>da</strong>de vital" de que falamos acima é idêntica ao fator psíquico,<br />
por assim dizer diretamente percebi<strong>da</strong> por nós na consciência humana, e, deste modo, restabelecer a<br />
antiqüíssima e conheci<strong>da</strong> duali<strong>da</strong>de existente entre alma e corpo? Ou existem razões que nos permitam<br />
separar a "enti<strong>da</strong>de vital" <strong>da</strong> alma? Isto nos <strong>da</strong>ria a possibili<strong>da</strong>de de considerar a alma também como um<br />
sistema apropriado, como um arranjo não apenas de matéria pronta para a vi<strong>da</strong>, mas de matéria viva, ou,<br />
mais precisamente, como um processo vital. Não tenho a mínima certeza de que esta hipótese alcançará<br />
aprovação geral, pois estamos de tal modo habituados a conceber o corpo e a alma como um composto<br />
vital, que dificilmente nos inclinamos a ver na alma apenas um aglomerado de processos vitais que se<br />
passam no corpo.<br />
[607] Até onde minha experiência me permite extrair conclusões gerais a respeito <strong>da</strong> natureza <strong>da</strong><br />
alma, ela nos mostra que o processo psíquico é um fenômeno dependente do sistema nervoso. Sabemos,<br />
com razoável margem de certeza, que a destruição de certas partes do cérebro ocasiona deficiências<br />
psíquicas correspondentes. A medula espinhal e o cérebro consistem, essencialmente, através de conexões<br />
entre as vias sensoriais e motoras, o chamado arco reflexo ou arco diastáltico. Mostrarei o que isto<br />
significa, através de um exemplo simples muito eluci<strong>da</strong>tivo. Suponhamos que alguém toque com o dedo<br />
em um objeto aquecido: imediatamente, o calor excitará as extremi<strong>da</strong>des dos nervos tácteis. O estímulo<br />
altera o estado de to<strong>da</strong> a via de transmissão nervosa até a medula espinhal e <strong>da</strong>í ao cérebro. Mas já na<br />
medula espinhal, as células ganglionares que captam o estímulo táctil transmitem a mu<strong>da</strong>nça de estado às<br />
células ganglionares motoras vizinhas, as quais, por sua vez, enviam estímulos aos músculos do braço e<br />
provocam uma contração súbita <strong>da</strong> musculatura e a retração <strong>da</strong> mão. Tudo isto acontece com tanta<br />
rapidez, que a percepção consciente <strong>da</strong> dor muitas vezes só ocorre quando a mão já está retraí<strong>da</strong>. A reação<br />
é automática e só posteriomente é percebi<strong>da</strong> de maneira consciente. Mas o que acontece na medula<br />
espinhal é transmitido ao eu que percebe, em forma de imagem ou cópia que podemos expressar através<br />
de um conceito e de um nome. Com base em tal arco reflexo, ou seja, em um estímulo que se dá a partir<br />
de fora, podemos formar uma idéia dos processos que estão na raiz <strong>da</strong> psique.<br />
[608] Tomemos agora um exemplo menos simples: Suponhamos que ouvimos um som indistinto<br />
cujo efeito inicial se reduz a um estímulo para escutarmos mais atentamente, para descobrirmos o que ele<br />
significa. Neste caso, o estímulo acústico desencadeia no cérebro to<strong>da</strong> uma gama de representações, de<br />
imagens, que se associam ao estímulo acústico. Parte delas se converte em imagens acústicas, parte em<br />
imagens visuais e parte em imagens sensoriais. Emprego a palavra imagem, aqui, simplesmente no<br />
sentido de representação. Uma enti<strong>da</strong>de psíquica só pode ser um conteúdo consciente, isto é, só pode ser<br />
representa<strong>da</strong> quando é representável, ou seja, precisamente quando possui a quali<strong>da</strong>de de imagem. Por<br />
isto chamo de imagens a todos os conteúdos conscientes porque são reflexos de processos que ocorrem no<br />
cérebro.<br />
[609] À série de imagens suscita<strong>da</strong> pelo estímulo auditivo subitamente se acrescenta uma imagem<br />
acústica, surgi<strong>da</strong> <strong>da</strong> memória e acompanha<strong>da</strong> de uma imagem visual, a saber, o chocalhar de uma cobra<br />
cascavel. Isto vem seguido imediatamente de um alarme enviado a todos os músculos do corpo. O arco<br />
reflexo está completo, mas, neste caso, difere do anterior, pelo fato de um processo cerebral, isto é, uma<br />
série de imagens psíquicas, haver-se interposto entre o estímulo sensorial e o impulso motor. A tensão<br />
súbita do organismo reage sobre o coração e os vasos sangüíneos, provocando uma sucessão de processos<br />
que se refletem psiquicamente em forma de terror.<br />
[610] É deste modo que podemos formar uma idéia <strong>da</strong> natureza <strong>da</strong> psique. Ela é constituí<strong>da</strong> de<br />
imagens reflexas de processos cerebrais simples, e <strong>da</strong>s reproduções destas imagens em uma sucessão