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Carl Gustav Jung - A Natureza da Psique.pdf - Agricultura Celeste

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dúvi<strong>da</strong> que o homem civilizado se ocupa muitíssimo menos com a hipótese dos espíritos do que o<br />

primitivo, mas, a meu ver, é também fora de dúvi<strong>da</strong> que os fenômenos psíquicos são muito mais raros<br />

entre os civilizados do que entre os primitivos. Estou convencido de que um europeu que tenha realizado<br />

os mesmos exercícios e as mesmas práticas utiliza<strong>da</strong>s por um curandeiro para tornar visíveis os espíritos,<br />

teria também a mesma experiência. Só que ele a interpretaria de maneira diferente, negando-lhe qualquer<br />

objetivi<strong>da</strong>de, mas isto não alteraria o fato em si mesmo. É sabido que o europeu tem também experiências<br />

psíquicas estranhíssimas quando forçado a viver em condições primitivas ou quando se encontra em<br />

situação psíquica fora do comum.<br />

[574] Uma <strong>da</strong>s principais fontes <strong>da</strong> crença do primitivo nos espíritos é o sonho. Nos sonhos<br />

aparecem pessoas, muito freqüentemente, como protagonistas, e a consciência primitiva acredita<br />

facilmente que se trata realmente de espíritos. É sabido que certos sonhos têm um valor infinitamente<br />

maior para o primitivo do que para o civilizado. Ele não somente fala, muitas vezes, de seus sonhos, mas<br />

lhes atribui também grande importância, de sorte que freqüentemente se tem a impressão de que o<br />

primitivo é incapaz de distingui-los <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de. Os sonhos não têm valor aos olhos dos civilizados em<br />

geral, mas entre estes há muitos indivíduos que atribuem grande importância a certos sonhos, justamente<br />

por causa de seu caráter estranho e impressionante. Esta peculiari<strong>da</strong>de confere certa plausibili<strong>da</strong>de à<br />

opinião de que estes sonhos são inspirações. Mas a inspiração implica um inspirador, um espírito, embora<br />

pouco se fale desta conseqüência lógica. Um exemplo bastante ilustrativo neste sentido é o fato de que,<br />

muitas vezes, nos sonhos aparecem figuras de pessoas faleci<strong>da</strong>s. As mentes ingênuas acreditam<br />

facilmente que são as almas de mortos que voltam a se manifestar.<br />

[575] Uma outra fonte <strong>da</strong> crença nos espíritos são as doenças psicógenas, os distúrbios nervosos,<br />

especialmente os de natureza histérica que parecem ser freqüentes entre os primitivos. Como estas<br />

doenças se originam de conflitos psicológicos, o mais <strong>da</strong>s vezes inconscientes, o paciente acredita que<br />

tal» doenças são causa<strong>da</strong>s por aquelas pessoas, vivas ou faleci<strong>da</strong>s, que estão de algum modo liga<strong>da</strong>s a seu<br />

conflito subjetivo, Se é a figura de uma pessoa faleci<strong>da</strong>, a reação natural 4 pensar que se trata de seu<br />

espírito que exerceu uma influência nociva quando em vi<strong>da</strong>. Como os conflitos patógenos em geral<br />

remontam à infância e estão, assim, ligados a recor<strong>da</strong>ções em torno <strong>da</strong> figura dos pais, é natural que o<br />

primitivo atribua particular importância justamente aos espíritos de sem parentes falecidos. Estas relações<br />

são responsáveis pelo culto aos antepassados e parentes largamente difundido. O culto ao mortos é, antes<br />

de tudo, uma proteção contra a má vontade dos mortos. Quem se dedica ao tratamento de doenças<br />

nervosas sabe, por experiência, quão grande é a importância <strong>da</strong> influência exerci<strong>da</strong> pelos pais sobre os<br />

doentes. Há um grande número de pacientes que se sentem ver<strong>da</strong>deiramente perseguidos pelos pais,<br />

mesmo que estes hajam morrido há muito tempo. As repercussões psicológicas <strong>da</strong> influência dos pais são<br />

tão poderosas que, como dissemos, muitos povos desenvolveram todo um sistema de culto aos seus<br />

mortos. 189<br />

[576] É fora de dúvi<strong>da</strong> que as doenças mentais propriamente ditas desempenham um papel de<br />

muita importância na gênese <strong>da</strong> crença dos espíritos. Entre os povos primitivos, enquanto sabemos, estas<br />

doenças são, o mais <strong>da</strong>s vezes, de caráter delirante, alucinatório e catatônico, e pertencem, aparentemente,<br />

ao vasto campo <strong>da</strong> esquizofrenia, uma enfermi<strong>da</strong>de que abrange a maior parte <strong>da</strong>s doenças mentais<br />

crônicas. Os doentes mentais foram considerados em to<strong>da</strong>s as épocas e lugares como possuídos por<br />

espíritos maus. Esta crença é secun<strong>da</strong><strong>da</strong> pelas alucinações dos doentes. Estes são atormentados menos por<br />

visões do que propriamente por alucinações: ouvem "vozes". Trata-se, freqüentemente, de vozes de<br />

parentes ou de pessoas de algum modo liga<strong>da</strong>s ao conflito subjetivo do paciente. A impressão que as<br />

pessoas ingênuas têm é a de que estas alucinações são produzi<strong>da</strong>s por espíritos.<br />

[577] É impossível falar <strong>da</strong> crença nos espíritos, sem, ao mesmo tempo, considerar a crença nas<br />

almas. A crença nas almas é um correlato <strong>da</strong> crença nos espíritos. Como o primitivo acredita que o<br />

189 Durante minha expedição ao Monte Elgon [África Oriental], em 1925/26, uma de nossas aguadeiras, uma jovem casa<strong>da</strong> que vivia em um<br />

kraal [aldeia] <strong>da</strong> vizinhança, adoeceu, ao que parece, era conseqüência de aborto séptico, acompanhado de febre alta. Não podíamos tratá-la<br />

com os parcos meios de que dispúnhamos. Os parentes man<strong>da</strong>ram logo vir um "nganga", uma espécie de curandeiro. Este, assim que chegou,<br />

começou a <strong>da</strong>r voltas ao redor <strong>da</strong> cabana, em círculos ca<strong>da</strong> vez mais largos, e a farejar o ar. De repente, estacou, em silêncio, junto a uma<br />

trilha que descia <strong>da</strong> montanha, e explicou que a doente era a filha única de pais mortos ain<strong>da</strong> muito jovens, que agora moravam lá no alto <strong>da</strong><br />

floresta de bambu. Ca<strong>da</strong> noite eles desciam de lá, e provocaram a doença na filha, a fim de que ela morresse e fosse fazer companhia a eles.<br />

Ordenou que à entra<strong>da</strong> <strong>da</strong> trilha que descia <strong>da</strong> montanha se construísse imediatamente uma "armadilha de espíritos", sob a forma de pequena<br />

cabana dentro <strong>da</strong> qual colocaram uma imagem de argila, representando a enferma, juntamente com "posho" (comi<strong>da</strong>s). De noite, os espíritos<br />

dos pais entrariam nessa pequena cabana, pensando encontrar-se com a filha. Para nosso grandíssimo espanto, a doente se recuperou dentro<br />

de dois dias. Estava errado o nosso diagnóstico? O certo é que o enigma ficou sem resposta.

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