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Carl Gustav Jung - A Natureza da Psique.pdf - Agricultura Celeste

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<strong>da</strong> vi<strong>da</strong> não cessa quando se atinge o amadurecimento e o zênite <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> biológica. A vi<strong>da</strong> desce agora<br />

montanha abaixo, com a mesma intensi<strong>da</strong>de e a mesma irresistibili<strong>da</strong>de com que a subia antes <strong>da</strong> meia<br />

i<strong>da</strong>de, porque a meta não está no cume, mas no vale, onde a subi<strong>da</strong> começou. A curva <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> é como a<br />

parábola de um projétil que retorna ao estado de repouso, depois de ter sido perturbado no seu estado de<br />

repouso inicial.<br />

[799] A curva psicológica <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, entretanto, recusa-se a se conformar com estas leis <strong>da</strong> natureza.<br />

A discordância às vezes começa já antes, na subi<strong>da</strong>. Biologicamente, o projétil sobe, mas<br />

psicologicamente retar<strong>da</strong>. Ficamos parados, por trás de nossos anos, agarrados à nossa infância, como se<br />

não pudéssemos arrancar-nos do chão. Paramos os ponteiros do relógio, e imaginamos que o tempo se<br />

deteve. Se alcançamos finalmente o cume, mesmo com algum atraso, psicologicamente sentamo-nos aí<br />

para descansar, e embora nos sintamos deslizar montanha abaixo, agarramo-nos, ain<strong>da</strong> que somente com<br />

olhares nostálgicos, ao pico que outrora alcançamos; o medo que antigamente nos paralisava diante <strong>da</strong><br />

vi<strong>da</strong>, agora nos paralisa diante <strong>da</strong> morte. E embora admitamos que foi o medo <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> que retardou nossa<br />

subi<strong>da</strong>, contudo, exigimos maior direito ain<strong>da</strong> de nos determos no cume que acabamos de galgar,<br />

justamente por causa desse atraso. Embora se torne evidente que a vi<strong>da</strong> se afirmou, apesar de to<strong>da</strong>s as<br />

nossas resistências (agora profun<strong>da</strong>mente lamenta<strong>da</strong>s), não levamos este fato em conta e tentamos deter o<br />

curso <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>. Com isto, nossa psicologia perde a sua base natural. Nossa consciência paira suspensa no<br />

ar, enquanto, embaixo, a parábola <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> desce ca<strong>da</strong> vez mais rapi<strong>da</strong>mente.<br />

[800] A vi<strong>da</strong> natural é o solo em que se nutre a alma. Quem não consegue acompanhar essa vi<strong>da</strong>,<br />

permanece enrijecido e parado em pleno ar. É por isto que muitas pessoas se petrificam na i<strong>da</strong>de madura,<br />

olham para trás e se agarram ao passado, com um medo secreto <strong>da</strong> morte no coração. Subtraem-se ao<br />

processo vital, pelo menos psicologicamente, e por isto ficam para<strong>da</strong>s como colunas nostálgicas, com<br />

recor<strong>da</strong>ções muito vivi<strong>da</strong>s do seu tempo de juventude, mas sem nenhuma relação vital com o presente.<br />

Do meio <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> em diante, só aquele que se dispõe a morrer conserva a vitali<strong>da</strong>de, porque na hora<br />

secreta do meio-dia <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> inverte-se a parábola e nasce a morte. A segun<strong>da</strong> metade <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> não<br />

significa subi<strong>da</strong>, expansão, crescimento, exuberância, mas morte, porque o seu alvo é o seu término. A<br />

recusa em aceitar a plenitude <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> equivale a não aceitar o seu fim. Tanto uma coisa como a outra<br />

significam não querer viver. E não querer viver é sinônimo de não querer morrer. A ascensão e o declínio<br />

formam uma só curva.<br />

[801] Sempre que possível, nossa consciência recusa-se a aceitar esta ver<strong>da</strong>de inegável.<br />

Ordinariamente nos apegamos ao nosso passado e ficamos presos à ilusão de nossa juventude. A velhice é<br />

sumamente impopular. Parece que ninguém considera que a incapaci<strong>da</strong>de de envelhecer é tão absur<strong>da</strong><br />

quanto a incapaci<strong>da</strong>de de abandonar os sapatos de criança que traz nos pés. O homem de trinta anos ain<strong>da</strong><br />

com espírito infantil é certamente digno de lástima, mas um setuagenário jovem — não é delicioso? E, no<br />

entanto, ambos são pervertidos, desprovidos de estilo, ver<strong>da</strong>deiras monstruosi<strong>da</strong>des psicológicas. Um<br />

jovem que não luta nem triunfa perdeu o melhor de sua juventude, e um velho que não sabe escutar os<br />

segredos dos riachos que descem dos cumes <strong>da</strong>s montanhas para os vales não tem sentido, é uma múmia<br />

espiritual e não passa de uma relíquia petrifica<strong>da</strong> do passado. Está situado à margem <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, repetindo-se<br />

mecanicamente até à última banali<strong>da</strong>de. Pobre cultura aquela que necessita de tais fantasmas!<br />

[802] Nossa longevi<strong>da</strong>de comprova<strong>da</strong> pelas estatísticas atuais é um produto <strong>da</strong> civilização. Entre<br />

os primitivos só excepcionalmente se chega a uma i<strong>da</strong>de avança<strong>da</strong>. Assim, quando visitei as tribos<br />

primitivas <strong>da</strong> África oriental, vi pouquíssimos homens de cabelos brancos que poderiam ter<br />

estimativamente mais de sessenta anos. Mas eram realmente velhos e parecia que tinham sido sempre<br />

velhos, tão plenamente se haviam identificado com sua i<strong>da</strong>de avança<strong>da</strong>. Eram exatamente o que eram sob<br />

todos os aspectos, ao passo que nós somos sempre apenas mais ou menos aquilo que realmente somos. É<br />

como se nossa consciência tivesse deslizado um pouco de suas bases naturais e não soubesse mais como<br />

se orientar pelo tempo natural. Dir-se-ia que sofremos de uma hybris <strong>da</strong> consciência que nos induz a<br />

acreditar que o tempo de nossa vi<strong>da</strong> é mera ilusão que pode ser altera<strong>da</strong> a nosso bel-prazer. (Pergunta-se<br />

de onde a consciência tira a sua capaci<strong>da</strong>de de ser tão contrária à natureza e o que pode significar tal<br />

arbitrarie<strong>da</strong>de).<br />

[803] Da mesma forma que a trajetória de um projétil termina quando ele atinge o alvo, assim<br />

também a vi<strong>da</strong> termina na morte, que é, portanto, o alvo para o qual tende a vi<strong>da</strong> inteira. Mesmo sua<br />

ascensão e seu zênite são apenas etapas e meios através dos quais se alcança o alvo que é a morte. Esta<br />

fórmula paradoxal na<strong>da</strong> mais é do que a conclusão lógica do fato de que nossa vi<strong>da</strong> é teleológica e

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