Carl Gustav Jung - A Natureza da Psique.pdf - Agricultura Celeste
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- para explicar esta concordância dos motivos e símbolos mitológicos pela migração e transmissão. Mas<br />
esta explicação, que possui certamente algum valor, é contradita<strong>da</strong> a qualquer tempo e em qualquer lugar<br />
sem que houvesse a menor possibili<strong>da</strong>de de uma tal transmissão. Assim, outrora observei um doente<br />
mental que produziu quase com as mesmas palavras uma seqüência simbólica bastante longa que se pode<br />
ler num papiro publicado alguns anos mais tarde por Dieterich (caso este narrado por mim em minha obra<br />
Wandlungen und Symbole der Libido [Símbolos <strong>da</strong> Transformação <strong>da</strong> Libido]. Depois de ter visto um<br />
número suficiente de tais casos, minha idéia original de que tais coisas só podem acontecer em pessoas<br />
pertencentes à mesma raça, viu-se abala<strong>da</strong>, e eu, em conseqüência disto, investiguei os sonhos de negros<br />
puros do Sul dos Estados Unidos <strong>da</strong> América do Norte. Nesses sonhos encontrei temas <strong>da</strong> mitologia grega<br />
que dissiparam as dúvi<strong>da</strong>s que eu tinha quanto a saber se eram ou não de herança racial.<br />
[229] Tenho sido acusado muitas vezes de acreditar supersticiosamente em idéias her<strong>da</strong><strong>da</strong>s, mas<br />
injustamente, porque tenho enfatizado expressamente que estas concordâncias não provêm de "idéias",<br />
mas de disposições her<strong>da</strong><strong>da</strong>s que nos levam a reagir exatamente <strong>da</strong>quela maneira como sempre reagiram<br />
os outros antes de nós. Ou também se negou a concordância, sob o pretexto de que a figura do "redentor"<br />
era, em um caso, uma lebre, em um outro, um pássaro, e em um terceiro, um ser humano. Mas<br />
esqueceram-se de algo que impressionou de tal modo um indiano ingênuo que visitava uma igreja inglesa<br />
que, ao chegar à casa, contou que os cristãos adoravam animais porque viu ali em torno muitas imagens<br />
de cordeiros. O que nos interessa não são os nomes, mas suas conexões. Assim, pouco nos importa que a<br />
"jóia" em um caso seja um anel, em outro, seja uma coroa, em um terceiro, uma pérola e um quarto, seja<br />
um tesouro completo. O essencial é a idéias de um objeto sumamente precioso e difícil de ser alcançado,<br />
pouco nos importando quanto à sua localização. E o essencial, psicologicamente falando, é que nos<br />
sonhos, nas fantasias e nos estados excepcionais <strong>da</strong> mente, os temas e símbolos mitológicos mais<br />
distantes possam surgir autoctonemente em qualquer época, aparentemente como resultado de influências,<br />
tradições e estímulos individuais, mas também, mais freqüentemente, sem estes fatores. Essas "imagens<br />
primordiais" ou "arquétipos", como eu os chamei, pertencem ao substrato fun<strong>da</strong>mental <strong>da</strong> psique<br />
inconsciente e não podem ser explicados como aquisições pessoais. Todos juntos formam aquele estrato<br />
psíquico ao qual dei o nome de inconsciente coletivo.<br />
[230] A existência do inconsciente coletivo indica que a consciência individual não é<br />
absolutamente isenta de pressupostos. Ao contrário: acha-se condiciona<strong>da</strong> em alto grau por fatores<br />
her<strong>da</strong>dos, sem falar, evidentemente, <strong>da</strong>s inevitáveis influências que sobre ela exerce o meio ambiente. O<br />
inconsciente coletivo compreende to<strong>da</strong> a vi<strong>da</strong> psíquica dos antepassados desde os seus primórdios. É o<br />
pressuposto e a matriz de todos os fatos psíquicos e por isto exerce também uma influência que compromete<br />
altamente a liber<strong>da</strong>de <strong>da</strong> consciência, visto que tende constantemente a recolocar todos os<br />
processos conscientes em seus antigos trilhos. É este perigo positivo que explica a extraordinária<br />
resistência que a consciência contrapõe ao inconsciente. Não se trata aqui <strong>da</strong> resistência à sexuali<strong>da</strong>de,<br />
destaca<strong>da</strong> por Freud, mas de algo muito mais geral: o medo instintivo de perder a liber<strong>da</strong>de <strong>da</strong><br />
consciência e de sucumbir ao automatismo <strong>da</strong> psique inconsciente;. Para certos tipos de pessoas o perigo<br />
parece consistir na sexuali<strong>da</strong>de, porque é aí que elas temem perder sua liber<strong>da</strong>de. Para outros, o perigo se<br />
situa em regiões inteiramente diversas, precisamente sempre onde se nota uma certa fraqueza, ou seja,<br />
portanto, onde não é possível opor uma alta barragem ao inconsciente.<br />
[231] O inconsciente coletivo constitui um outro ponto em que a psicologia pura se depara com<br />
fatores orgânicos, onde ela, com to<strong>da</strong> probabili<strong>da</strong>de, tem de reconhecer um fato de natureza não<br />
psicológica que se apóia em uma base fisiológica. Da mesma forma como o mais inveterado psicólogo<br />
jamais conseguirá reduzir a constituição fisiológica ao denominador comum <strong>da</strong> etiologia psíquica<br />
individual, assim também será impossível descartar o postulado fisiologicamente necessário do<br />
inconsciente individual como aquisição individual. O tipo constitucional e o inconsciente coletivo são<br />
fatores que escapam ao controle <strong>da</strong> consciência. Assim, as condições constitucionais e as formas vazias<br />
do inconsciente coletivo são reali<strong>da</strong>des, e isto, no caso do inconsciente, outra coisa não significa senão<br />
que seus símbolos ou motivos são fatores tão reais quanto à constituição que não se pode desconsiderar<br />
ou negar. A desconsideração <strong>da</strong> constituição leva a perturbações, e a negligência do inconsciente coletivo<br />
produz o mesmo resultado. É por isso que eu, (em minha ativi<strong>da</strong>de terapêutica, dirijo minha atenção<br />
particularmente para a relação do paciente para com os fatos do inconsciente coletivo, pois uma ampla<br />
experiência me ensinou que é tão importante compor-nos tanto com o inconsciente quanto com as nossas<br />
disposições individuais).