Carl Gustav Jung - A Natureza da Psique.pdf - Agricultura Celeste
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do pai, mas, na reali<strong>da</strong>de, se refere ao próprio sonhador. Nossas imagines [imagens] são partes<br />
constitutivas de nossa mente, e quando o nosso sonho reproduz casualmente algumas representações,<br />
estas são, antes de tudo, as nossas representações, em cuja elaboração esteve envolvi<strong>da</strong> a totali<strong>da</strong>de de<br />
nosso ser; são fatores subjetivos que, no sonho, se agrupam de tal ou tal modo e exprimem este ou aquele<br />
sentido, não por motivos exteriores, mas pelos movimentos mais íntimos e imperceptíveis de nossa alma.<br />
To<strong>da</strong> a elaboração onírica é essencialmente subjetiva e o sonhador funciona, ao mesmo tempo, como<br />
cena, ator, ponto, contra-regra, autor, público e crítico. Esta ver<strong>da</strong>de tão singela forma a base dessa<br />
concepção do sentido onírico que designei pelo título de interpretação ao nível do sujeito. Esta<br />
interpretação, como diz o próprio termo, concebe to<strong>da</strong>s as figuras do sonho como traços personificados <strong>da</strong><br />
personali<strong>da</strong>de do sonhador 170 .<br />
[510] Esta concepção não deixou de encontrar certa resistência por parte de muitos. Os<br />
argumentos de uns se baseiam nas premissas ingênuas <strong>da</strong> mentali<strong>da</strong>de normal corrente, que acabamos de<br />
analisar. Os argumentos dos outros apelam para a questão de princípio: o que é mais importante, o nível<br />
do objeto ou o nível do sujeito? De minha parte não vejo nenhuma objeção váli<strong>da</strong> contra a probabili<strong>da</strong>de<br />
teórica do nível do sujeito. O segundo problema, em contraparti<strong>da</strong>, é consideravelmente mais difícil,<br />
porque uma imagem é, ao mesmo tempo, composta subjetivamente e condiciona<strong>da</strong> objetivamente. Por<br />
isto, quando reproduzo em mim a imagem desse objeto, estou reproduzindo alguma coisa que é<br />
determina<strong>da</strong>, tanto subjetivamente quanto objetivamente. Para decidir, em ca<strong>da</strong> caso, qual é o aspecto<br />
predominante, é preciso primeiramente verificar se a imagem é reproduzi<strong>da</strong> por causa de seu significado<br />
objetivo. Se eu sonho, por ex., com uma pessoa com que estou ligado por interesses vitais, a interpretação<br />
ao nível do objeto é certamente mais verídica do que a outra. Se, ao invés, sonho com uma pessoa que, na<br />
reali<strong>da</strong>de, me é tão distante quanto indiferente, a interpretação ao nível do sujeito é que se afigura mais<br />
ver<strong>da</strong>deira. Mas pode acontecer também — e é o que se dá freqüentemente na prática — que a pessoa<br />
indiferente faça o sonhador pensar noutra pessoa com quem ele está ligado por algum laço afetivo.<br />
Noutros tempos, ter-se-ia dito que a figura indiferente foi substituí<strong>da</strong> intencionalmente no sonho, para<br />
encobrir o constrangimento gerado pela outra figura. Neste caso eu aconselharia a seguir a direção <strong>da</strong><br />
natureza e dizer: a reminiscência manifestamente afetiva foi substituí<strong>da</strong>, no sonho, pela figura indiferente<br />
do Senhor X, o que me sugere a interpretação ao nível do sujeito. Esta substituição é um trabalho do<br />
sonho, equivalente, na reali<strong>da</strong>de, a um recalque <strong>da</strong> reminiscência desagradável. Mas se a reminiscência se<br />
deixa substituir tão facilmente, é porque ela não possui tanta importância. Sua substituição nos mostra que<br />
se pode despersonalizar este afeto pessoal. Eu poderia, por conseguinte, elevar-me acima deste afeto e<br />
não regredir à situação afetiva pessoal anterior, depreciando a despersonalização felizmente ocorri<strong>da</strong>, no<br />
sonho, como se se tratasse de um simples recalque. Creio que o mais judicioso seria considerar a<br />
substituição bem sucedi<strong>da</strong> <strong>da</strong> pessoa incômo<strong>da</strong> por uma indiferente como uma despersonalização do afeto<br />
pessoal anterior. Deste modo, o valor afetivo ou a correspondente carga libidinal se tornou impessoal ou,<br />
por outras palavras, libertou-se <strong>da</strong> ligação pessoal com o objeto o que, de futuro, me permite transpor para<br />
o nível do sujeito o conflito real anterior e procurar entender em que medi<strong>da</strong> constitui ele apenas um<br />
conflito subjetivo. Para maior clareza, gostaria de ilustrar isto mediante um pequeno exemplo.<br />
[511] Certa vez tive com o Sr. A. um conflito pessoal, no decorrer do qual pouco a pouco cheguei<br />
à convicção de que a culpa estava mais do lado dele, do que do meu. Nesta época tive o seguinte sonho:<br />
"Consultei um advogado em uma certa questão. Para meu grande espanto, ele cobrou-me na<strong>da</strong> menos do<br />
que cinco mil francos suíços, contra o que levantei os meus mais enérgicos protestos".<br />
[512] O advogado é uma reminiscência sem relevo de minha época de estu<strong>da</strong>nte. Mas este período<br />
de minha vi<strong>da</strong> foi importante, porque foi nele que me envolvi em muitas questões e controvérsias. As<br />
maneiras bruscas do advogado fazem-me pensar, com forte carga emocional, na personali<strong>da</strong>de do Sr. A. e<br />
no conflito em curso. Posso situar-me ao nível do objeto e dizer: Por trás do advogado oculta-se o Sr. A.,<br />
e é ele, portanto, quem quer me explorar. Mas não tem razão. Um estu<strong>da</strong>nte pobre por estes dias me pediu<br />
que lhe emprestasse cinco mil francos. O Sr. A. figura, portanto, um estu<strong>da</strong>nte pobre, necessitado de<br />
aju<strong>da</strong> e, além do mais, incompetente, porque é um principiante nos estudos. Assim, uma pessoa como esta<br />
não tem direitos a exigir nem opiniões a emitir; eis o que seria a realização de meu desejo: o meu<br />
adversário, depreciado sem violência, seria posto de parte, e ficaria salvaguar<strong>da</strong><strong>da</strong>, assim, minha<br />
170 Maeder já nos fornece vários exemplos de interpretação ao nível do sujeito, em sua obra Traumproblem. Estes dois métodos de<br />
interpretação são discutidos detaIha<strong>da</strong>mente em minha obra: Über die Psychologie des Unbewussten, p. 150s [Psicologia do Inconsciente,<br />
edição brasileira: Petrópolis, Editora Vozes, 1978, Obras Completas, VII].