Carl Gustav Jung - A Natureza da Psique.pdf - Agricultura Celeste
Carl Gustav Jung - A Natureza da Psique.pdf - Agricultura Celeste
Carl Gustav Jung - A Natureza da Psique.pdf - Agricultura Celeste
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
liga<strong>da</strong>s a um fim como "psíquicas", tendo como conseqüência o fato de que "vi<strong>da</strong>" e "psique" se<br />
equiparam, como no-lo mostra, por exemplo, o emprego que Bleuler faz dos termos "filopsique" e<br />
"reflexos". É certamente muito difícil, senão impossível, conceber uma função psíquica<br />
independentemente de seu próprio órgão, embora, na reali<strong>da</strong>de, experimentemos o processo psíquico sem<br />
sua relação com o substrato orgânico. Mas para o psicólogo é justamente a totali<strong>da</strong>de destas experiências<br />
que constitui o objeto de sua investigação, e, por esta razão, deve abandonar uma terminologia toma<strong>da</strong> de<br />
empréstimo à anatomia. Se uso o termo "psicóide" 52 , faço-o com três ressalvas: a primeira é que emprego<br />
esta palavra como adjetivo e não como substantivo; a segun<strong>da</strong> é que ela não denota uma quali<strong>da</strong>de<br />
anímica ou psíquica em sentido próprio, mas uma quali<strong>da</strong>de quase psíquica, como a dos processos<br />
reflexos; e a terceira é que esse termo tem por função distinguir uma determina<strong>da</strong> categoria de fatos dos<br />
meros fenômenos vitais, por uma parte, e dos processos psíquicos em sentido próprio, por outra. Esta<br />
última distinção nos obriga também a definir com mais precisão a natureza e a extensão do psíquico, e de<br />
modo todo particular do psíquico inconsciente.<br />
[369] Se o inconsciente pode conter tudo o que é conhecido como função <strong>da</strong> consciência, então<br />
nos deparamos com a possibili<strong>da</strong>de de que ele possua, como a consciência, inclusive um sujeito, uma<br />
espécie de ego. Esta conclusão acha-se expressa no emprego freqüente e persistente <strong>da</strong> palavra<br />
"subconsciente". Este último termo, porém, é um tanto equívoco, porque, ou significa o que está "por<br />
baixo <strong>da</strong> consciência", ou postula uma consciência "inferior", isto é, secundária. Ao mesmo tempo, a<br />
hipótese de um "subconsciente" ao qual imediatamente vem se associar um "superconsciente" 53 apontanos<br />
para aquilo que constitui o núcleo real de meu argumento, ou seja, o fato de que um segundo sistema<br />
psíquico concomitante à consciência — independentemente <strong>da</strong>s quali<strong>da</strong>des que venhamos a lhe atribuir<br />
— é de uma significação absolutamente revolucionária, na medi<strong>da</strong> em que poderá alterar radicalmente<br />
nossa visão do mundo. Se as percepções que têm lugar neste segundo sistema psíquico pudessem ser<br />
transferi<strong>da</strong>s para a consciência do ego, teríamos a possibili<strong>da</strong>de de ampliar enormemente nossa visão do<br />
mundo.<br />
[370] Se tomarmos a sério a hipótese <strong>da</strong> existência do inconsciente, logo nos <strong>da</strong>remos conta de<br />
que nossa visão do mundo não pode ser senão provisória, pois, se introduzirmos uma alteração tão radical<br />
no sujeito <strong>da</strong> percepção e <strong>da</strong> cognição, como a que ocorre numa reduplicação de componentes díspares<br />
como esta, o resultado será uma visão do mundo diferente <strong>da</strong>quela habitual. Isto, porém, só é possível, se<br />
a hipótese do inconsciente for procedente, o que, por sua vez, só pode acontecer, se os conteúdos<br />
inconscientes puderem ser mu<strong>da</strong>dos em conteúdos conscientes, ou, em outras palavras, se as perturbações<br />
exerci<strong>da</strong>s pelo inconsciente, isto é, os efeitos <strong>da</strong>s manifestações espontâneas, dos sonhos, <strong>da</strong>s fantasias e<br />
dos complexos, se integrarem na consciência pelo processo interpretativo.<br />
D. INSTINTO E VONTADE<br />
[371] Enquanto no decurso do século XIX a preocupação principal era <strong>da</strong>r uma fun<strong>da</strong>mentação<br />
filosófica ao inconsciente (particularmente em Ed. v. Hartmann) 54 , pelo final do século fizeram-se<br />
tentativas em diferentes partes <strong>da</strong> Europa, mais ou menos simultaneamente e independentemente umas<br />
<strong>da</strong>s outras, no sentido de entender o inconsciente por via experimental ou empírica. Os pioneiros neste<br />
domínio foram Pierre Janet 55 na França e Sigmund Freud 56 na antiga Áustria. O primeiro notabilizou-se<br />
principalmente por suas pesquisas sobre o aspecto formal, e o segundo por suas investigações sobre os<br />
conteúdos dos sintomas psicogênicos.<br />
52<br />
Posso utilizar-me tanto mais legitimamente do vocábulo "psicóide", porque, embora o uso que faço desse termo derive de um campo<br />
diferente de observações, contudo, ele procura exprimir mais ou menos aproxima<strong>da</strong>mente aquele grupo de fenômenos que Bleuler tinha<br />
também em vista. Busemann chama de "micropsiquismo" a este psiquismo não diferenciado (Die Einheit der Psychologie und <strong>da</strong>s Problem<br />
des Mikropsychischen, p. 31).<br />
53<br />
Este "supraconsciente" é contestado nota<strong>da</strong>mente por pessoas que se acham sob a influência <strong>da</strong> Filosofia hindu. Em geral elas não<br />
percebem que suas objeções só se aplicam à hipótese de um "subconsciente", termo ambíguo que eu evito empregar. O meu conceito de<br />
inconsciente, pelo contrário, deixa totalmente em aberto a questão de um "supra" e de um "sub" e abarca os dois aspectos do psiquismo.<br />
54<br />
Philosophie des Uribewussten.<br />
55<br />
Uma apreciação de sua obra se encontra em Jean Paulus, Le problème de l’hallucination et l’évolution de Ia psychologie d'Esquirol à<br />
Pierre Janet.<br />
56<br />
Neste contexto devemos mencionar também o importante psicólogo suíço Théodore Flournoy e sua obra fun<strong>da</strong>mental, Des Indes à Ia<br />
planète Mars. Pioneiros foram também os ingleses W. B. Carpenter (Principies of Mental Physiology) e G. H. Lewes (Problems of Life and<br />
Mind).