Carl Gustav Jung - A Natureza da Psique.pdf - Agricultura Celeste
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[404] É sobre este processo natural de amplificação que eu baseio meu método de determinação do<br />
significado dos sonhos, pois os sonhos se comportam exatamente <strong>da</strong> mesma maneira como a imaginação<br />
ativa, faltando apenas o apoio dos conteúdos conscientes. Na medi<strong>da</strong> em que os arquétipos intervêm no<br />
processo de formação dos conteúdos conscientes, regulando-os, modificando-os e motivando-os, eles<br />
atuam como instintos. Na<strong>da</strong> mais natural, portanto, do que supor que estes fatores se acham em relação<br />
com os instintos, e in<strong>da</strong>gar se as imagens <strong>da</strong> situação típica que representam aparentemente estes<br />
princípios formadores coletivos no fundo não são idênticos às formas instintivas, ou seja, aos patterns of<br />
behaviour. Devo confessar que até o presente ain<strong>da</strong> não encontrei um argumento que refutasse<br />
eficazmente esta possibili<strong>da</strong>de.<br />
[405] Antes de continuar com minhas reflexões, devo pôr em destaque um aspecto dos arquétipos que<br />
é mais do que óbvio para todos aqueles que têm alguma experiência prática com esta matéria. Quer dizer,<br />
os arquétipos, quando surgem, têm um caráter pronuncia<strong>da</strong>mente numinoso, que poderíamos definir como<br />
"espiritual", para não dizer "mágico". Conseqüentemente, este fenômeno é <strong>da</strong> maior importância para a<br />
psicologia <strong>da</strong> religião. O seu efeito, porém, não é claro. Pode ser curativo ou destruidor, mas jamais<br />
indiferente, pressupondo-se, naturalmente, um certo grau de clareza 136 . Este aspecto merece a<br />
denominação de "espiritual" por excelência. Isto é, acontece não raras vezes que o arquétipo aparece sob a<br />
forma de espírito nos sonhos ou nos produtos <strong>da</strong> fantasia, ou se comporta inclusive como um fantasma.<br />
Há uma aura mística em torno de sua numinosi<strong>da</strong>de, e esta exerce um efeito correspondente sobre os<br />
afetos. Ele mobiliza concepções filosóficas e religiosas justamente em pessoas que se acreditam a milhas<br />
de distância de semelhantes acessos de fraqueza. Freqüentemente ele nos impele para o seu objetivo, com<br />
paixão inaudita e lógica implacável que submete o sujeito ao seu fascínio, de que este, apesar de sua<br />
resistência desespera<strong>da</strong>, não consegue e, finalmente, já não quer se desvencilhar, e não o quer justamente<br />
porque tal experiência traz consigo uma plenitude de sentido até então considera<strong>da</strong> impossível. Eu<br />
compreendo profun<strong>da</strong>mente a resistência que to<strong>da</strong>s as convicções solidifica<strong>da</strong>s opõem às descobertas<br />
psicológicas desta espécie. Mais com pressentimentos do que com um conhecimento real, muita gente<br />
sente medo do poder ameaçador que jaz acorrentado no íntimo de ca<strong>da</strong> um de nós, esperando, por assim<br />
dizer, pela palavra mágica que romperá o encanto. Esta palavra mágica rima sempre com "ismo" e<br />
alcança o seu máximo efeito justamente naqueles que menos acesso têm aos fatos interiores e que se<br />
desviaram o máximo de sua base instintiva para o mundo caótico <strong>da</strong> consciência coletiva.<br />
[406] Malgrado ou talvez por causa de sua afini<strong>da</strong>de com o instinto, o arquétipo representa o elemento<br />
autêntico do espírito, mas de um espírito que não se deve identificar com o intelecto humano, e sim com o<br />
seu spiritus rector [espírito que o governa]. O conteúdo essencial de to<strong>da</strong>s as mitologias e religiões e de<br />
todos os ismos é de natureza arquetípica. O arquétipo é espírito ou não-espírito, e o que ele é, em última<br />
análise, depende <strong>da</strong> atitude <strong>da</strong> consciência. O arquétipo e o instinto constituem os opostos <strong>da</strong> mais<br />
extrema polari<strong>da</strong>de, como é fácil verificar, se compararmos um homem que está sob o domínio dos<br />
instintos com outro que é governado pelo espírito. Mas, <strong>da</strong> mesma maneira como entre todos os opostos<br />
há uma relação tão estreita, que não se pode fazer uma colocação ou mesmo pensar nela, sem a<br />
correspondente negação, assim também no presente caso se aplica o princípio de que les extremes se<br />
touchent [os extremos se tocam]. Um pressupõe o outro como fatores correspondentes; isto, porém, não<br />
implica que um possa derivar do outro, mas antes que ambos subsistem lado a lado como as idéias que o<br />
homem tem a respeito dos opostos subjacentes a todo energismo psíquico. O homem se encontra ao<br />
mesmo tempo como um ser impelido interiormente a agir, mas capaz de pensar e refletir. Esta polari<strong>da</strong>de<br />
em si não tem significado moral, porque o instinto em si não é mau, como o espírito em si não é<br />
necessariamente bom. Ambos podem ser uma coisa e outra. A eletrici<strong>da</strong>de negativa é tão boa quanto a<br />
positiva. Os opostos psicológicos, também, devem ser considerados a partir de um ponto de vista<br />
científico. Os opostos ver<strong>da</strong>deiros nunca são incomensuráveis, porque, se o fossem, nunca poderiam unirse.<br />
Apesar de sua polari<strong>da</strong>de, eles mostram uma tendência permanente a se unirem, e Nicolau de Cusa<br />
definiu o próprio Deus como uma complexio oppositorun [união dos opostos].<br />
136 Ocasionalmente ele vem unido a efeitos sincrônicos ou parapsíquicos. Por sincronici<strong>da</strong>de eu entendo, como tive ocasião de explicar<br />
em outra obra, a coincidência, não raramente observa<strong>da</strong>, de fatos subjetivos e objetivos, a qual não pode ser explica<strong>da</strong> causalmente,<br />
pelo menos com os meios e conhecimentos de que dispomos atualmente. É sobre esta premissa que se baseia a Astrologia e o método do I<br />
Ching. Estas observações, do mesmo modo que as descobertas astrológicas, não são admiti<strong>da</strong>s por todos, o que, entretanto, como é sabido,<br />
não prejudica os fatos. Menciono estes efeitos só para ser completo e em consideração àqueles meus leitores que tiveram ocasião de se<br />
convencer <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de dos fenômenos parapsíquicos. Para uma discussão mais detalha<strong>da</strong>, veja-se o meu estudo sobre a Sincronici<strong>da</strong>de: um<br />
princípio de conexões acausais [capítulo XVIII do presente volume].