Carl Gustav Jung - A Natureza da Psique.pdf - Agricultura Celeste
Carl Gustav Jung - A Natureza da Psique.pdf - Agricultura Celeste
Carl Gustav Jung - A Natureza da Psique.pdf - Agricultura Celeste
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
prisão ou de um manicômio, eles não somente não cairiam no sono, mas ficariam profun<strong>da</strong>mente<br />
impressionados. Foi alguma teoria que fez Bu<strong>da</strong>? Não; foi o espetáculo <strong>da</strong> velhice, <strong>da</strong> doença e <strong>da</strong> morte<br />
que lhe abrasou a alma.<br />
[706] Assim as concepções <strong>da</strong> Psicanálise, de Freud, parcialmente unilaterais e parcialmente<br />
errôneas, praticamente na<strong>da</strong> têm a dizer-nos. Mas se olharmos para a Psicanálise de casos reais de<br />
neuroses e virmos os efeitos devastadores que as chama<strong>da</strong>s repressões produziram, as destruições que<br />
resultam <strong>da</strong> desconsideração de processos instintivos elementares, receberemos — para dizer o menos —<br />
uma impressão duradoura. Não há uma única forma de tragédia humana que não provenha realmente<br />
desta luta do eu contra o inconsciente. Quem alguma vez já viu o horror de uma penitenciária, de um<br />
manicômio ou de um hospital certamente sentirá um enriquecimento profundo de sua cosmovisão, que a<br />
impressão destas coisas terá deixado nele. E o mesmo lhe acontecerá, se lançar um olhar sobre o abismo<br />
do sofrimento humano que está por detrás de uma neurose. Quantas vezes ouvi a exclamação: "Mas isto é<br />
horrível! Quem poderia pensar que fosse assim?" E é inegável que se recebe realmente uma impressão<br />
tremen<strong>da</strong> <strong>da</strong> força do inconsciente, quando se tenta investigar, com a necessária cons-cienciosi<strong>da</strong>de e<br />
minudência, a estrutura de uma neurose. É também meritório mostrar os bairros pobres de Londres, e<br />
quem os viu, viu muito mais do que alguém que não os viu. Mas trata-se apenas de um choque, e a<br />
pergunta: "O que se deve fazer em relação a isto?", continua sem resposta.<br />
[707] A Psicanálise removeu o véu dos fatos que somente poucos conheciam e tentou mesmo<br />
conviver com eles. Mas, qual a sua atitude para com eles? Esta atitude é nova? Em outras palavras: A<br />
impressão profun<strong>da</strong> acima referi<strong>da</strong> produziu algum resultado duradouro e fecundo? Isto alterou a imagem<br />
que tínhamos do mundo e melhorou nossa cosmovisão? A cosmovisão <strong>da</strong> Psicanálise é um materialismo<br />
racionalista; a cosmovisão de uma Ciência é essencialmente prática. E esta visão é inadequa<strong>da</strong> para nós.<br />
Se atribuímos uma poesia de Goethe a seu complexo materno, se procuramos explicar Napoleão como um<br />
caso de protesto masculino e um São Francisco de Assis como um caso de repressão sexual, apodera-se<br />
de nós um profundo sentimento de insatisfação. Esta explicação é insuficiente, não faz justiça à reali<strong>da</strong>de<br />
e ao significado <strong>da</strong>s coisas. O que são, afinal, a beleza, a grandeza e a santi<strong>da</strong>de? São reali<strong>da</strong>des de suma<br />
importância vital, sem as quais a existência humana seria tremen<strong>da</strong>mente estúpi<strong>da</strong>. Qual é a resposta<br />
correta para o problema de tantos sofrimentos e conflitos inauditos? A ver<strong>da</strong>deira resposta deveria tocar<br />
uma cor<strong>da</strong> que nos lembrasse pelo menos a grandeza do sofrimento. Mas, por mais desejável que seja, a<br />
atitude meramente racional e prática do Racionalismo ignora o ver<strong>da</strong>deiro sentido do sofrimento. O<br />
sofrimento é simplesmente posto de lado. Foi uma tempestade num copo d'água. Muita coisa recai nesta<br />
categoria, mas não to<strong>da</strong>s.<br />
[708] O erro, como já mencionei, reside no fato de a chama<strong>da</strong> Psicanálise ter um conceito<br />
científico, mas puramente raciona-lista, do inconsciente. Quando falamos dos instintos, acreditamos que<br />
falamos de algo conhecido, mas, na reali<strong>da</strong>de, estamos falando de algo que desconhecemos. Na reali<strong>da</strong>de,<br />
tudo quanto sabemos é que certos efeitos nos advêm <strong>da</strong> esfera obscura <strong>da</strong> psique, e eles devem ser<br />
assumidos, de um modo ou de outro, na consciência, se queremos evitar as perturbações devastadoras de<br />
outras funções. É totalmente impossível dizer, de imediato, de que natureza são estes efeitos: se resultam<br />
<strong>da</strong> sexuali<strong>da</strong>de, do instinto de poder ou de outros instintos. São tão ambíguos ou mesmo polivalentes<br />
quanto o próprio inconsciente.<br />
[709] Já expliquei que, embora o inconsciente seja um receptáculo de tudo quanto foi esquecido,<br />
que passou ou foi reprimido, é também a esfera onde têm lugar todos os processos subliminares, como,<br />
por ex., as percepções sensoriais que são demasiado fracas para atingirem a consciência, e, por último,<br />
também a matriz de onde brota todo o futuro psíquico. Assim como sabemos que uma pessoa pode<br />
reprimir um desejo incômodo e, com isto, fazer com que sua energia contamine outras funções, também<br />
sabemos que o indivíduo pode impedir que uma idéia súbita que lhe seja estranha se torne consciente, de<br />
tal sorte que a energia desta flui para outras funções, causando-lhes perturbações. Presenciei muitos casos<br />
em que fantasias sexuais anormais desapareceram súbita e completamente no momento em que uma idéia<br />
nova ou um conteúdo novo se tornaram conscientes, ou em que uma enxaqueca cessou inteiramente de<br />
repente, assim que o enfermo se tornou consciente de um poema inconsciente. Da mesma forma que a<br />
sexuali<strong>da</strong>de pode exprimir-se impropriamente através de fantasias, assim também uma fantasia criadora<br />
pode exprimir-se impropriamente através <strong>da</strong> sexuali<strong>da</strong>de. Como dizia Voltaire: "En étymologie n'importe<br />
quoi peut designer n'importe quoi" [em etimologia, qualquer coisa pode designar qualquer coisa], o<br />
mesmo podemos dizer do inconsciente. Em qualquer caso, nunca sabemos de antemão o que ele seja. Em