Carl Gustav Jung - A Natureza da Psique.pdf - Agricultura Celeste
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[676] Vista a partir do exterior, a alma parece ser essencialmente o reflexo de processos exteriores<br />
que delas são não somente as causas ocasionais mas a origem primeira. Do mesmo modo, o inconsciente<br />
à primeira vista não parece explicável senão do exterior e a partir <strong>da</strong> consciência. Como se sabe, Freud<br />
fez essa tentativa em sua psicologia, mas ela só poderia chegar a resultados concretos, se o inconsciente<br />
fosse realmente um produto <strong>da</strong> existência individual e <strong>da</strong> consciência. To<strong>da</strong>via, o inconsciente preexiste<br />
sempre, porque é a disposição funcional her<strong>da</strong><strong>da</strong> de geração em geração. A consciência é um renovo<br />
tardio <strong>da</strong> alma inconsciente. Seria, sem dúvi<strong>da</strong>, muito pouco correto querer explicar a vi<strong>da</strong> dos ancestrais<br />
à luz de algum epígono posterior; pelo que, no meu parecer, é errôneo colocar o inconsciente na<br />
dependência causal <strong>da</strong> consciência. Por isto, o contrário é certamente o mais ver<strong>da</strong>deiro.<br />
[677] Mas este ponto de vista era justamente o <strong>da</strong> antiga Psicologia que, embora conhecesse o<br />
imenso tesouro de experiências obscuras que jaziam ocultas sob o limiar <strong>da</strong> consciência individual e<br />
efêmera, não via a alma do indivíduo senão sob a dependência de um sistema cósmico espiritual. Para ela<br />
não se tratava apenas de hipótese, mas era absolutamente evidente que este sistema era uma enti<strong>da</strong>de<br />
dota<strong>da</strong> de vontade e de consciência — ou mesmo uma pessoa — e a esta enti<strong>da</strong>de ela chamou Deus, que<br />
se tornou, assim, a quintessência <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de. Deus era o mais real de todos os seres, a prima causa<br />
[causa primeira] graças à qual, somente, a alma poderia ser explica<strong>da</strong>. Esta hipótese tem sua justificação<br />
psicológica, porque qualificar de divino, em relação ao homem, um ser quase imortal, possuidor de uma<br />
experiência quase eterna não é de todo sem razão.<br />
[678] No que precede, tracei um quadro dos problemas de uma Psicologia que não apela somente<br />
para a ordem física como princípio explicativo, mas para um sistema espiritual cujo primum movens não é<br />
a matéria e suas quali<strong>da</strong>des ou um estado energético, mas Deus. Nesta conjuntura, estamos expostos à<br />
tentação de, invocando a Filosofia moderna <strong>da</strong> <strong>Natureza</strong>, chamar Deus à energia ou ao élan vital e, assim,<br />
colocar num mesmo saco o espírito e a natureza. Enquanto tal empresa permanecer limita<strong>da</strong> às alturas<br />
nebulosas <strong>da</strong> Filosofia especulativa, não oferece perigo. Mas se quiséssemos operar com esta idéia nas<br />
esferas mais baixas <strong>da</strong> experiência científica, não tar<strong>da</strong>ríamos a envolver-nos em confusões sem saí<strong>da</strong>,<br />
porque nossas explicações devem ter significado prático: não exercemos uma psicologia com ambições<br />
meramente acadêmicas cujas explicações permanecessem letra morta. O que queremos é uma Psicologia<br />
prática, ver<strong>da</strong>deira em seu exercício, ou seja, uma Psicologia que nos forneça explicações confirma<strong>da</strong>s<br />
por seus resultados. Na arena <strong>da</strong> Psicoterapia prática o que procuramos são resultados concretos, e<br />
estamos proibidos de elaborar teorias sem interesse para nossos pacientes, ou que até mesmo pudessem<br />
prejudicá-los. Estamos aqui diante de uma questão muitas vezes de vi<strong>da</strong> ou de morte — qual seja a de<br />
saber se nossas explicações devem apelar para a ordem física ou para o espírito. Não nos esqueçamos de<br />
que, do ponto de vista naturalista, tudo o que é espírito é uma ilusão e que, por outro lado, o espírito<br />
muitas vezes deve negar ou superar um fato psíquico importuno, para assegurar sua própria existência. Se<br />
eu reconhecer apenas valores naturais, minha hipótese física minimizará, inibirá ou mesmo anulará o<br />
desenvolvimento espiritual de meu paciente. Se, pelo contrário, eu me orientar, em última análise,<br />
exclusivamente para uma explicação espiritual, desconhecerei e violentarei o indivíduo natural com seu<br />
direito a uma existência física. Grande parte dos suicídios cometidos no decurso de um tratamento<br />
psicoterápico se deve a procedimentos errados deste gênero. Pouco me importa que a energia seja Deus,<br />
ou que Deus seja energia, porque isto jamais chegarei a saber, mas eu tenho obrigação de saber as<br />
explicações psicológicas que é preciso <strong>da</strong>r.<br />
[679] A Psicologia moderna não se fixou em um destes pontos de vista, mas transita de um para<br />
outro, numa perigosa identificação que constitui uma <strong>da</strong>s mais tentadoras ocasiões para um oportunismo<br />
desprovido de qualquer caráter. Aí está, sem dúvi<strong>da</strong>, o grande perigo <strong>da</strong> coincidentia oppositorum, <strong>da</strong><br />
libertação intelectual do dilema dos opostos. Que outra coisa poderia nascer <strong>da</strong> equivalência de duas<br />
hipóteses opostas senão uma indeterminação sem clareza e sem rumo definido? Em contraste com isto,<br />
salta imediatamente aos olhos a vantagem de um princípio explicativo unívoco, pois este nos permite uma<br />
posição que nos sirva de ponto de referência bem definido. Indubitavelmente estamos aqui diante de um<br />
problema muito difícil. Precisamos de uma reali<strong>da</strong>de, de um fun<strong>da</strong>mento explicativo real ao qual<br />
possamos apelar, e, no entanto, hoje é absolutamente impossível ao psicólogo moderno persistir no ponto<br />
de vista físico, depois de ter sentido claramente que a interpretação espiritualista é legítima. Mas também<br />
não pode adotar totalmente este caminho, pois é impossível deixar de considerar os motivos <strong>da</strong> vali<strong>da</strong>de<br />
relativa do ponto de vista físico. Nesta situação, para que lado se voltar?