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Carl Gustav Jung - A Natureza da Psique.pdf - Agricultura Celeste

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morte lhe parece questionável, quando não de todo inacreditável. Mas a cessação <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> só pode ser<br />

aceita como um objetivo razoável, se a vi<strong>da</strong> é tão desgraça<strong>da</strong>, que só temos de nos alegrar quando ela<br />

chega ao fim, ou se estamos convencidos de que o Sol procura se pôr "para iluminar outros povos<br />

distantes", com a mesma conseqüência lógica que revela ao ascender para o zênite. Mas acreditar tornouse<br />

uma arte tão difícil, hoje em dia, que está praticamente fora <strong>da</strong> capaci<strong>da</strong>de <strong>da</strong> maioria <strong>da</strong>s pessoas<br />

e, especialmente, <strong>da</strong> parte culta <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de. Acostumamo-nos demasiado com a idéia de que era<br />

relação à imortali<strong>da</strong>de e a questões semelhantes existe uma infini<strong>da</strong>de de opiniões contraditórias mas<br />

nenhuma prova convincente. E como a "ciência" é a palavra-chave contemporânea carrega<strong>da</strong> de uma<br />

força de persuasão aparentemente absoluta, o que nos interessa são provas "científicas". Mas as pessoas<br />

cultas que raciocinam sabem perfeitamente que uma prova desta natureza é uma impossibili<strong>da</strong>de<br />

filosófica. É absolutamente impossível sabermos o que quer que seja a respeito de tais coisas.<br />

[791] Permitir-me-eis ain<strong>da</strong> observar que, pelas mesmas razões, não podemos saber se algo se<br />

passa ou não depois <strong>da</strong> morte? Não há resposta, nem afirmativa nem negativa, para esta questão. Não<br />

dispomos de nenhum conhecimento científico preciso e claro a este respeito e, por este motivo, estamos<br />

na mesma situação em que nos achávamos quando perguntávamos se o planeta Marte era habitado ou<br />

não. Os habitantes de Marte (se os há) certamente pouco se preocupam em saber se afirmamos ou<br />

negamos sua existência. Eles podem existir ou não. O mesmo acontece com a chama<strong>da</strong> imortali<strong>da</strong>de — e,<br />

com isto, poderíamos <strong>da</strong>r por encerrado o problema.<br />

[792] Mas aqui minha consciência de médico desperta, lembrando-me que tem algo de importante<br />

a dizer-nos a respeito desta questão. Com efeito, tenho observado que uma vi<strong>da</strong> orienta<strong>da</strong> para um<br />

objetivo em geral é melhor, mais rica e mais saudável do que uma vi<strong>da</strong> sem objetivo, e que é melhor<br />

seguir em frente acompanhando o curso do tempo, do que marchar para trás e contra o tempo. Para o<br />

psiquiatra, o velho que for incapaz de se separar <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> é tão fraco e tão doentio quanto o jovem que não<br />

é capaz de construí-la. Na ver<strong>da</strong>de, em muitos casos trata-se, tanto em relação a um como ao outro, <strong>da</strong><br />

mesma cupidez infantil, do mesmo medo, <strong>da</strong> mesma teimosia e obstinação. Como médico, estou<br />

convencido de que é mais higiênico — se assim posso dizer — olhar a morte como uma meta para a qual<br />

devemos sempre tender, e que voltar-se contra ela é algo de anormal e doentio que priva a segun<strong>da</strong><br />

metade <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> de seu objetivo e seu sentido. Por isto, acho que to<strong>da</strong>s as religiões, com seu objetivo<br />

supramun<strong>da</strong>no, são eminentemente racionais, do ponto de vista de uma higiene psíquica. Quando moro<br />

numa casa que eu sei que vai desabar sobre minha cabeça nos próximos dez dias, to<strong>da</strong>s as minhas funções<br />

vitais são afeta<strong>da</strong>s por estes pensamentos; mas se me sinto seguro, posso viver nela de maneira normal e<br />

confortável. Por isto, do ponto de vista <strong>da</strong> psiquiatria, seria aconselhável que só pudéssemos pensar na<br />

morte como uma transição, como parte de um processo vital cuja extensão e duração escapam<br />

inteiramente ao nosso conhecimento.<br />

[793] Embora a imensa maioria <strong>da</strong>s pessoas não saiba o motivo pelo qual o organismo precisa de<br />

sal, contudo to<strong>da</strong>s elas o exigem por uma necessi<strong>da</strong>de instintiva. O mesmo acontece com as coisas <strong>da</strong><br />

psique. A imensa maioria dos homens desde tem pos imemoriais sempre sentiu a necessi<strong>da</strong>de <strong>da</strong><br />

continuação <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>. Esta constatação não nos conduz a um desvio; ela nos põe no centro <strong>da</strong> grande<br />

estra<strong>da</strong> real percorri<strong>da</strong> pela humani<strong>da</strong>de ao longo de sua existência. Por isto, pensamos corretamente em<br />

harmonia com a vi<strong>da</strong>, mesmo que não enten<strong>da</strong>mos o que pensamos.<br />

[794] Compreendemos já alguma vez o que pensamos? Só compreendemos aquele tipo de<br />

pensamento que seja uma mera equação <strong>da</strong> qual não se extrai senão o que aí se colocou. É a operação do<br />

intelecto. Mas, além deste, há também um pensamento nas imagens primordiais, nos símbolos, que são<br />

mais antigos do que o homem histórico e nascidos com ele desde os tempos mais antigos e, eternamente<br />

vivos, sobrevivem a to<strong>da</strong>s as gerações e constituem os fun<strong>da</strong>mentos <strong>da</strong> nossa alma. Só é possível viver a<br />

vi<strong>da</strong> em plenitude, quando estamos em harmonia com estes símbolos, e voltar a eles é sabedoria. Na<br />

reali<strong>da</strong>de, não se trata nem de fé nem de conhecimento, mas <strong>da</strong> concordância de nosso pensamento com<br />

as imagens primordiais do inconsciente que são as matrizes de qualquer pensamento que nossa<br />

consciência seja capaz de cogitar. E um destes pensamentos primordiais é a idéia de uma vi<strong>da</strong> depois <strong>da</strong><br />

morte. A Ciência e estas imagens primordiais são incomensuráveis entre si. Trata-se de <strong>da</strong>dos irracionais,<br />

condições a priori <strong>da</strong> imaginação que simplesmente existem e cujos objetivos e justificação a Ciência só<br />

pode investigar a posteriori, como aconteceu, por exemplo, com a função <strong>da</strong> tiróide, que era considera<strong>da</strong><br />

como um órgão sem sentido, antes do século XIX. Para mim, as imagens primordiais são como que<br />

órgãos psíquicos, que eu trato com o máximo cui<strong>da</strong>do. Por isto algumas vezes preciso dizer a algum de

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