Carl Gustav Jung - A Natureza da Psique.pdf - Agricultura Celeste
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Para a experiência primitiva o psíquico não é, como para nós, a quintessência do subjetivo e do arbitrário;<br />
é algo de objetivo, subsistente em si mesmo e possuidor de vi<strong>da</strong> própria.<br />
[667] Empiricamente falando, esta concepção justifica-se perfeitamente, porque não somente no<br />
estágio primitivo como no homem civilizado o psíquico se revela como qualquer coisa de objetivo,<br />
subtraído em larga escala ao controle de nossa consciência. Assim não somos capazes, por ex., de<br />
reprimir a maior parte de nossas emoções, de transformar o mau humor em bom humor, de dirigir ou não<br />
dirigir nossos sonhos. Mesmo a pessoa mais inteligente pode tornar-se, vez por outra, presa de idéias de<br />
que ela não consegue libertar-se, apesar dos maiores esforços de vontade. Nossa memória pode <strong>da</strong>r os<br />
mais estranhos saltos, que apenas podemos assistir com passiva admiração; fantasias nos sobem à cabeça,<br />
sem que as tenhamos procurado ou esperado. Gostamos simplesmente de lisonjearmo-nos com a idéia de<br />
sermos senhores em nossa própria casa. Na reali<strong>da</strong>de, porém, dependemos, em proporções inquietantes,<br />
de um correto funcionamento do nosso psiquismo inconsciente e de suas falhas eventuais. Ora, se<br />
estu<strong>da</strong>rmos a psicologia dos neuróticos, parece-nos de todo ridículo que haja ain<strong>da</strong> psicólogos que se<br />
ponham a equiparar a psique à consciência. E, como sabemos, a psicologia dos neuróticos só se diferencia<br />
<strong>da</strong>quela dos indivíduos considerados normais por traços muito insignificantes, porque, quem há, em<br />
nossos dias, que tenha a certeza absoluta de não ser neurótico?<br />
[668] Esta situação de fato nos permite admitir que a antiga concepção <strong>da</strong> alma como uma<br />
reali<strong>da</strong>de autônoma e não somente objetiva mas imediata e perigosamente arbitrária tem a sua<br />
justificação. A suposição paralela de que esta enti<strong>da</strong>de misteriosa e temível é, ao mesmo tempo, a fonte<br />
de vi<strong>da</strong>, é também psicologicamente compreensível, porque a experiência nos mostra que o sentido do eu,<br />
ou seja, a consciência, emana <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> inconsciente. A criancinha apresenta uma vi<strong>da</strong> psíquica sem<br />
consciência perceptível do eu e é por isto que os primeiros anos <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> quase não deixam traços de<br />
lembranças. De onde surgem to<strong>da</strong>s as idéias boas e salutares que nos vêm de repente ao espírito? De onde<br />
surgem o entusiasmo, a inspiração e o exaltado sentimento <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>? O primitivo sente a vi<strong>da</strong> nas<br />
profundezas de sua alma; acha-se marcado até às raízes de seu ser pela ativi<strong>da</strong>de de sua alma geradora de<br />
vi<strong>da</strong>, e é por isto que ele acredita em tudo o que age sobre sua alma, isto é, nos usos mágicos de to<strong>da</strong><br />
espécie. Para ele, a alma é, portanto, a própria vi<strong>da</strong>, que ele não imagina dominar, mas <strong>da</strong> qual se sente<br />
dependente sob todos os aspectos.<br />
[669] A idéia de imortali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> alma, por inaudita que nos pareça, na<strong>da</strong> tem de supreendente para<br />
o empirismo primitivo. Não há dúvi<strong>da</strong> de que a alma é algo de estranho. Ela não é localizável no espaço,<br />
embora tudo o que existe ocupe um certo espaço. Na ver<strong>da</strong>de, achamos que nossos pensamentos se<br />
situam na cabeça mas, quando se trata dos sentimentos, mostramo-nos inseguros, porque parece que eles<br />
residem mais na região do coração. Nossas sensações estão distribuí<strong>da</strong>s por todo o corpo. Nossa teoria<br />
sustenta que a sede <strong>da</strong> consciência está na cabeça. Os índios Pueblos, porém, me diziam que os<br />
americanos eram loucos, porque pensavam que suas idéias se achavam na cabeça, ao passo que to<strong>da</strong><br />
pessoa de juízo sadio pensa com seu coração. Certas tribos negras não localizam seu psiquismo nem na<br />
cabeça nem no coração, mas no ventre.<br />
[670] A esta incerteza quanto à localização espacial acrescenta-se uma outra dificul<strong>da</strong>de, qual seja<br />
o fato de que os conteúdos psíquicos assumem um aspecto não-espacial, logo que se distanciam <strong>da</strong> esfera<br />
<strong>da</strong> sensação. Que medi<strong>da</strong> de comprimento podemos aplicar aos pensamentos? São pequenos, grandes,<br />
longos, delgados, pesados, líquidos, retos, circulares, ou o que mais? Se procuramos uma representação<br />
viva para uma enti<strong>da</strong>de de quatro dimensões e que esteja, conseqüentemente, à margem do espacial, o<br />
melhor modelo que se nos apresenta seria o pensamento.<br />
[671] Tudo seria, portanto, muito mais fácil, se fosse possível negar a existência <strong>da</strong> psique. Mas<br />
aqui nos defrontamos com a experiência mais imediata de algo existencial, implantado na reali<strong>da</strong>de de<br />
nosso mundo tridimensional, mensurável e ponderável, e que, sob todos os pontos de vista e em ca<strong>da</strong> um<br />
de seus elementos, é espantosamente diferente desta reali<strong>da</strong>de, embora ao mesmo tempo a reflita. A alma<br />
poderia ser, ao mesmo tempo, um ponto matemático e possuir as dimensões do universo, <strong>da</strong>s estrelas<br />
fixas. Não podemos antipatizar-nos com a intuição primitiva segundo a qual uma enti<strong>da</strong>de tão paradoxal<br />
toca o divino. Se a alma não ocupa um espaço, é incorpórea. Os corpos morrem, mas o que é invisível e<br />
inextenso pode deixar de existir? E mais ain<strong>da</strong>: a vi<strong>da</strong> e a alma existem antes do eu e quando o eu<br />
desaparece, como no sonho e na síncope, a vi<strong>da</strong> e a alma continuam a existir, como no-lo atestam nossas<br />
observações com outras pessoas e nossos sonhos. Por que a intuição primitiva negaria, em presença destes