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Carl Gustav Jung - A Natureza da Psique.pdf - Agricultura Celeste

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incar com o espírito <strong>da</strong> época, porque ele é uma religião, ou, melhor ain<strong>da</strong>, é uma crença ou um credo<br />

cuja irracionali<strong>da</strong>de na<strong>da</strong> deixa a desejar, e que, ain<strong>da</strong> por cima, possui a desagradável quali<strong>da</strong>de de<br />

querer que o considerem o critério supremo de to<strong>da</strong> a ver<strong>da</strong>de e tem a pretensão de ser o detentor único <strong>da</strong><br />

racionali<strong>da</strong>de.<br />

[653] O espírito <strong>da</strong> época não se enquadra nas categorias <strong>da</strong> razão humana. É uma propensão, uma<br />

tendência sentimental, que, por motivos inconscientes, age com soberana força de sugestão sobre todos os<br />

espíritos mais fracos de nossa época e os arrasta atrás de si. Pensar diferentemente do que, em geral,<br />

atualmente se pensa, tem sempre o ressaibo de ilegitimi<strong>da</strong>de e de algo perturbador; é considerado mesmo<br />

como algo de indecente, doentio ou blasfemo e, por isto mesmo, socialmente perigoso para o indivíduo<br />

que deste modo na<strong>da</strong> estupi<strong>da</strong>mente contra a corrente. Da mesma forma como, no passado, era um<br />

pressuposto inquestionável que tudo o que existia devia a existência à vontade criadora de um Deus<br />

espiritual, assim também o século XIX descobriu a ver<strong>da</strong>de, também inquestionável, de que tudo provém<br />

de causas materiais. Hoje não é a força <strong>da</strong> alma que constrói para si um corpo; ao contrário, é a matéria<br />

que, com seu quimismo, engendra uma alma. Esta mu<strong>da</strong>nça radical na maneira de ver as coisas seria para<br />

rir, se não constituísse uma <strong>da</strong>s ver<strong>da</strong>des cardeais do espírito <strong>da</strong> época. É popular e, portanto, decente,<br />

racional, científico e normal pensar assim. O espírito deve ser concebido como um epifenômeno. Tudo<br />

nos leva a esta conclusão, mesmo quando, em vez de "espírito", se fale do "psique", e em vez de<br />

"matéria", se usem os termos "cérebros", "hormônios" ou "instintos" e "pulsões". Repugna ao espírito <strong>da</strong><br />

época atribuir uma substanciali<strong>da</strong>de à alma, porque, a seus olhos, isto equivaleria a uma heresia.<br />

[654] Descobrimos agora que era uma presunção intelectual de nossos antepassados supor que o<br />

homem possui uma alma substancial, de natureza divina e, por conseguinte, imortal; que uma força<br />

própria <strong>da</strong> alma constrói o corpo, sustenta a vi<strong>da</strong>, cura suas enfermi<strong>da</strong>des, tornando a alma capaz de levar<br />

uma existência independente do corpo; que existem espíritos incorpóreos com os quais a alma tem<br />

intercâmbio, e um mundo espiritual para além de nosso presente empírico, do qual a alma extrai uma<br />

ciência <strong>da</strong>s coisas espirituais cujas origens não podem ser procura<strong>da</strong>s no mundo visível. Mas nossa<br />

consciência mediana ain<strong>da</strong> não descobriu que é tão fantástico quanto presunçoso admitir que a matéria<br />

produz a alma; que os macacos geraram o homem; que foi de uma mistura harmoniosa de fome, de amor<br />

e de poder que nasceu a Critica <strong>da</strong> Razão Pura [Kritik der reinen Vernunft] de Kant; que as células<br />

cerebrais fabricam pensamentos, e que tudo isto não pode ser de outro modo.<br />

[655] O que é, afinal, esta matéria todo-poderosa? É ain<strong>da</strong> um Deus criador, que, desta vez, se<br />

despojou de seus antropomorfismos e assumiu a forma de um conceito universal cujo significado todos<br />

pretendem conhecer? A consciência geral desenvolveu-se enormemente, tanto em extensão como em<br />

largura, mas, infelizmente, apenas em sentido espacial e não <strong>da</strong> duração; do contrário teríamos um sentido<br />

muito mais vivo <strong>da</strong> História. Se nossa consciência geral não fosse puramente efêmera, mas tivesse o<br />

sentido <strong>da</strong> continui<strong>da</strong>de histórica, saberíamos que na época <strong>da</strong> Filosofia grega houve transformações<br />

análogas nos deuses, que poderiam nos levar a alguma crítica, em relação à nossa Filosofia<br />

contemporânea. Mas o espírito <strong>da</strong> época se opõe drasticamente a estas reflexões. A História para ele na<strong>da</strong><br />

mais é do que um arsenal de argumentos adequados que nos permitem dizer, por ex., que o velho<br />

Aristóteles já sabia que... etc. Esta situação nos obriga a perguntar de onde provém o poder inquietante do<br />

espírito <strong>da</strong> época. Trata-se, sem dúvi<strong>da</strong> alguma, de um fenômeno de importância capital, de um<br />

preconceito, em qualquer hipótese tão essencial, que não poderíamos abor<strong>da</strong>r o problema <strong>da</strong> alma sem<br />

que lhe tenhamos <strong>da</strong>do a devi<strong>da</strong> atenção.<br />

[656] Como disse anteriormente, a tendência incoercível a buscar explicações de preferência na<br />

ordem física corresponde ao desenvolvimento horizontal <strong>da</strong> consciência no decurso dos últimos quatro<br />

séculos. Esta tendência horizontal é uma reação à verticali<strong>da</strong>de exclusiva <strong>da</strong> era gótica. É um fenômeno<br />

<strong>da</strong> psicologia dos povos que, enquanto tal, se desenvolve à margem <strong>da</strong> consciência individual.<br />

Exatamente <strong>da</strong> mesma maneira que os primitivos, agimos primeiramente de maneira totalmente<br />

inconsciente e somente muito mais tarde descobrimos por que é que agimos desta maneira. Entrementes,<br />

nos contentamos com to<strong>da</strong> espécie de racionalizações, to<strong>da</strong>s elas inadequa<strong>da</strong>s.<br />

[657] Se tivéssemos consciência do espírito <strong>da</strong> época, reconheceríamos nossa tendência a buscar<br />

explicações de preferência no âmbito físico, pela razão de que no passado recorreu-se abusivamente ao<br />

to<strong>da</strong> a evolução, desde o estágio do réptil, anterior à Era Glaciária, até seu aparecimento como mamífero, na I<strong>da</strong>de Terciária. Dessa forma<br />

original humana teriam surgido diversas espécies animais. A forma atual do homem seria o termo de um processo de refinamento <strong>da</strong>quela<br />

forma humana inicial, que contraria a tese de Darwin — N.T.].

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