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Carl Gustav Jung - A Natureza da Psique.pdf - Agricultura Celeste

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conti<strong>da</strong>s ou não em Deus? Se alguém, na Inglaterra, duvi<strong>da</strong>sse do caráter científico dessas socie<strong>da</strong>de que<br />

abrigam a nata <strong>da</strong> intelectuali<strong>da</strong>de inglesa, não encontraria nenhum benévolo ouvinte para escutá-lo. Na<br />

reali<strong>da</strong>de, eu era talvez o único dos assistentes a me espantar com um debate onde se recorria a<br />

argumentos mais próprios do século XIII. Este fato nos mostra, porventura, que a idéia de um espírito<br />

autônomo cuja existência é um postulado axiomático, ain<strong>da</strong> não desapareceu, de todo, <strong>da</strong> intelectuali<strong>da</strong>de<br />

européia e se cristalizou no estado de fóssil medieval.<br />

[661] Esta recor<strong>da</strong>ção talvez nos encoraje a considerar a possibili<strong>da</strong>de de uma "Psicologia com<br />

alma", isto é, de uma teoria <strong>da</strong> alma basea<strong>da</strong> no postulado de um espírito anônimo. A impopulari<strong>da</strong>de de<br />

semelhante empreendimento não deve assustar-nos, porque a hipótese do espírito não é mais fantástica do<br />

que a <strong>da</strong> matéria. Não possuindo a mínima idéia de como o psíquico possa emanar do físico, e sendo o<br />

psíquico um fato inegável <strong>da</strong> experiência, temos a liber<strong>da</strong>de de inverter as hipóteses, ao menos neste caso,<br />

e supor que a psique provém de um princípio espiritual tão inacessível quanto a matéria. Na ver<strong>da</strong>de,<br />

semelhante Psicologia não poderá ser moderna, porque moderno é negar esta possibili<strong>da</strong>de. Por isto, quer<br />

queiramos quer não, devemos remontar à doutrina de nossos ancestrais sobre a alma, porque foram eles<br />

que conceberam semelhantes hipóteses.<br />

[662] Segundo a velha concepção, a alma era essencialmente a vi<strong>da</strong> do corpo, o sopro de vi<strong>da</strong>,<br />

uma espécie de força vital que entrava na ordem física, espacial, durante a gravidez, o nascimento ou a<br />

concepção, e de novo abandonava o corpo moribundo com o último suspiro. A alma em si era um ser que<br />

não participava do espaço e, sendo anterior e posterior à reali<strong>da</strong>de corporal, situava-se à margem do<br />

tempo, gozava praticamente <strong>da</strong> imortali<strong>da</strong>de. Esta concepção, evidentemente, vista sob o ângulo <strong>da</strong><br />

Psicologia científica moderna é pura ilusão. Como não é nossa intenção aqui fazer "metafísica", nem<br />

mesmo de tipo moderno, procuraremos ver, sem preconceitos, o que esta veneran<strong>da</strong> concepção contém de<br />

empiricamente justificado.<br />

[663] Os nomes que os homens dão às suas experiências são, muitas vezes, bastante reveladores.<br />

De onde provém a palavra alemã Seele [alma]? Os vocábulos Seele (alemão), soul (inglês), saiwala<br />

(gótico), saiwalô (antigo germânico) são etimologicamente aparentados com o grego aiolos que significa<br />

móvel, colorido, iridescente. A palavra grega psyche significa também, como se sabe, borboleta. Por<br />

outro lado, saiwalô está ligado ao antigo eslavo sila, força. Estas relações iluminam a significação<br />

original <strong>da</strong> palavra alemã Seele [alma]: a alma é uma força que move, uma força vital.<br />

[664] O nome latino animus, espírito, e anima, alma, têm o mesmo significado do grego anemos,<br />

vento. A outra palavra grega que designa o vento, pneuma, significa também espírito. No gótico,<br />

encontramos o mesmo termo sob a forma de us-anan, ausatmen [expirar], e, no latim, an-helare, respirar<br />

com dificul<strong>da</strong>de. No velho alto-alemão, spiritus sanctus se traduzia por atum, Atem. Respiração, em<br />

árabe, é rih, vento, ruh, alma, espírito. A palavra grega psyche tem um parentesco muito próximo com<br />

esses termos, e está liga<strong>da</strong> a psycho, soprar, a psychos, fresco, a psychros, frio, e a physa, fole. Estas<br />

conexões nos mostram claramente que os nomes <strong>da</strong>dos à alma no latim, no grego e no árabe estão<br />

vinculados à idéia de ar em movimento, de "sopro frio dos espíritos". É por isto, talvez, também que a<br />

concepção primitiva atribui um corpo etéreo e invisível à alma.<br />

[665] Compreende-se facilmente que a respiração, por ser um sinal de vi<strong>da</strong>, sirva também para<br />

designá-la, <strong>da</strong> mesma forma que o movimento e a força que produz o movimento. Uma outra concepção<br />

primitiva vê a alma como fogo ou uma chama, porque o calor é também um sinal <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>. Uma outra<br />

concepção primitiva, curiosa, mas freqüente, identifica a alma com o nome. O nome do indivíduo seria<br />

sua alma, <strong>da</strong>í o costume de reencarnar nos recém-nascidos a alma dos ancestrais, <strong>da</strong>ndo-lhes os nomes<br />

deste últimos. Este ponto de vista, no fundo, outra coisa não é senão admitir que a consciência do eu é<br />

expressão <strong>da</strong> alma. Freqüentes vezes a alma é confundi<strong>da</strong> com a sombra e, por isto, considera-se uma<br />

ofensa mortal contra alguém pisar-lhe na sombra. É por isto que o meio-dia (a hora dos "espíritos<br />

meridianos") é uma hora perigosa, porque nesse momento a sombra diminui de tamanho, o que equivale a<br />

uma ameaça à vi<strong>da</strong>. A sombra exprime aquilo que os gregos chamavam o synopados, "aquele que segue<br />

atrás de nós", o sentimento de uma presença viva e inapreensível, e por isto é que as almas dos defuntos<br />

eram também chama<strong>da</strong>s de sombras.<br />

[666] Creio que estas alusões são suficientes para mostrar de que modo o homem primitivo<br />

experimentou a alma. O psíquico aparece como uma fonte de vi<strong>da</strong>, um primum movens [um primeiro<br />

motor], uma presença de natureza espiritual mas objetiva. Por isto o primitivo sabe conversar com sua<br />

alma: ela tem voz dentro dele, porque simplesmente não se identifica com ele nem com sua consciência.

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