Carl Gustav Jung - A Natureza da Psique.pdf - Agricultura Celeste
Carl Gustav Jung - A Natureza da Psique.pdf - Agricultura Celeste
Carl Gustav Jung - A Natureza da Psique.pdf - Agricultura Celeste
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
presos a eles, esquecendo-nos de que só se alcança o objetivo social com sacrifício <strong>da</strong> totali<strong>da</strong>de <strong>da</strong><br />
personali<strong>da</strong>de. São muitos — muitíssimos — os aspectos <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> que poderiam ser igualmente vividos,<br />
mas jazem no depósito de velharias, em meio a lembranças recobertas de pó; muitas vezes, no entanto,<br />
são brasas que continuam acesas por baixo de cinzas amareleci<strong>da</strong>s.<br />
[773] As estatísticas nos mostram que as depressões mentais nos homens são mais freqüentes por<br />
volta dos quarenta anos. Nas mulheres, as dificul<strong>da</strong>des neuróticas começam geralmente um pouco mais<br />
cedo. Observamos que nesta fase — precisamente entre os trinta e cinco e os quarenta anos — prepara-se<br />
uma mu<strong>da</strong>nça muito importante, inicialmente modesta e despercebi<strong>da</strong>; são antes indícios indiretos de<br />
mu<strong>da</strong>nças que parecem começar no inconsciente. Muitas vezes é como que uma espécie de mu<strong>da</strong>nça lenta<br />
do caráter <strong>da</strong> pessoa; outras vezes são traços desaparecidos desde a infância que voltam à tona; às vezes<br />
também antigas inclinações e interesses habituais começam a diminuir e são substituídos por novos.<br />
Inversamente — e isto se dá com muita freqüência — as convicções e os princípios que os nortearam até<br />
então, principalmente os de ordem moral, começam a endurecer-se e enrijecer-se, o que pode levá-los,<br />
crescentemente, a uma posição de fanatismo e intolerância, que culmina por volta dos cinqüenta anos. É<br />
como se a existência destes princípios estivesse ameaça<strong>da</strong>, e, por esta razão, se tornasse mais necessário<br />
ain<strong>da</strong> enfatizá-los.<br />
[774] O vinho <strong>da</strong> juventude nem sempre se clarifica com o avançar dos anos; muitas vezes até<br />
mesmo se turva. É nos indivíduos de mentali<strong>da</strong>de unilateral em que melhor se podem observar os<br />
fenômenos acima mencionados, muitos dos quais se manifestam ora mais cedo, ora mais tardiamente.<br />
Parece-me que o retar<strong>da</strong>mento desta manifestação é ocasionado, freqüentemente, pelo fato de os pais dos<br />
indivíduos em questão ain<strong>da</strong> estarem em vi<strong>da</strong>. É como se a fase <strong>da</strong> juventude se prolongasse<br />
indevi<strong>da</strong>mente. Tenho observado isto especialmente em pessoas cujo pai era de i<strong>da</strong>de avança<strong>da</strong>. A morte<br />
do pai provoca então como que um amadurecimento precipitado e, diríamos, quase catastrófico.<br />
[775] Sei de um homem piedoso, que era administrador <strong>da</strong> Igreja e que, a partir mais ou menos<br />
dos quarenta anos, assumira uma atitude ca<strong>da</strong> vez mais intolerante, insuportável em matéria de religião e<br />
moral. Seu temperamento tornara-se visivelmente ca<strong>da</strong> vez mais sombrio, e, por fim, ele na<strong>da</strong> mais era do<br />
que uma coluna turva no seio <strong>da</strong> Igreja. Levou a vi<strong>da</strong> assim, até aos cinqüenta e cinco anos, quando, certa<br />
feita, no meio <strong>da</strong> noite, sentou-se repentinamente na cama e disse à mulher: "Agora descobri! Sou um<br />
ver<strong>da</strong>deiro patife!" Este reconhecimento <strong>da</strong> própria situação não deixou de ter suas conseqüências<br />
práticas. Nosso homem passou os últimos anos de sua vi<strong>da</strong> no desregramento, e grande parte de sua<br />
fortuna foi esbanja<strong>da</strong>. Trata-se, evidentemente, de um indivíduo bastante simpático, capaz dos dois<br />
extremos!<br />
[776] Todos os distúrbios neuróticos, bastante freqüentes, <strong>da</strong> i<strong>da</strong>de adulta têm em comum o fato<br />
de quererem prolongar a psicologia <strong>da</strong> fase juvenil para além do limiar <strong>da</strong> chama<strong>da</strong> i<strong>da</strong>de do siso. Quem<br />
não conhece aqueles comovedores velhinhos que necessitam sempre de reesquentar o prato de seus<br />
saudosos tempos de estu<strong>da</strong>nte, e só conseguem reavivar um pouco a chama <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, recor<strong>da</strong>ndo-se de<br />
seus tempos heróicos que se petrificaram num filisteísmo desesperante. Mas quase todos gozam de uma<br />
vantagem inestimável: não são neuróticos mas em geral apenas pessoas tediosas e estereotipa<strong>da</strong>s.<br />
[777] O neurótico é, antes, alguém que jamais consegue que as coisas corram para ele como<br />
gostaria que fossem no momento presente, e, por isto, não é capaz de se alegrar com o passado. Da<br />
mesma forma como antigamente ele não se libertou <strong>da</strong> infância, assim também agora se mostra incapaz<br />
de renunciar à juventude. Teme os pensamentos sombrios <strong>da</strong> velhice que se aproxima, e como a<br />
perspectiva do futuro lhe parece insuportável, ele se volta desespera<strong>da</strong>mente para o passado. Da mesma<br />
forma que o indivíduo preso à infância recua apavorado diante <strong>da</strong> incógnita do mundo e <strong>da</strong> existência<br />
humana, assim também o homem adulto recua assustado diante <strong>da</strong> segun<strong>da</strong> metade <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, como se o<br />
aguar<strong>da</strong>ssem tarefas desconheci<strong>da</strong>s e perigosas, ou como se sentisse ameaçado por sacrifícios e per<strong>da</strong>s<br />
que ele não teria condições de assumir, ou ain<strong>da</strong> como se a existência que ele levara até agora lhe<br />
parecesse tão bela e tão preciosa, que ele já não seria capaz de passar sem ela.<br />
[778] Talvez isto seja, no fundo, o medo <strong>da</strong> morte? Parece-me pouco provável, porque a morte<br />
geralmente ain<strong>da</strong> está muito longe e, por isto, é um tanto abstrata. A experiência nos mostra, pelo<br />
contrário, que a causa fun<strong>da</strong>mental de to<strong>da</strong>s as dificul<strong>da</strong>des desta fase de transição é uma mu<strong>da</strong>nça<br />
singular que se processa nas profundezas <strong>da</strong> alma. Para caracterizá-la, eu gostaria de tomar como termo<br />
de comparação o curso diário do Sol. Suponhamos um Sol dotado de sentimentos humanos e de uma<br />
consciência humana relativa ao momento presente. De manhã, o Sol se eleva do mar noturno do