Carl Gustav Jung - A Natureza da Psique.pdf - Agricultura Celeste
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permanecem inconscientes, e tudo parece muito simples e como se fora natural. Na reali<strong>da</strong>de, porém,<br />
processos complicados estão em curso no pano de fundo, com motivos e intenções cuja subtileza não<br />
deixa na<strong>da</strong> a desejar. Por isto, existem muitos homens de Ciência que evitam cultivar uma cosmovisão,<br />
porque, segundo eles, isto não seria científico. Mas estas pessoas, evidentemente, não se dão conta do que<br />
realmente estão fazendo, pois o que na ver<strong>da</strong>de acontece é o seguinte: elas permanecem delibera<strong>da</strong>mente<br />
na incerteza quanto às suas idéias fun<strong>da</strong>mentais; ou, em outras palavras: descem a um nível de<br />
consciência mais baixo e mais primitivo do que aquele que corresponderia à sua capaci<strong>da</strong>de real. Uma<br />
certa crítica e um certo ceticismo nem sempre são indícios de inteligência; muitas vezes são justamente o<br />
contrário, em especial quando nos valemos do ceticismo para encobrir a falta de uma cosmovisão. Muitas<br />
vezes o que falta é mais coragem moral do que propriamente inteligência, pois não podemos ver o mundo<br />
sem ver-nos a nós próprios, e <strong>da</strong> mesma maneira como o indivíduo vê o mundo, assim também vê-se a si<br />
próprio, e para isto não se precisa de nenhuma coragem. Por isto é sempre fatal não ter nenhuma<br />
cosmovisão.<br />
[698] Ter uma cosmovisão significa formar uma imagem do mundo e de si mesmo, saber o que é<br />
o mundo e quem sou eu. Tomado ao pé <strong>da</strong> letra, isto seria exigir demais. Ninguém pode saber o que é o<br />
mundo, nem tampouco quem é ele próprio. Mas, cum grano salis, isto significa o melhor conhecimento<br />
possível. Ora, o melhor conhecimento possível exige saber e detesta suposições infun<strong>da</strong><strong>da</strong>s, afirmações<br />
arbitrárias e opiniões autoritárias, mas procura a hipótese bem fun<strong>da</strong><strong>da</strong>, sem esquecer que qualquer saber<br />
é limitado e está sujeito a erros.<br />
[699] Se a imagem que formamos a respeito do mundo não tivesse um efeito retroativo sobre nós,<br />
poderíamos contentar-nos com um simulacro belo ou divertido. Mas a autodecepção repercute sobre nós<br />
próprios, tornando-nos irreais, estúpidos e inúteis. Como lutamos com uma imagem ilusória do mundo,<br />
somos subjugados pelo poder soberano <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de. Deste modo, aprendemos, pela experiência, como é<br />
importante e essencial termos uma cosmovisão bem fun<strong>da</strong>menta<strong>da</strong> e cui<strong>da</strong>dosamente estrutura<strong>da</strong>.<br />
[700] Uma cosmovisão é uma hipótese e não um artigo de fé. O mundo modifica a sua face —<br />
"tempora mutantur et nos in illis" ("os tempos mu<strong>da</strong>m e nós com eles") — pois só podemos apreender o<br />
mundo em uma imagem psíquica, e nem sempre é fácil decidir quando a imagem mu<strong>da</strong>: se foi o mundo<br />
que mudou ou se fomos nós, ou uma coisa e outra. A imagem do mundo pode mu<strong>da</strong>r a qualquer tempo,<br />
<strong>da</strong> mesma forma como o conceito que temos de nós próprios também pode mu<strong>da</strong>r. Ca<strong>da</strong> nova descoberta,<br />
ca<strong>da</strong> novo pensamento pode imprimir uma nova fisionomia ao mundo. É preciso termos isto diante dos<br />
olhos, senão, de repente, ver-nos-emos em um mundo antiquado, que é, ele próprio, um resto ultrapassado<br />
de níveis inferiores <strong>da</strong> consciência. Todos nós um dia haveremos de morrer, mas é do interesse <strong>da</strong> vi<strong>da</strong><br />
adiar o mais que possível este momento; mas só conseguiremos isto, se jamais permitirmos que a imagem<br />
que formamos do mundo se petrifique. Pelo contrário, ca<strong>da</strong> nova idéia deve ser prova<strong>da</strong>, para ver se<br />
acrescenta alguma coisa ou não à nossa cosmo visão.<br />
[701] Se me ponho agora a discutir o problema <strong>da</strong> relação entre psicologia analítica e cosmovisão,<br />
faço-o sob o ponto de vista que acabo de explicar, a saber: As descobertas <strong>da</strong> psicologia analítica<br />
acrescentam alguma coisa nova à nossa cosmovisão, ou não? Para tratar desta questão com proveito,<br />
precisamos primeiramente de considerar a natureza <strong>da</strong> psicologia analítica. Com este termo designo uma<br />
corrente especial <strong>da</strong> Psicologia que trata principalmente dos chamados fenômenos psíquicos complexos,<br />
ao contrário <strong>da</strong> Psicologia fisiológica ou experimental que procura reduzir os fenômenos complexos, o<br />
quanto possível, a seus elementos. O termo "analítico" provém do fato de que esta corrente <strong>da</strong> Psicologia<br />
se desenvolveu a partir <strong>da</strong> "psicanálise" originalmente formula<strong>da</strong> por Freud. Este último identifica a<br />
psicanálise com sua teoria do sexo e <strong>da</strong> repressão, fixando-a, assim, em um corpo doutrinário. Por esta<br />
razão evito a expressão "psicanálise", quando discuto algo muito mais do que matérias de caráter<br />
meramente técnico.<br />
[702] A psicanálise freudiana consiste essencialmente em uma técnica que nos permite reconduzir<br />
à consciência os chamados conteúdos reprimidos que se tornaram inconscientes. Esta técnica é um<br />
método terapêutico, elaborado com a finali<strong>da</strong>de de tratar e curar neuroses. À luz deste método, tem-se a<br />
impressão de que as neuroses surgiram porque certas lembranças ou tendências desagradáveis — os<br />
chamados conteúdos incompatíveis — foram reprimi<strong>da</strong>s e torna<strong>da</strong>s inconscientes por uma espécie de<br />
ressentimento moral resultante de influências educativas. Sob este ponto de vista, a ativi<strong>da</strong>de psíquica<br />
inconsciente, ou aquilo que chamamos o inconsciente, aparece sobretudo como um receptáculo de todos<br />
aqueles conteúdos antipáticos à consciência, assim como de to<strong>da</strong>s as impressões esqueci<strong>da</strong>s. Por outro