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Carl Gustav Jung - A Natureza da Psique.pdf - Agricultura Celeste

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IX – ASPECTOS GERAIS DA PSICOLOGIA DO SONHO 157<br />

[443] O sonho é uma criação psíquica que, em contraste com os conteúdos habituais <strong>da</strong><br />

consciência, se situa, ao que parece, pela sua forma e seu significado, à margem <strong>da</strong> continui<strong>da</strong>de do<br />

desenvolvimento dos conteúdos conscientes. Em geral, não parece que o sonho seja uma parte integrante<br />

<strong>da</strong> vi<strong>da</strong> consciente <strong>da</strong> alma, mas um fato mais de natureza exterior e aparentemente casual. A razão para a<br />

posição excepcional do sonho está na sua maneira especial de se originar: o sonho não é o resultado,<br />

como os outros conteúdos <strong>da</strong> consciência, de uma continui<strong>da</strong>de claramente discernível, lógica e<br />

emocional <strong>da</strong> experiência, mas o resíduo de uma ativi<strong>da</strong>de que se exerce durante o sono. Esta maneira de<br />

se originar é suficiente, em si mesma, para isolar o sonho dos demais conteúdos <strong>da</strong> consciência, e este<br />

isolamento é acrescido pelo conteúdo próprio do sonho, que contrasta marcantemente com o pensamento<br />

consciente.<br />

[444] Um observador atento, to<strong>da</strong>via, descobrirá sem dificul<strong>da</strong>de que os sonhos não se situam<br />

totalmente à margem <strong>da</strong> continui<strong>da</strong>de <strong>da</strong> consciência, porque em quase todos os sonhos se podem<br />

encontrar detalhes que provêm de impressões, pensamentos e estados de espírito do dia ou dos dias<br />

precedentes. Neste sentido, portanto, existe uma certa continui<strong>da</strong>de, embora à primeira vista pareça uma<br />

continui<strong>da</strong>de para trás, mas, quem quer que se interesse vivamente pelo problema dos sonhos, não deixará<br />

de notar que os sonhos possuem também — se me permitem a expressão — uma continui<strong>da</strong>de para<br />

frente, pois ocasionalmente os sonhos exercem efeitos notáveis sobre a vi<strong>da</strong> mental consciente, mesmo de<br />

pessoas que não podem ser qualifica<strong>da</strong>s de supersticiosas e particularmente anormais. Estas seqüelas<br />

ocasionais consistem, a maior parte <strong>da</strong>s vezes, em alterações mais ou menos níti<strong>da</strong>s de estados de alma.<br />

[445] É provavelmente por causa desta conexão mais ou menos frouxa com os demais conteúdos<br />

de consciência que os sonhos são extremamente fugazes quando se trata de recordá-los. Muitos dos<br />

nossos sonhos escapam à tentativa de rememoração, logo ao acor<strong>da</strong>rmos; outros só os conseguimos<br />

reproduzir com fideli<strong>da</strong>de muito duvidosa, e são relativamente poucos os que podemos considerar<br />

realmente como clara e distintamente reproduzíveis. Este comportamento singular quanto à reprodução se<br />

explica se considerarmos a quali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s ligações <strong>da</strong>s representações que emergem no sonho. Ao oposto<br />

<strong>da</strong> seqüência lógica <strong>da</strong>s idéias, que podemos considerar como uma característica especial dos processos<br />

mentais conscientes, a combinação <strong>da</strong>s representações no sonho é essencialmente de natureza fantástica:<br />

uma forma de associação de idéias liga<strong>da</strong>s numa seqüência que, em geral, é totalmente estranha ao nosso<br />

modo realista de pensar.<br />

[446] É a esta característica que os sonhos devem o qualificativo vulgar de absurdos. Mas, antes<br />

de formular semelhante julgamento, é preciso ter presente que o sonho e seu contexto constituem algo de<br />

incompreensível para nós. Um tal julgamento na<strong>da</strong> mais seria, portanto, do que uma projeção de nossa<br />

incompreensão sobre o objeto. Mas isto não impede que o sonho possua um significado intrínseco<br />

próprio.<br />

[447] A parte os esforços feitos ao longo dos séculos no sentido de extrair um sentido profético<br />

dos sonhos, as descobertas de Freud constituem praticamente a primeira tentativa de penetrar o<br />

significado dos sonhos. Não se pode negar a essa tentativa o qualificativo de "científica", porque este<br />

pesquisador nos indicou uma técnica que, segundo ele, e também muitos outros pesquisadores, alcança o<br />

resultado pretendido, ou seja, a compreensão do sentido do sonho, sentido que não é idêntico aos<br />

significados fragmentários sugeridos pelo conteúdo manifesto do sonho.<br />

[448] Não é aqui o lugar de submeter à psicologia do sonho concebi<strong>da</strong> por Freud a uma discussão<br />

crítica. Tentarei, pelo contrário, descrever de maneira sumária aquilo que hoje podemos considerar como<br />

aquisições mais ou menos seguras <strong>da</strong> psicologia onírica.<br />

[449] A primeira questão com que temos de nos ocupar é a de saber o que nos autoriza a atribuir<br />

ao sonho uma outra significação que se diferencia <strong>da</strong> significação fragmentária pouco satisfatória,<br />

sugeri<strong>da</strong> pelo conteúdo manifesto do sonho. Um argumento de particular importância neste sentido é o<br />

fato de que Freud descobriu o sentido do sonho de maneira empírica e não de maneira dedutiva. A<br />

comparação <strong>da</strong>s fantasias oníricas com as outras fantasias do estado de vigília em um mesmo indivíduo<br />

nos fornece um outro argumento em favor <strong>da</strong> possibili<strong>da</strong>de de um sentido oculto ou não manifesto do<br />

157 Publicado pela primeira vez em Über die Energetik der Seele. (Tratados Psicológicos, II, 1928).

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