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Carl Gustav Jung - A Natureza da Psique.pdf - Agricultura Celeste

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do profeta Daniel. Nabucodonosor se achava no apogeu do seu poder, quando teve o seguinte sonho (que<br />

ele próprio narra): "7... Parecia-me que via no meio <strong>da</strong> terra uma árvore, e era a sua altura<br />

desmarca<strong>da</strong>. 8. Era uma árvore grande e forte: e cuja altura chegava até o céu: a vista se estendia até as<br />

extremi<strong>da</strong>des de to<strong>da</strong> a terra. 9. As suas folhas eram formosíssimas e seus frutos copiosos em extremo, e<br />

dela se podiam sustentar to<strong>da</strong>s as castas de animais: as alimárias domésticas e selvagens habitavam<br />

debaixo dela e as aves do céu pousavam sobre os seus ramos, e dela se sustentava to<strong>da</strong> a carne. 10. Eu<br />

estava vendo isto na visão <strong>da</strong> minha cabeça sobre o meu leito, e eis que o vigia e o Santo desceu do céu.<br />

11. Ele chamou com voz forte e disse assim: Deitai abaixo pelo pé esta árvore e cortai-lhe os ramos;<br />

fazei-lhe cair as folhas, e desperdiçai-lhe os pomos, afugentem-se as alimárias que estão debaixo dela e<br />

enxotem-se as aves de cima dos seus ramos. 12. Deixai, to<strong>da</strong>via, na torra o tronco com as suas raízes e<br />

ele fique ligado com umas cadeias de ferro e de bronze, entre as ervas que estão fora no campo, e seja<br />

molhado do orvalho do céu e sua sorte seja com as feras na erva <strong>da</strong> terra. 13. Mude-se-lhe o seu coração<br />

de homem e dê-se-lhe um coração de fera, e passem sete tempos por cima dele".<br />

[485] Na segun<strong>da</strong> parte do sonho a árvore se personifica, de modo que é fácil verificar que a<br />

grande árvore é o rei que sonha, e o próprio Daniel interpreta o sonho também neste sentido. O sonho<br />

significa, sem sombra de dúvi<strong>da</strong>, uma tentativa de compensação do delírio de grandeza, o qual, segundo<br />

nos diz o relato a seguir, evoluiu para uma psicose real. A interpretação dos fenômenos oníricos como um<br />

processo de compensação corresponde, a meu ver, à natureza do processo biológico em geral. A<br />

concepção de Freud situa-se nessa mesma direção quando atribui também ao sonho um papel<br />

compensador, relativo à manutenção do sono. Como Freud demonstrou, há muitos sonhos que nos<br />

mostram como certos estímulos externos, capazes de arrancar do sono a quem sonha, são desfigurados de<br />

tal forma, que levam a vontade de dormir a fortalecer a intenção de não se deixar perturbar. Há<br />

igualmente, como Freud também demonstrou, inúmeros sonhos nos quais certos estímulos perturbadores<br />

intrapsíquicos, como o aparecimento de representações pessoais capazes de desencadear poderosas<br />

reações afetivas, são desfigurados de tal modo, que se encaixam num contexto onírico que disfarça as<br />

representações incômo<strong>da</strong>s ao ponto de tornar impossível uma reação afetiva mais forte (e o sono não é<br />

perturbado).<br />

[486] Mas isto não nos deve impedir de ver que são justamente os sonhos aquilo que mais<br />

perturba o sono, e há mesmo certos sonhos em bem maior número do que se supõe, cuja estrutura tende a<br />

provocar — como de fato provoca — uma situação emocional tão perfeitamente realiza<strong>da</strong>, que quem está<br />

dormindo é forçosamente arrancado do sono pelas emoções desencadea<strong>da</strong>s. Freud explica estes sonhos,<br />

dizendo que a censura não conseguiu reprimir a emoção incômo<strong>da</strong>. Parece-me que esta explicação não<br />

toma ver<strong>da</strong>deiramente em consideração a reali<strong>da</strong>de dos fatos. São fartamente conhecidos os exemplos de<br />

sonhos que manifestamente e por forma a mais inconveniente se ocupam com as experiências<br />

desagradáveis e as ocorrências <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> do estado de vigília, expondo com minuciosa e desagradável<br />

clareza justamente aqueles pensamentos mais importunos. A meu ver, não teria sentido falar aqui <strong>da</strong><br />

proteção do sono e <strong>da</strong> dissimulação dos afetos como funções do sonho. Seria necessária na<strong>da</strong> menos do<br />

que uma inversão radical <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de dos fatos para encontrar em tais sonhos uma confirmação <strong>da</strong><br />

concepção freudiana neste sentido. O mesmo se pode dizer quanto aos casos em que as fantasias sexuais<br />

aparecem camufla<strong>da</strong>s sob o conteúdo manifesto do sonho.<br />

[487] Cheguei, portanto, à conclusão de que a concepção de Freud, que não distingue<br />

essencialmente nos sonhos senão uma função de guar<strong>da</strong> do sono e de realização dos desejos, é demasiado<br />

estreita, ao passo que a idéia fun<strong>da</strong>mental de uma função compensadora é certamente correta. Esta<br />

função, porém, só em parte se refere ao estado de sono, ao passo que seu significado principal está ligado<br />

à vi<strong>da</strong> consciente. Os sonhos, afirmo eu, comportam-se como compensações <strong>da</strong> situação <strong>da</strong> consciência<br />

em determinado momento. Eles preservam o sono na medi<strong>da</strong> do possível, quer dizer, funcionam<br />

obrigatória e automaticamente sob a influência do estado de sono, mas o interrompem, quando sua função<br />

o exige, isto é, quando seus conteúdos compensadores são suficientemente intensos para lhe interromper<br />

o curso. Um conteúdo compensador apresenta-se particularmente intenso, quando tem importância vital<br />

para a orientação <strong>da</strong> consciência.<br />

[488] Já desde 1906 eu chamei a atenção para as relações de compensação existentes entre a<br />

consciência e os complexos autônomos, e sublinhei, simultaneamente, sua oportuni<strong>da</strong>de 160 . O mesmo fez<br />

160 Cf. Über die Psychologie der Dementia, praecox [Obras Completas, III].

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