Carl Gustav Jung - A Natureza da Psique.pdf - Agricultura Celeste
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fatos, que a alma existe à margem do corpo? Devo confessar que nesta pretensa superstição não vejo mais<br />
absurdos do que nos resultados <strong>da</strong> pesquisa sobre a hereditarie<strong>da</strong>de ou <strong>da</strong> psicologia dos instintos.<br />
[672] Compreenderemos facilmente que a antiga concepção tenha atribuído à alma um<br />
conhecimento superior e mesmo divino, se considerarmos que culturas antigas, a começar dos tempos<br />
primitivos, utilizaram sempre os sonhos e as visões como fonte de conhecimento. Com efeito, o<br />
inconsciente dispõe de percepções subliminares cujo espectro e extensão toca as raias do maravilhoso.<br />
Por reconhecerem este estado de coisas, as socie<strong>da</strong>des primitivas utilizavam os sonhos e as visões como<br />
importantes fontes de informações, e sobre esta base psicológica elevaram-se antiqüíssimas e poderosas<br />
culturas, como a hindu e a chinesa, que desenvolveram, filosófica e praticamente até os mínimos detalhes,<br />
a via do conhecimento interior.<br />
[673] A apreciação <strong>da</strong> psique inconsciente como fonte de conhecimento não é, de forma nenhuma,<br />
tão ilusória como nosso racionalismo ocidental pretende. Nossa tendência é supor que qualquer<br />
conhecimento provém, em última análise, do exterior. Mas hoje sabemos com certeza que o inconsciente<br />
possui conteúdos que, se pudessem tornar-se conscientes, constituiriam um aumento imenso de<br />
conhecimento. O estudo moderno dos instintos nos animais, como, por ex., nos insetos, recolheu<br />
abun<strong>da</strong>nte material empírico que, pelo menos, nos prova que, se um ser humano se comportasse<br />
eventualmente como determinados insetos, possuiria uma inteligência superior à atual. Naturalmente é<br />
impossível provar que os insetos têm consciência de seu saber, mas para o sadio bom senso é fora de<br />
dúvi<strong>da</strong> que estes conteúdos inconscientes são também funções psíquicas. Do mesmo modo, o<br />
inconsciente humano contém to<strong>da</strong>s as formas de vi<strong>da</strong> e de funções her<strong>da</strong><strong>da</strong>s <strong>da</strong> linhagem ancestral, de<br />
modo que em ca<strong>da</strong> criança preexiste uma disposição psíquica funcional adequa<strong>da</strong>, anterior à consciência.<br />
Mesmo no seio <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> consciente do adulto esta função instintiva inconsciente faz sentir constantemente<br />
sua presença e sua ativi<strong>da</strong>de: nelas se acham pré-forma<strong>da</strong>s to<strong>da</strong>s as funções <strong>da</strong> psique consciente. O<br />
inconsciente percebe, tem intenções e pressentimentos, sente e pensa justamente como a consciência.<br />
Disto temos prova suficiente no campo <strong>da</strong> Psicopatologia e do estudo <strong>da</strong> função onírica. Só há uma<br />
diferença essencial entre o funcionamento consciente e o funcionamento inconsciente <strong>da</strong> psique: a<br />
consciência, apesar de sua intensi<strong>da</strong>de e de sua concentração, é puramente efêmera e orienta<strong>da</strong> para o<br />
presente imediato e seu próprio ambiente. Além disto, ela só dispõe, pela própria natureza, de materiais<br />
<strong>da</strong> experiência individual, que recobre apenas alguns decênios. Outra espécie de memória é artificial e<br />
consiste essencialmente em papel impresso. Quão diferente é o inconsciente! Não é concentrado nem<br />
intensivo, mas crepuscular até à obscuri<strong>da</strong>de. É extremamente extensivo e pode justapor paradoxalmente<br />
os elementos mais heterogêneos possíveis, e encerra, além de uma quanti<strong>da</strong>de incalculável de percepções<br />
subliminares, o tesouro imenso <strong>da</strong>s estratificações deposita<strong>da</strong>s no curso <strong>da</strong>s vi<strong>da</strong>s dos ancestrais que,<br />
apenas com sua existência, contribuíram para a diferenciação <strong>da</strong> espécie. Se o inconsciente pudesse ser<br />
personificado, assumiria os traços de um ser humano coletivo, à margem <strong>da</strong>s características de sexo, à<br />
margem <strong>da</strong> juventude e <strong>da</strong> velhice, do nascimento e <strong>da</strong> morte, e disporia <strong>da</strong> experiência humana quase<br />
imortal de um a dois milhões de anos. Este ser pairaria simplesmente acima <strong>da</strong>s vicissitudes dos tempos.<br />
O presente não teria para ele nem maior nem menor significação do que um ano qualquer do centésimo<br />
século antes de Cristo; seria um sonhador de sonhos seculares e, graças à sua prodigiosa experiência, seria<br />
um oráculo incomparável de prognósticos. Ele teria vivido, com efeito, um número incalculável de vezes,<br />
a vi<strong>da</strong> do indivíduo, <strong>da</strong> família, <strong>da</strong>s tribos e dos povos e possuiria o mais vivo e mais profundo sentimento<br />
do ritmo do devir, <strong>da</strong> plenitude e do declínio <strong>da</strong>s coisas.<br />
[674] Infelizmente, ou antes afortuna<strong>da</strong>mente, este ser sonha. Pelo menos nos parece que este<br />
inconsciente coletivo não tem consciência de seus conteúdos, embora não tenhamos plena certeza disto,<br />
como no caso dos insetos. Parece também que este ser humano coletivo não é uma pessoa, mas antes uma<br />
espécie de corrente infinita ou quiçá um oceano de imagens e de formas que irrompem, às vezes, na<br />
consciência por ocasião dos sonhos ou em estados mentais anormais.<br />
[675] Seria simplesmente grotesco pretender classificar de ilusório este sistema imenso de<br />
experiências <strong>da</strong> psique inconsciente, porquanto nosso corpo visível e tangível é, também ele, um sistema<br />
de experiências dessa natureza, que ain<strong>da</strong> contém os traços de evoluções que remontam às primeiras<br />
i<strong>da</strong>des e formam incontestavelmente um conjunto que funciona em vista de um determinado fim que é a<br />
vi<strong>da</strong>, pois, do contrário, não poderíamos viver. A ninguém ocorreria a idéia de considerar a anatomia<br />
comparativa ou a fisiologia como um absurdo, é, por isto, não podemos dizer que a pesquisa do<br />
inconsciente coletivo ou a sua utilização como fonte de conhecimento seja uma ilusão.