Carl Gustav Jung - A Natureza da Psique.pdf - Agricultura Celeste
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então não se deve considerar apenas a função <strong>da</strong> inconsciência como compensadora e relativa no<br />
confronto com o conteúdo <strong>da</strong> consciência; também este conteúdo deve ser considerado como relativo, no<br />
que respeita ao conteúdo inconsciente, momentaneamente constelado. Neste caso, a orientação ativa para<br />
um fim e uma intenção seria um privilégio não só <strong>da</strong> consciência, mas também do inconsciente, de tal<br />
modo que este seria capaz, tanto quanto a consciência, de assumir uma direção orienta<strong>da</strong> para uma<br />
finali<strong>da</strong>de. Se assim fosse, o sono teria então o valor de uma idéia diretriz positiva ou de uma<br />
representação orienta<strong>da</strong>, de significado vital superior aos conteúdos <strong>da</strong> consciência momentaneamente<br />
constelados. Esta possibili<strong>da</strong>de que, na minha opinião, é real, concor<strong>da</strong> com o consensus gentium<br />
[consenso universal], pois na superstição de to<strong>da</strong>s as épocas e de todos os povos considera-se o sonho<br />
como um oráculo que transmite a ver<strong>da</strong>de. Descontados os exageros e radicalismos, sempre há uma<br />
parcela de ver<strong>da</strong>de nesta representação universalmente tão difundi<strong>da</strong>. Maeder sublinhou energicamente o<br />
significado finalista e prospectivo dos sonhos como função inconsciente apropria<strong>da</strong>, que prepara o<br />
caminho para a solução dos conflitos e problemas atuais, e procura descrevê-los com a aju<strong>da</strong> de símbolos<br />
escolhidos às apalpadelas 162 .<br />
[492] Eu gostaria de distinguir a função prospectiva do sonho <strong>da</strong> respectiva função compensadora.<br />
Esta última implica, em primeiro lugar, que o inconsciente, na medi<strong>da</strong> em que depende <strong>da</strong> consciência,<br />
acrescenta à situação consciente do indivíduo todos os elementos que, no estado de vigília, não<br />
alcançaram o limiar na consciência, por causa de recalque ou simplesmente por serem demasiado débeis<br />
para conseguir chegar por si mesmo até à consciência. A compensação <strong>da</strong>í resultante pode' ser<br />
considera<strong>da</strong> como apropria<strong>da</strong>, por representar uma auto-regulação do organismo psíquico.<br />
[493] A função prospectiva é uma antecipação, surgi<strong>da</strong> no inconsciente, de futuras ativi<strong>da</strong>des<br />
conscientes, uma espécie de exercício preparatório ou um esboço preliminar, um plano traçado<br />
antecipa<strong>da</strong>mente. Seu conteúdo simbólico constitui, por vezes, o esboço de solução de um conflito, como<br />
Maeder o ilustrou muito bem. Não se pode negar a reali<strong>da</strong>de dos sonhos prospectivos desta natureza.<br />
Seria injustificado qualificá-los de proféticos, pois, no fundo, não são mais proféticos do que um<br />
prognóstico médico ou meteorológico. São apenas uma combinação precoce de possibili<strong>da</strong>des que podem<br />
concor<strong>da</strong>r, em determinados casos, com o curso real dos acontecimentos, mas que pode igualmente não<br />
concor<strong>da</strong>r em na<strong>da</strong> ou não concor<strong>da</strong>r em todos os pormenores. Só neste caso é que se poderia falar de<br />
profecia. A função prospectiva do sonho é muitas vezes francamente superior à combinação consciente e<br />
precoce <strong>da</strong>s probabili<strong>da</strong>des, do que não devemos admirar-nos, porque o sonho resulta <strong>da</strong> fusão de<br />
elementos subliminares, sendo, portanto, uma combinação de percepções, pensamentos e sentimentos<br />
que, em virtude de seu fraco relevo, escaparam à consciência. Além disto, o sonho pode contar ain<strong>da</strong> com<br />
vestígios subliminares <strong>da</strong> memória que não se encontram mais em estado de influenciarem eficazmente a<br />
consciência. Do ponto de vista do prognóstico, portanto, o sonho se encontra muitas vezes em situação<br />
mais favorável do que a consciência.<br />
[494] Embora a função prospectiva constitua, na minha opinião, um atributo essencial, contudo,<br />
convém não exagerá-la, porque é fácil cair na tentação de ver no sonho uma espécie de psicopompo que<br />
seria capaz de guiar a existência por um caminho <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, em virtude de uma sabedoria superior.<br />
Enquanto, por uma parte, há uma forte tendência a diminuir a importância psicológica do sonho, por<br />
outra, também há, para aqueles que se ocupam constantemente com a análise onírica, o grande perigo de<br />
exagerar a importância do inconsciente para a vi<strong>da</strong> real. Mas até aqui a experiência nos autoriza a admitir<br />
que o inconsciente possui uma importância quase igual à <strong>da</strong> consciência. Existem, com to<strong>da</strong> a certeza,<br />
atitudes conscientes que o inconsciente ultrapassa, isto é, existem atitudes conscientes tão mal a<strong>da</strong>pta<strong>da</strong>s à<br />
natureza <strong>da</strong> individuali<strong>da</strong>de como um todo, que a atitude inconsciente ou constelação dela nos dá uma<br />
expressão incomparavelmente superior. Mas isto nem sempre acontece. Antes, muitas vezes o sono<br />
contribui apenas com fragmentos para a atitude consciente, porque, justamente neste caso, a atitude<br />
consciente está, por um lado, quase inteiramente a<strong>da</strong>pta<strong>da</strong> à reali<strong>da</strong>de e, por outro, satisfaz mais ou menos<br />
também à natureza essencial do indivíduo. Neste caso, tomar em consideração, com maior ou menor<br />
exclusivi<strong>da</strong>de, apenas o ponto de vista oferecido pelo sonho, desprezando a situação consciente, seria<br />
inteiramente inadequado e só serviria para confundir e destruir a ativi<strong>da</strong>de consciente. Somente em<br />
presença de uma atitude manifestamente insuficiente e deficiente é que se tem direito de atribuir ao<br />
inconsciente um valor superior. Os critérios requeridos para uma tal apreciação constituem, naturalmente,<br />
um problema delicado. É evidente que nunca poderemos apreciar o valor <strong>da</strong> atitude consciente de um<br />
162 Cf. Maeder, Sur le mouvement psychoanalytique, p. 389s, Über die Funktion des Traumes, p. 692s; Vber <strong>da</strong>s Traumproblem, p. 647s.