Carl Gustav Jung - A Natureza da Psique.pdf - Agricultura Celeste
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importância efetiva aumenta em conseqüência disto. Quanto mais o nível <strong>da</strong> carga energética se eleva,<br />
tanto mais a atitude repressiva assume um caráter fanático e, por conseguinte, tanto mais se aproxima <strong>da</strong><br />
conversão em seu oposto, isto é, <strong>da</strong> chama<strong>da</strong> enantiodromia. Quanto maior for a carga <strong>da</strong> consciência<br />
coletiva, tanto mais o ego perde sua consciência prática. É, por assim dizer, sugado pelas opiniões e<br />
tendências <strong>da</strong> consciência coletiva, e o resultado disto é o homem massificado, a eterna vítima de<br />
qualquer "ismo". O ego só conserva sua independência se não se identificar com um dos opostos, mas<br />
conseguir manter o meio-termo entre eles. Isto só se torna possível, se ele permanece consciente dos dois<br />
ao mesmo tempo. Mas esta percepção é dificulta<strong>da</strong> não só pelos chefes sociais e políticos, como também<br />
pelos mentores religiosos. Todos eles querem uma decisão em favor de uma determina<strong>da</strong> coisa e, com ela,<br />
a identificação incondicional com uma "ver<strong>da</strong>de" necessariamente unilateral. Mesmo que se tratasse de<br />
uma grande ver<strong>da</strong>de, a identificação com ela seria uma espécie de catástrofe, porque obstaria qualquer<br />
desenvolvimento posterior. Em vez do conhecimento claro, teríamos apenas a crença, o que, por vezes, é<br />
muito mais cômodo e conseqüentemente mais atraente.<br />
[426] Se, pelo contrário, nos tornamos conscientes do conteúdo do inconsciente coletivo, isto é, se<br />
reconhecemos a existência e a eficácia <strong>da</strong>s representações arquetípicas, então geralmente irrompe um<br />
conflito violento entre aquilo que Pechner chamou de "visão diurna e visão noturna" <strong>da</strong>s coisas. O homem<br />
medieval (e também o homem moderno, na medi<strong>da</strong> em que conservou a atitude do passado) vivia<br />
plenamente consciente <strong>da</strong> oposição existente entre a mun<strong>da</strong>ni<strong>da</strong>de sujeita ao princeps huius mundi<br />
[príncipe deste mundo] (Jó 12,31 e 16,11) 145 e a vontade de Deus. Durante séculos, ele presenciou esta<br />
contradição, através <strong>da</strong> luta trava<strong>da</strong> entre o poder imperial e o poder papal. No plano moral, este conflito<br />
atingiu o seu clímax na luta entre o bem e o mal na qual o homem estava envolvido em razão do<br />
peccatum originale [pecado original]. O homem medieval ain<strong>da</strong> não se tornara totalmente vítima dessa<br />
mun<strong>da</strong>ni<strong>da</strong>de, como o homem <strong>da</strong> massa de nossos dias, pois, em oposição às forças manifestas e, por<br />
assim dizer, palpáveis deste mundo, ele reconhecia também a existência de potências igualmente<br />
influentes que era preciso levar em conta. Embora sob determinados aspectos este homem muitas vezes<br />
fosse social e politicamente privado de liber<strong>da</strong>de e sem direitos (por exemplo, como servo <strong>da</strong> gleba), e se<br />
encontrasse em uma situação, por assim dizer, extremamente desagradável, tiranizado que era por<br />
superstições tenebrosas, pelo menos ele estava biologicamente mais próximo <strong>da</strong>quela totali<strong>da</strong>de<br />
inconsciente de que a criança e o primitivo gozam em medi<strong>da</strong> ca<strong>da</strong> vez maior e o animal selvagem possui<br />
em grau eminente. Na perspectiva <strong>da</strong> consciência moderna, a situação do homem medieval parece, ao<br />
mesmo tempo, lamentável e carente de melhoramentos. Mas o alargamento tão necessário <strong>da</strong> consciência<br />
mediante a Ciência apenas substituiu a unilaterali<strong>da</strong>de medieval — ou seja, a inconsciência que dominava<br />
durante séculos e pouco a pouco se tornara caduca — por uma outra unilaterali<strong>da</strong>de, isto é, pela<br />
supervalorizaçao de concepções apoia<strong>da</strong>s "na ciência". To<strong>da</strong>s estas concepções se referem ao<br />
conhecimento dos objetos externos, e isto de modo tão unilateral, que hoje em dia o retar<strong>da</strong>mento <strong>da</strong><br />
psique e sobretudo o do conhecimento em particular se tornou o mais urgente problema contemporâneo.<br />
Como resultado <strong>da</strong> unilaterali<strong>da</strong>de dominante e apesar <strong>da</strong> demonstratio ad oculos [demonstração ocular]<br />
terrificante de um inconsciente que se tornou estranho à consciência, existe ain<strong>da</strong> um sem-número de<br />
pessoas que são vítimas cegas e impotentes destes conflitos e que só aplicam sua escrupulosi<strong>da</strong>de<br />
científica ao objeto externo, mas nunca ao estado <strong>da</strong> própria psique. Entretanto, os fatos psíquicos<br />
necessitavam de pesquisa e de reconhecimento objetivos. Ora, existem fatores psíquicos que, na prática,<br />
são pelo menos tão importantes quanto a televisão e o automóvel. Por último, tudo depende<br />
(particularmente no caso <strong>da</strong> bomba atômica) do uso que se faz destes fatores, e isto é condicionado<br />
sempre pelo estado espiritual de ca<strong>da</strong> indivíduo. Os "ismos" dominantes, que na<strong>da</strong> mais são do que<br />
perigosas identificações <strong>da</strong> consciência subjetiva com a consciência coletiva, constituem a mais séria<br />
ameaça a este respeito. Semelhante identificação produz infalivelmente um homem massificado, com sua<br />
tendência irresistível à catástrofe. Para escapar desta terrível ameaça, a consciência subjetiva deve evitar a<br />
identificação com a consciência coletiva, e reconhecer tanto a sua própria sombra quanto a existência e a<br />
importância dos arquétipos. Estes últimos constituem uma defesa eficaz contra a prepotência <strong>da</strong><br />
consciência social e <strong>da</strong> conseqüente psique massifica<strong>da</strong>. Em questão de eficácia, a crença e a atitude<br />
quanti<strong>da</strong>de de energia que flui <strong>da</strong> consciência para o inconsciente, seja porque a consciência não utiliza esta energia, seja porque o arquétipo<br />
a atrai espontaneamente para si mesmo. O arquétipo pode ser privado desta carga suplementar, mas não de sua energia específica.<br />
145 Embora essas duas passagens sugiram que o demônio tenha sido liqui<strong>da</strong>do definitivamente já durante a vi<strong>da</strong> de Jesus, contudo, no<br />
Apocalipse a ação de torná-lo inofensivo é transferi<strong>da</strong> para um futuro remoto, para o Juízo Final (Ap 20,2s).