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Carl Gustav Jung - A Natureza da Psique.pdf - Agricultura Celeste

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[683] A idéia <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de psíquica poderia certamente ser considera<strong>da</strong> como a conquista<br />

mais importante <strong>da</strong> Psicologia moderna, se fosse reconheci<strong>da</strong> como tal. Parece-me que a aceitação<br />

geral desta idéia é apenas uma questão de tempo. Ela se afirmará, sem dúvi<strong>da</strong>, porque esta fórmula é a<br />

única que nos permite apreciar as múltiplas manifestações psíquicas em suas particulari<strong>da</strong>des essenciais.<br />

Sem esta idéia, é inevitável que a explicação violenta, em ca<strong>da</strong> caso, uma <strong>da</strong>s metades <strong>da</strong> psique, ao passo<br />

que, com ela, podemos ter a possibili<strong>da</strong>de de fazer justiça ao aspecto <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> psíquica, que é expresso na<br />

superstição, na mitologia, nas religiões e na Filosofia. E, por certo, não se deve subestimar este aspecto do<br />

psiquismo. A ver<strong>da</strong>de sensorial talvez satisfaça à razão, mas não revela jamais um sentido <strong>da</strong> existência<br />

humana que suscite e expresse também nossas emoções. As forças destas emoções são, muitas vezes, os<br />

fatores que decidem, em última análise, tanto no bem quanto no mal. Mas quando estas forças não se<br />

apressam em socorrer nossa razão, esta última se mostra impotente, na maioria <strong>da</strong>s vezes. A razão e as<br />

boas intenções preservaram-nos, porventura, <strong>da</strong> guerra mundial ou de qualquer outro absurdo<br />

catastrófico? Ou as maiores transformações espirituais e sociais, como, por ex., a economia medieval ou a<br />

expansão explosiva <strong>da</strong> cultura islâmica surgiram <strong>da</strong> razão?<br />

[684] Como médico não sou, naturalmente, atingido diretamente por estas questões universais; é<br />

de doentes que devo me ocupar. Até o presente a Medicina tem alimentado o preconceito de que se pode<br />

e se deve tratar e curar a doença; mas em tempos mais recentes ergueram-se vozes autoriza<strong>da</strong>s,<br />

considerando esta opinião erra<strong>da</strong> e preconizando o tratamento não <strong>da</strong> doença, mas do doente. Esta<br />

exigência também se impõe no tratamento dos males psíquicos. Volvemos ca<strong>da</strong> vez mais nossa atenção<br />

<strong>da</strong> doença visível para o indivíduo como um todo, pois chegamos à conclusão de que precisamente o mal<br />

psíquico não consiste em fenômenos localizados e estreitamente circunscritos, mas, pelo contrário, estes<br />

fenômenos em si representam sintomas de uma atitude errônea <strong>da</strong> personali<strong>da</strong>de global. Por isto não<br />

podemos jamais esperar uma cura completa de um tratamento limitado à doença em si mesma, mas tãosomente<br />

de um tratamento <strong>da</strong> personali<strong>da</strong>de como um todo.<br />

[685] Lembro-me, a este propósito, de um caso muito instrutivo: tratava-se de um jovem<br />

extremamente inteligente que, depois de estu<strong>da</strong>r acura<strong>da</strong>mente a literatura médica especializa<strong>da</strong>, tinha<br />

elaborado uma análise circunstancia<strong>da</strong> de sua neurose. Trouxe-me ele o resultado de suas reflexões sob a<br />

forma de monografia clara e precisa, notavelmente bem escrita e, por assim dizer, pronta para ser<br />

impressa. Pediu-me que lesse o manuscrito e lhe dissesse o motivo pelo qual ele ain<strong>da</strong> não se havia<br />

curado, quando, segundo seus julgamentos científicos, já deveria realmente estar. Tive de lhe dizer,<br />

depois <strong>da</strong> leitura, que se fosse apenas o caso de compreender a estrutura causal <strong>da</strong> sua neurose, ele<br />

deveria incontestavelmente estar curado de seus males. Desde, porém, que ele não estava, achava eu que<br />

isto se devia a algum erro fun<strong>da</strong>mental de sua atitude para com a vi<strong>da</strong>, erro que fugia à sintomatologia de<br />

sua neurose. Durante a anamnese, tive a atenção desperta<strong>da</strong> pelo fato de que ele passava muitas vezes o<br />

inverno em Saint-Moritz ou em Nice. Perguntei-lhe quem pagava as despesas dessas estadias e acabei<br />

sabendo que era uma pobre professora que o amava e tirava de sua boca o sustento diário para garantir<br />

essas vilegiaturas de nosso jovem. Era nesta falta de conciência que estava a causa <strong>da</strong> neurose e <strong>da</strong><br />

enfermi<strong>da</strong>de e por isto mesmo, a ineficácia de sua compreensão científica. Seu erro fun<strong>da</strong>mental residia,<br />

aqui, numa atitude moral. O paciente achou que minha opinião na<strong>da</strong> apresentava de cientifica porque a<br />

Moral na<strong>da</strong> teria a ver com a Ciência. Acreditava ele que podia, em nome do pensamento científico,<br />

eliminar uma imorali<strong>da</strong>de que, no fundo, ele próprio não suportava e não admitia também que se tratasse<br />

de um conflito, pois aquela que o amava lhe <strong>da</strong>va esse dinheiro de livre e espontânea vontade.<br />

[686] Podemos fazer as considerações científicas que quisermos, a este respeito, mas o fato é que<br />

a imensa maioria dos seres civilizados simplesmente não tolera semelhante comportamento. A atitude<br />

moral é um fator real com o qual o psicólogo deve contar, se não quer incorrer nos mais tremendos erros.<br />

O mesmo se pode dizer quanto ao fato de que certas convicções religiosas não fun<strong>da</strong><strong>da</strong>s na razão<br />

constituem uma necessi<strong>da</strong>de vital para muitas pessoas. Temos aqui, de novo, reali<strong>da</strong>des psíquicas,<br />

capazes tanto de causar como de curar doenças. Quantas vezes não tenho ouvido um doente exclamar:<br />

"Se eu soubesse que minha vi<strong>da</strong> tem um sentido e um objetivo, não haveria necessi<strong>da</strong>de de to<strong>da</strong> esta<br />

perturbação dos meus nervos". Pouco importa que o paciente seja rico ou pobre, tenha família e status,<br />

porque estas circunstâncias exteriores não bastam para <strong>da</strong>r sentido a uma vi<strong>da</strong>. Trata-se, aqui, muito mais<br />

de uma necessi<strong>da</strong>de irracional de uma vi<strong>da</strong> dita espiritual que o paciente não encontra nem na<br />

universi<strong>da</strong>de nem nas bibliotecas e nem mesmo nas igrejas, pois ele pode aceitar aquilo que lhe oferecem<br />

e que fala apenas a seu intelecto, mas não toca seu coração. Em caso semelhante, o conhecimento preciso

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