19.05.2013 Views

Carl Gustav Jung - A Natureza da Psique.pdf - Agricultura Celeste

Carl Gustav Jung - A Natureza da Psique.pdf - Agricultura Celeste

Carl Gustav Jung - A Natureza da Psique.pdf - Agricultura Celeste

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

XVI – AS ETAPAS DA VIDA HUMANA 209<br />

[749] Falar dos problemas <strong>da</strong>s etapas <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> do homem é uma tarefa por demais exigente, pois<br />

esta significa na<strong>da</strong> menos do que traçar um quadro de to<strong>da</strong> a vi<strong>da</strong> psíquica, desde o berço até à sepultura.<br />

No quadro de uma conferência, semelhante tarefa só pode ser leva<strong>da</strong> a efeito em suas linhas gerais — e,<br />

naturalmente, não se trata de descrever a psicologia normal <strong>da</strong>s diversas etapas <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>. Pelo contrário,<br />

trataremos apenas de certos problemas, isto é, de coisas que são difíceis, questionáveis ou ambíguas;<br />

numa palavra: de questões que nos permitem mais de uma resposta — e, além do mais, respostas que<br />

nunca são suficientemente seguras e inteiramente claras. Por este motivo, haverá não poucos aspectos que<br />

nossa mente terá de abor<strong>da</strong>r com um ponto de interrogação. Pior ain<strong>da</strong>: haverá algumas coisas que<br />

deveremos aceitar com to<strong>da</strong> a boa-fé; e, ocasionalmente, teremos inclusive de nos entregar a<br />

especulações.<br />

[750] Se a vi<strong>da</strong> psíquica fosse constituí<strong>da</strong> de evidências naturais — como acontece ain<strong>da</strong> no<br />

estágio primitivo — poderíamos contentar-nos com um empirismo decidido. Mas a vi<strong>da</strong> psíquica do<br />

homem civilizado é cheia de problemas, e não pode ser concebi<strong>da</strong> senão em termos de problema. Grande<br />

parte de nossos processos psíquicos são constituídos de reflexões, dúvi<strong>da</strong>s, experimentos — coisas que a<br />

psique instintiva e inconsciente do homem primitivo desconhece quase inteiramente. É ao crescimento <strong>da</strong><br />

consciência que devemos a existência de problemas; eles são o presente de grego <strong>da</strong> civilização. É o<br />

afastamento do homem em relação aos instintos e sua oposição a eles que cria a consciência. O instinto é<br />

natureza e deseja perpetuar-se com a natureza, ao passo que a consciência só pode querer a civilização<br />

ou sua negação. E mesmo quando procuramos voltar à natureza, embalados pelo ideal de Rousseau,<br />

nós "cultivamos" a natureza. Enquanto continuarmos identificados com a natureza, seremos inconscientes<br />

e viveremos na segurança dos instintos que desconhecem problemas. Tudo aquilo que em nós está ligado<br />

ain<strong>da</strong> à natureza tem pavor de qualquer problema, porque seu nome é dúvi<strong>da</strong>, e onde a dúvi<strong>da</strong> impera, aí<br />

se enquadra a incerteza e a possibili<strong>da</strong>de de caminhos divergentes. Mas nos afastamos <strong>da</strong> guia segura dos<br />

instintos e ficamos entregues ao medo, quando nos deparamos com a possibili<strong>da</strong>de de caminhos<br />

diferentes, porque a consciência agora é chama<strong>da</strong> a fazer tudo aquilo que a natureza sempre fez em favor<br />

de seus filhos, a saber: tomar decisões seguras, inquestionáveis e inequívocas. E, diante disto, somos<br />

acometidos por um temor demasiado humano de que a consciência, nossa conquista prometeana, ao cabo<br />

não seja capaz de nos servir tão bem quanto a natureza.<br />

[751] Os problemas, portanto, nos compelem a um estado de sole<strong>da</strong>de e de orfan<strong>da</strong>de absoluta,<br />

onde nos sentimos abandonados inclusive pela natureza e onde somos obrigados a tornar-nos conscientes.<br />

Não temos outra via de saí<strong>da</strong>, e somos forçados a substituir nossa confiança nos acontecimentos naturais<br />

por decisões e soluções conscientes. Ca<strong>da</strong> problema, portanto, implica a possibili<strong>da</strong>de de ampliar a<br />

consciência mas também a necessi<strong>da</strong>de de nos desprendermos de qualquer traço de infantilismo e de<br />

confiança inconsciente em a natureza. Esta necessi<strong>da</strong>de é um fato psíquico de tal monta, que constitui um<br />

dos ensinamentos simbólicos mais essenciais <strong>da</strong> religião cristã. É o sacrifício do homem puramente<br />

natural, do ser inconsciente e natural, cuja tragédia começou com o ato de comer a maçã no paraíso. A<br />

que<strong>da</strong> do homem segundo a Bíblia .nos apresenta o despontar <strong>da</strong> consciência como uma maldição, E é<br />

assim que vemos qualquer problema que nos obriga a uma consciência maior e nos afasta mais ain<strong>da</strong> do<br />

paraíso de nossa infantili<strong>da</strong>de inconsciente. Ca<strong>da</strong> um de nós espontaneamente evita encarar seus<br />

problemas, enquanto possível; não se deve mencioná-los, ou melhor ain<strong>da</strong>, nega-se sua existência.<br />

Queremos que nossa vi<strong>da</strong> seja simples, segura e tranqüila, e por isto os problemas são tabu. Queremos<br />

certezas e não dúvi<strong>da</strong>s; queremos resultados e não experimentos, sem entretanto nos <strong>da</strong>rmos conta de que<br />

as certezas só podem surgir através <strong>da</strong> dúvi<strong>da</strong>, e os resultados através do experimento. Assim, a negação<br />

artificial dos problemas não gera a convicção; pelo contrário, para obtermos certeza e clari<strong>da</strong>de,<br />

precisamos de uma consciência mais ampla e superior.<br />

[752] Esta introdução um tanto longa me pareceu necessária, para explicar a natureza de nosso<br />

assunto. Quando temos de li<strong>da</strong>r com problemas, instintivamente nos recusamos a percorrer um caminho<br />

que nos conduz através de obscuri<strong>da</strong>des e indeterminações. Queremos ouvir falar somente de resultados<br />

inequívocos e nos esquecemos completamente de que os resultados só podem vir depois que<br />

209 [Conferência publica<strong>da</strong> parcialmente em Neue Zürcher Zeitung, 14/16 de março de 1930; nova re<strong>da</strong>ção sob o título de Die Lebenswende<br />

apareci<strong>da</strong> em; Seelenprobleme der Gegenwart, Psychologische Abhandlungen III (1931)].

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!