Carl Gustav Jung - A Natureza da Psique.pdf - Agricultura Celeste
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faço involuntariamente e sem prestar atenção; to<strong>da</strong>s as coisas futuras que se formam dentro de mim e<br />
somente mais tarde chegarão à consciência; tudo isto são conteúdos do inconsciente. Estes conteúdos são,<br />
por assim dizer, mais ou menos capazes de se tornarem conscientes, ou pelo menos foram conscientes e<br />
no momento imediato podem tornar-se conscientes de novo. Neste sentido, o inconsciente é a fringe of<br />
consciousness [uma franja <strong>da</strong> consciência], como o caracterizou, outrora, William James 65 . As<br />
descobertas de Freud, como já vimos, fazem parte também deste fenômeno marginal que nasce <strong>da</strong><br />
alternância dos períodos de luz e de sombra. Mas, como já dissemos, é preciso também incluir no<br />
inconsciente as funções psicóides capazes de se tornarem conscientes e de cuja existência temos apenas<br />
um conhecimento indireto.<br />
[383] Agora chegamos à questão em que estado se encontram os conteúdos quando não<br />
relacionados com o ego consciente? Esta relação constitui aquilo que podemos chamar de consciência. De<br />
conformi<strong>da</strong>de com o aforismo de Guilherme de Occam: "Entia praeter necessitatem non sunt<br />
multiplican<strong>da</strong>" ["não se deve multiplicar os seres sem necessi<strong>da</strong>de"], a conclusão mais completa seria a<br />
de que, afora a relação com o ego consciente, nenhuma coisa se modifica quando um conteúdo se torna<br />
consciente. Por este motivo, rejeito a opinião de que os conteúdos momentaneamente inconscientes são<br />
apenas fisiológicos. Faltam as provas no sentido de tal afirmação, ao passo que a fisiologia <strong>da</strong>s neuroses<br />
nos proporciona provas convincentes em favor do contrário. Basta pensarmos nos casos de double<br />
personnalité [dupla personali<strong>da</strong>de], automatisme ambulatoire [automatismo ambulativo], etc. Tanto as<br />
descobertas de Janet como as de Freud nos mostram que tudo continua aparentemente a funcionar no<br />
estado inconsciente como se fosse consciente. Há percepção, pensamento, sentimento, volição e intenção,<br />
justamente como se um sujeito estivesse presente. Com efeito, não são poucos os casos, como por ex., os<br />
de double personnalité, acima menciona<strong>da</strong>, onde aparece realmente um segundo ego, competindo com o<br />
primeiro. Tais descobertas parecem demonstrar que o inconsciente é, de fato, uma "sub-consciência".<br />
Mas, de certas experiências — já conheci<strong>da</strong>s por Freud — se deduz claramente que o estado dos<br />
conteúdos inconscientes não é de todo idêntico ao estado consciente. Por exemplo, os complexos afetivos<br />
não mu<strong>da</strong>m no inconsciente <strong>da</strong> mesma maneira que mu<strong>da</strong>m na consciência. Embora possam ser<br />
enriquecidos com associações, eles não são corrigidos, mas conservam sua forma original, como se pode<br />
verificar facilmente pelo seu efeito constante e uniforme sobre a consciência. Assumem também o caráter<br />
compulsivo e ininfluenciável de um automatismo, do qual só podem ser despojados quando se tornam<br />
conscientes. Este procedimento é considerado, e com razão, como um dos mais importantes fatores<br />
terapêuticos. Por último, tais complexos — presumivelmente em proporção com sua distância<br />
relativamente à consciência — assumem, por auto-simplificação, um caráter arcaico e mitológico e,<br />
conseqüentemente, também uma certa numinosi<strong>da</strong>de, como se pode ver, sem dificul<strong>da</strong>de, nas<br />
dissociações esquizofrênicas. Mas a numinosi<strong>da</strong>de situa-se inteiramente fora do âmbito <strong>da</strong> volição, pois<br />
transporta o sujeito para o estado de arrebatamento, numa entrega em que a vontade está inteiramente<br />
ausente.<br />
[384] Estas peculiari<strong>da</strong>des do estado inconsciente contrastam fortemente com a maneira pela qual<br />
os complexos <strong>da</strong> consciência se comportam. Aqui eles podem ser corrigidos, perdem seu caráter<br />
automático e podem ser transformados substancialmente. Despojam-se de seu invólucro mitológico,<br />
personalizam-se e se racionalizam, entrando no processo de a<strong>da</strong>ptação que tem lugar na consciência, e,<br />
65 James fala também de um transmarginal field <strong>da</strong> consciência, e o identifica com a subliminal consciousness de Frederic W. H. Myers, um<br />
dos fun<strong>da</strong>dores <strong>da</strong> British Society for Psychical Research (cf. Proceedings S.P.R., VII, p. 305, e James, Frederic Myers' Service to<br />
Psychology, it>. XLII, maio de 1901). Falando a respeito do field of consciousness, diz James (Varieties, p. 232): "The important fact which<br />
this 'field' formula commemorates is the indetermination of the margin. Inattentively realized as is the matter which the margin contains, it is<br />
nevertheless there, and helps both to guide our behaviour and to determine the next movement of our attention. It lies around us like a<br />
'magnetic field', inside of which our centre of energy turns like a compass-needle, as the present phase of consciousness alters into Its<br />
successor Our whole past store of memories floats beyond this margin, ready at a touch to come in; and the entire mass of residual powers,<br />
impulses, and knowledges that constitute our empirical self stretches continuously beyond it. Só vaguely drawn are the outlines between what<br />
is actual and what is only potential at any moment of our conscious life, that it is always hard to say of certain mental elements whether we<br />
are conscious of them or not". ["O fato importante que lembra a fórmula deste campo é a indeterminação <strong>da</strong> margem. Apesar <strong>da</strong> pouca<br />
atenção com que percebemos o material contido dentro desta margem, ele existe e nos aju<strong>da</strong> ao mesmo tempo a guiar nosso comportamento<br />
e a determinar o próximo movimento de nossa atenção. Ele nos circun<strong>da</strong> como um 'campo magnético' no interior do qual nosso centro de<br />
energia gira como a agulha de uma bússola, à proporção que a fase presente se converte na seguinte. Todo o nosso acervo de recor<strong>da</strong>ções<br />
passa<strong>da</strong>s se transfunde para além desta margem, pronto a invadir o 'campo' do menor toque, e to<strong>da</strong> a massa de forças, impulsos e<br />
conhecimentos residuais que constituem nosso Self empírico se espraia continuamente para além desta margem. Por mais vagas que sejam as<br />
linhas de separação entre o que é real e o que é virtual a qualquer momento de nossa vi<strong>da</strong> consciente, é sempre difícil dizer se temos<br />
consciência ou não de certos elementos mentais"].