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Carl Gustav Jung - A Natureza da Psique.pdf - Agricultura Celeste

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algo mais do que esquemas vazios, como os que se encontram nas coleções vulgares de sonhos ou aqueles<br />

que se desenvolvem quase sempre sob a influência de idéias preconcebi<strong>da</strong>s. Devem-se evitar<br />

interpretações estereotipa<strong>da</strong>s de motivos oníricos; justificam-se apenas as interpretações específicas às<br />

quais se chega pelo exame acurado do contexto. Mesmo quem possui uma grande experiência neste<br />

domínio vê-se sempre obrigado a confessar sua ignorância diante de ca<strong>da</strong> novo sonho e, renunciando a<br />

qualquer idéia preconcebi<strong>da</strong>, a preparar-se para qualquer coisa totalmente inespera<strong>da</strong>.<br />

[544] Por mais que os sonhos se refiram a uma determina<strong>da</strong> atitude <strong>da</strong> consciência do sonhador e a<br />

uma situação psíquica particular, suas raízes mergulham profun<strong>da</strong>mente no subsolo obscuro e<br />

dificilmente conhecível de onde emergem os fenômenos <strong>da</strong> consciência. Por falta de uma expressão mais<br />

precisa, <strong>da</strong>mos a este pano de fundo obscuro o nome de inconsciente. Não conhecemos sua essência em si<br />

mesma, nem é possível observar senão determinados efeitos seus, cuja textura nos permite arriscar certas<br />

conclusões a respeito <strong>da</strong> natureza <strong>da</strong> psique inconsciente. Como o sonho constitui uma expressão<br />

extremamente freqüente e normal <strong>da</strong> psique inconsciente, é ele que nos fornece a maior parte do material<br />

empírico para a exploração do inconsciente.<br />

[545] Como o sentido <strong>da</strong> maior parte dos sonhos não coincide com as tendências <strong>da</strong> consciência,<br />

mas revela divergências singulares, devemos admitir que o inconsciente, a matriz dos sonhos, tem um<br />

funcionamento independente. É o que eu designo por autonomia do inconsciente. Não somente o sonho<br />

não obedece à nossa vontade, mas muitas vezes se opõe, até mesmo muito fortemente, às intenções <strong>da</strong><br />

consciência. Esta oposição, contudo, pode também não ser tão pronuncia<strong>da</strong>. Às vezes o sonho diverge<br />

apenas fracamente <strong>da</strong> atitude ou <strong>da</strong> tendência consciente, e introduz apenas pequenas modificações. Às<br />

vezes há até mesmo casos em que ele pode coincidir ocasionalmente com o conteúdo e a tendência <strong>da</strong><br />

consciência. Para caracterizar, em uma única palavra, este comportamento do sonho, o único conceito<br />

aceitável que me veio ao espírito foi o de compensação, pois que me parece o único em condições de<br />

resumir pertinentemente to<strong>da</strong>s as mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>des de comportamento do sonho. A compensação deve ser<br />

estritamente distingui<strong>da</strong> <strong>da</strong> complementação. O complemento é um conceito muito limitado e muito<br />

limitativo, e por isso não é capaz de explicar, de maneira satisfatória, a função onírica. Com efeito, ele<br />

designa uma relação em que duas ou mais coisas se completam, por assim dizer, forçosamente 180 . A<br />

compensação, pelo contrário, é, como o próprio termo está dizendo, uma confrontação e uma comparação<br />

entre diferentes <strong>da</strong>dos ou diferentes pontos de vista, <strong>da</strong> qual resulta um equilíbrio ou uma retificação.<br />

[546] Nesta perspectiva existem três possibili<strong>da</strong>des. Se a atitude consciente a respeito de uma<br />

situação <strong>da</strong><strong>da</strong> <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> é fortemente unilateral, o sonho adota um partido oposto. Se a consciência guar<strong>da</strong><br />

uma posição que se aproxima mais ou menos do centro, o sonho se contenta em exprimir variantes. Se a<br />

atitude <strong>da</strong> consciência é "correta" (adequa<strong>da</strong>), o sonho coincide com esta atitude e lhe sublinha assim as<br />

tendências, sem, contudo, perder a autonomia que lhe é própria. Como, porém, nunca se sabe, ao certo,<br />

como se deve apreciar a situação consciente de um paciente exclui-se a priori uma análise dos sonhos sem<br />

o interrogatório do sonhador. Mas mesmo conhecendo a situação consciente, nós ignoramos a atitude do<br />

inconsciente. Como este último é não somente a matriz dos sonhos, mas também a matriz dos sintomas<br />

psicógenos, a questão <strong>da</strong> atitude do inconsciente assume uma importância prática muito grande. Mesmo<br />

se julgo (e outros comigo) apropria<strong>da</strong> a minha atitude, o inconsciente pode, por assim dizer, ser "de outra<br />

opinião". Esta contradição é importante — nota<strong>da</strong>mente no caso de uma neurose — porque o inconsciente<br />

é inteiramente capaz de provocar to<strong>da</strong> espécie de distúrbios desagradáveis, através de atos falhos, muitas<br />

vezes plenos de conseqüências, ou sintomas neuróticos. Estas perturbações provêm de um desencontro<br />

entre "consciente" e "inconsciente". Normalmente, deveria haver a harmonia, mas, na reali<strong>da</strong>de, ela<br />

ocorre muito poucas vezes, o que dá origem a uma multidão imprevisível de inconvenientes psicógenos,<br />

que vão de acidentes e doenças graves até os inocentes lapsus linguae. Coube a Freud o mérito de ter<br />

chamado a atenção para estas correlações 181 .<br />

[547] Embora, na imensa maioria dos casos, a compensação tenha por fim estabelecer um<br />

equilíbrio psíquico normal, e se comporte como uma espécie de auto-regulação do sistema psíquico,<br />

contudo, não podemos simplesmente nos contentar com esta verificação, pois a compensação, em certas<br />

condições e em determinados casos (como, por ex., nas psicoses latentes), pode levar a um desenlace fatal<br />

180<br />

Com isto não estamos negando o princípio <strong>da</strong> complementari<strong>da</strong>de. O termo "compensação" indica apenas um refinamento psicológico<br />

desse principio.<br />

181<br />

Cf. Zur Psychopathologie des Alltagslebens [Psicopatologia <strong>da</strong> Vi<strong>da</strong> Diária].

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