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Roma e as sociedades - Núcleo de Estudos da Antiguidade - UERJ

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ARTE, RELIGIÃO E PODER NA ROMA ANTIGA: INOVAÇÕES E CONSERVADORISMO NA REPÚBLICA<br />

TARDIA<br />

Claudia Beltrão <strong>da</strong> Rosa – UNIRIO<br />

Falar em “religião romana” é falar <strong>de</strong> uma v<strong>as</strong>ta categoria, que compreen<strong>de</strong> diferentes elementos e<br />

um enorme número <strong>de</strong> prátic<strong>as</strong>, instituições e crenç<strong>as</strong>. N<strong>as</strong> c<strong>as</strong><strong>as</strong> privad<strong>as</strong>, encontramos pequenos altares<br />

<strong>de</strong>dicados a <strong>de</strong>uses domésticos; nos campos, encontramos santuários remotos <strong>de</strong>dicados a divin<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />

locais; n<strong>as</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s, templos mo<strong>de</strong>stos e templos imponentes que não eram, como os templos e igrej<strong>as</strong><br />

mo<strong>de</strong>rn<strong>as</strong>, locais <strong>de</strong> culto, m<strong>as</strong> residênci<strong>as</strong> terren<strong>as</strong> dos <strong>de</strong>uses, ali presentes em forma <strong>de</strong> estátu<strong>as</strong>.<br />

Encontramos também, em nossa documentação, camponeses sacrificando animais aos <strong>de</strong>uses, magistrados<br />

observando os auspicia, pesso<strong>as</strong> comuns pedindo aos <strong>de</strong>uses a punição <strong>de</strong> seus inimigos. Encontramos<br />

gran<strong>de</strong>s festivais públicos e rituais familiares privados. Tudo isso, e muito mais, era parte <strong>da</strong> religião romana.<br />

Decerto, não po<strong>de</strong>mos <strong>da</strong>r conta <strong>de</strong> todos esses <strong>as</strong>pectos em pouco tempo. Apresentaremos<br />

somente uma seção mínima <strong>de</strong>ste conjunto: a religião “oficial” tradicional <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>Roma</strong>. E, nesta parte<br />

mínima, trataremos <strong>da</strong> atmosfera religiosa <strong>da</strong> urbs e su<strong>as</strong> transformações em fins <strong>da</strong> República. A<br />

<strong>de</strong>limitação se justifica por dois motivos principais: 1) é a única área do sistema religioso romano cuj<strong>as</strong><br />

característic<strong>as</strong> po<strong>de</strong>m ser <strong>de</strong>linead<strong>as</strong> com alguma precisão. Em tod<strong>as</strong> <strong>as</strong> <strong>de</strong>mais áre<strong>as</strong> – rituais privados,<br />

rituais públicos <strong>de</strong> outr<strong>as</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s, etc. – , a documentação literária e arqueológica que nos chegou não nos<br />

permite mais do que suposições genéric<strong>as</strong>, e 2) acreditamos que esta religião “oficial” era um elemento<br />

central e crucial do sistema religioso romano como um todo. Com isso, buscamos entrever um pouco <strong>da</strong><br />

atmosfera religiosa no centro do imenso corpus que foi o Império <strong>Roma</strong>no.<br />

Um dos maiores obstáculos para uma abor<strong>da</strong>gem <strong>da</strong> religião romana, qualquer que seja, radica em<br />

nossos próprios preconceitos em relação às característic<strong>as</strong> e funções dos sistem<strong>as</strong> religiosos em geral. É<br />

muito difícil para uma pessoa n<strong>as</strong>ci<strong>da</strong> numa socie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>termina<strong>da</strong> essencialmente por pressupostos<br />

ju<strong>da</strong>ico-cristãos compreen<strong>de</strong>r o caráter <strong>da</strong> religião romana – ou seja, por crenç<strong>as</strong> <strong>de</strong> que a religião informa a<br />

morali<strong>da</strong><strong>de</strong> priva<strong>da</strong>; que envolve uma relação direta e pessoal entre o crente e a divin<strong>da</strong><strong>de</strong>; que os atos<br />

privados <strong>de</strong> <strong>de</strong>voção são mais importantes do que a observância dos rituais, etc.. É impossível abandonar o<br />

nosso mundo <strong>de</strong> compreensão e ser totalmente objetivo numa abor<strong>da</strong>gem <strong>de</strong> algo que é absolutamente<br />

estranho a nós. No c<strong>as</strong>o d<strong>as</strong> crenç<strong>as</strong> religios<strong>as</strong>, o maior problema talvez seja reconhecer que <strong>as</strong> noss<strong>as</strong><br />

idéi<strong>as</strong> e atitu<strong>de</strong>s são histórica e culturalmente <strong>de</strong>terminad<strong>as</strong>, e não um <strong>da</strong>do natural. Em geral, termos e<br />

crenç<strong>as</strong> religios<strong>as</strong> roman<strong>as</strong> são tratados com b<strong>as</strong>e em nossos termos e crenç<strong>as</strong>, o que leva, invariavelmente,<br />

a uma incompreensão dos primeiros. Diferentes religiões têm diferentes modos <strong>de</strong> expressão e princípios, e o<br />

nosso próprio enquadramento religioso jamais é objetivo, muito menos neutro.<br />

Uma d<strong>as</strong> característic<strong>as</strong> mais visíveis <strong>da</strong> atmosfera religiosa romana era uma abertura às inovações<br />

e ajustes em todos os períodos sobre os quais temos informações. Havia mesmo mecanismos regulares para<br />

facilitar e regular esta abertura. Ao mesmo tempo, o que sabemos sobre <strong>as</strong> atitu<strong>de</strong>s roman<strong>as</strong> nos mostra um<br />

nível muito alto e consciente <strong>de</strong> conservadorismo, que valorizava <strong>as</strong> tradições e o mos maiorum e acreditava<br />

que somente a escrupulosa retenção d<strong>as</strong> prátic<strong>as</strong> e rituais do p<strong>as</strong>sado po<strong>de</strong>ria agra<strong>da</strong>r <strong>de</strong>us<strong>as</strong> e <strong>de</strong>uses.<br />

Uma d<strong>as</strong> soluções <strong>de</strong>ste paradoxo talvez seja perceber que muito do que chamamos <strong>de</strong> inovação não foi<br />

percebido como tal por seus contemporâneos. Vejamos um exemplo: a introdução <strong>de</strong> rituais e divin<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />

nov<strong>as</strong> na urbs e, para tal, vamos recorrer aos Livros Sibilinos.<br />

Os Livros Sibilinos tinham um papel central, m<strong>as</strong> difuso, na história religiosa do povo romano.De<br />

acordo com a tradição, consistiam em um grupo <strong>de</strong> oráculos gregos tidos pelos romanos como um <strong>de</strong> seus<br />

mais sagrados textos. A tradição rezava que uma velha mulher oferecera nove <strong>de</strong>stes livros ao rei Tarqüínio<br />

(1), estipulando seu preço. O rei se recusou a pagar a soma pedi<strong>da</strong>; a mulher, então, <strong>de</strong>struiu três dos livros e<br />

lhe ofereceu os remanescentes pelo mesmo preço. O rei novamente disse não, e ela <strong>de</strong>struiu outros três<br />

livros, oferecendo os três últimos pelo mesmo preço. Neste momento, o rei impressionado pel<strong>as</strong> atitu<strong>de</strong>s <strong>da</strong><br />

mulher, consultou os sacerdotes, que lhe apontaram seu erro. Então, adquiriu os três últimos livros pelo preço<br />

original (2).<br />

Os Livros Sibilinos eram atribuídos à Sibila, uma sábia mulher que recebera sua inspiração <strong>de</strong><br />

Apolo. Eram conhecid<strong>as</strong> vári<strong>as</strong> tradições relativ<strong>as</strong> a divers<strong>as</strong> Sibil<strong>as</strong>, i<strong>de</strong>ntificad<strong>as</strong> por su<strong>as</strong> diferentes<br />

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