Roma e as sociedades - Núcleo de Estudos da Antiguidade - UERJ
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tomando, para si, partes <strong>de</strong> seu corpo, como orelh<strong>as</strong>, nariz, olhos: “Não creio que em nenhum país do mundo<br />
se viva em tanta liber<strong>da</strong><strong>de</strong> como aqui. To<strong>da</strong>via, temo extremamente <strong>as</strong> armadilh<strong>as</strong> invisíveis e inevitáveis <strong>da</strong><br />
ciência mágica. Pois <strong>as</strong> própri<strong>as</strong> sepultur<strong>as</strong> dos mortos não estão segur<strong>as</strong>, dizem, m<strong>as</strong> ali vão roubar, nos<br />
montículos <strong>de</strong> terra, e nos restos d<strong>as</strong> fogueir<strong>as</strong> dos con<strong>de</strong>nados, relíqui<strong>as</strong> tomad<strong>as</strong> dos cadáveres, para a<br />
perdição dos vivos. E no próprio momento d<strong>as</strong> cerimôni<strong>as</strong> fúnebres, velh<strong>as</strong> mágic<strong>as</strong> avançam céleres como<br />
pássaros, sobre aqueles que proce<strong>de</strong>m ao sepultamento.” (...)/“De pé em cima <strong>de</strong> uma pedra, avisava ao<br />
público em voz retumbante que, se alguém queria vigiar um <strong>de</strong>funto, podia <strong>da</strong>r preço... Ignor<strong>as</strong> que te<br />
encontr<strong>as</strong> na Tessália, país on<strong>de</strong> <strong>as</strong> feiticeir<strong>as</strong> têm hábito <strong>de</strong> roubar com os <strong>de</strong>ntes, do rosto dos mortos,<br />
material com que prover su<strong>as</strong> artes mágic<strong>as</strong>” (Ib<strong>de</strong>m. 46 e 47).<br />
A morte continha gran<strong>de</strong> po<strong>de</strong>r por envolver em si inúmeros sentimentos: a dor <strong>de</strong> quem permanece<br />
no mundo dos vivos, pela falta dos mortos, e a dor dos próprios mortos por terem <strong>de</strong>ixado a vi<strong>da</strong>. Assim como<br />
na Grécia e em muit<strong>as</strong> outr<strong>as</strong> cultur<strong>as</strong>, os romanos acreditavam que aquel<strong>as</strong> pesso<strong>as</strong> que tiveram morte<br />
violenta, ou então morreram muito jovens, sem cumprirem sua missão na terra, tornavam-se potênci<strong>as</strong><br />
sobrenaturais, pois continham em si uma profun<strong>da</strong> dor que trazia mi<strong>as</strong>ma à comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>, já que por sua<br />
morte repentina não conseguiam fazer a p<strong>as</strong>sagem para o mundo dos mortos e ficavam a vagar entre os<br />
vivos, alguns exigindo vingança.<br />
Est<strong>as</strong> potênci<strong>as</strong> sobrenaturais eram consi<strong>de</strong>rad<strong>as</strong> alm<strong>as</strong> errantes e eram geralmente crianç<strong>as</strong>,<br />
vítim<strong>as</strong> <strong>de</strong> <strong>as</strong>s<strong>as</strong>sinato, mulheres vítim<strong>as</strong> <strong>de</strong> parto e suicid<strong>as</strong>, que como já fora dito, <strong>de</strong>vido su<strong>as</strong> mortes<br />
precoces não estariam <strong>de</strong> fato preparad<strong>as</strong> para fazer a p<strong>as</strong>sagem para o mundo sobrenatural, tornando-se<br />
por este motivo, vítim<strong>as</strong> perfeit<strong>as</strong> para <strong>as</strong> feiticeir<strong>as</strong>.<br />
Sobre os suicid<strong>as</strong> cabe alertar, uma breve distinção no modo como gregos e romanos os tratavam.<br />
Na Grécia Antiga eram tratados como o pior dos mortos, por terem, com <strong>as</strong> su<strong>as</strong> mortes, ultrajado <strong>as</strong> regr<strong>as</strong><br />
sociais polía<strong>de</strong>s, ausentando-se <strong>de</strong> su<strong>as</strong> obrigações perante a comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> por sua própria vonta<strong>de</strong>. Assim,<br />
estavam con<strong>de</strong>nados a enterros inglórios e a vagarem sem <strong>de</strong>stino após a morte.<br />
Em <strong>Roma</strong>, durante a República, <strong>as</strong> regr<strong>as</strong> acerca do suicídio eram semelhantes às greg<strong>as</strong>, no<br />
entanto, mesmo sendo o suicídio con<strong>de</strong>nado, pois enfraquecia a comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>, havia a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>, para<br />
quem se achava <strong>de</strong>scontente com a vi<strong>da</strong> e não mais queria habitar este mundo, <strong>de</strong> apresentar-se ao senado<br />
e mostrar <strong>as</strong> su<strong>as</strong> razões para cometer tal ato. O senado então analisaria o c<strong>as</strong>o, po<strong>de</strong>ndo vir a conce<strong>de</strong>r, ao<br />
solicitante, o direito ao suicídio. Outra exceção prevista para a aceitação do suicídio era a <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> <strong>Roma</strong> e<br />
a <strong>da</strong> própria honra pessoal e familiar.<br />
Suicid<strong>as</strong>, especificamente, não são mencionados no Asno <strong>de</strong> Ouro, m<strong>as</strong> há um exemplo, na obra,<br />
<strong>de</strong> invocação <strong>de</strong> espíritos errantes, quando a esposa <strong>de</strong> um moleiro, indigna<strong>da</strong> com o marido que lhe pedira o<br />
divórcio, busca propiciar a morte do infeliz através <strong>de</strong> prátic<strong>as</strong> mágic<strong>as</strong>: Voltando-se às su<strong>as</strong> prátic<strong>as</strong> antig<strong>as</strong>,<br />
exercitou-se nos artifícios familiares ao seu sexo... Foi a própria vi<strong>da</strong> do <strong>de</strong>sgraçado que ela ameaçou,<br />
incitando a perdê-lo a sombra <strong>de</strong> uma mulher que perecera <strong>de</strong> morte violenta. /Vesti<strong>da</strong> <strong>de</strong> trapos lamentáveis,<br />
pés nus e sem proteção, estava páli<strong>da</strong> como o bruxo e era <strong>de</strong> horrível magreza. Sua cabeleira grisalha<br />
espalha<strong>da</strong> e suja <strong>de</strong> cinza, caía para frente e lhe escondia a maior parte do rosto. Assim pousou docemente a<br />
mão sobre o moleiro, e a pretexto <strong>de</strong> uma conversa particular, arr<strong>as</strong>tou-o para o quarto <strong>de</strong>le... (Ib<strong>de</strong>m. 186 e<br />
187)<br />
A prática <strong>da</strong> magia para fazer mal ao inimigo era comum na Grécia e chegou a ser muito difundi<strong>da</strong><br />
em <strong>Roma</strong>. Esta prática visava a realização <strong>de</strong> interesses pessoais, tais como a vingança, a exemplo do c<strong>as</strong>o<br />
<strong>da</strong> esposa do moleiro.<br />
Nesta prática utilizava-se uma potência sobrenatural e invocava-se alguma divin<strong>da</strong><strong>de</strong> ctônica, ou<br />
seja, uma divin<strong>da</strong><strong>de</strong> que possuía relação com o mundo dos mortos, tais como Prosérpina, Mercúrio, Orço<br />
(Plutão, Ha<strong>de</strong>s), Cérbero, Caronte, entre outr<strong>as</strong>, por sua capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> potencializar o po<strong>de</strong>r <strong>da</strong> magia e <strong>de</strong><br />
interce<strong>de</strong>r favoravelmente no mundo sobrenatural, por aquele que a elaborava.<br />
A magia para fazer mal ao inimigo era geralmente realiza<strong>da</strong> através <strong>da</strong> inscrição <strong>de</strong> imprecações<br />
em uma lâmina <strong>de</strong> chumbo e também através <strong>da</strong> invocação do <strong>de</strong>us e <strong>da</strong> potência sobrenatural. A lâmina<br />
então era dobra<strong>da</strong> e podia ser atravessa<strong>da</strong> por cravos para maximizar o <strong>da</strong>no. Logo em segui<strong>da</strong> a lâmina<br />
<strong>de</strong>veria ser coloca<strong>da</strong> em fend<strong>as</strong> n<strong>as</strong> pare<strong>de</strong>s <strong>de</strong> templos ou <strong>da</strong> c<strong>as</strong>a <strong>da</strong> pessoa a ser impreca<strong>da</strong>, ou até<br />
mesmo <strong>de</strong>positad<strong>as</strong> em rios ou na própria sepultura on<strong>de</strong> jazia o corpo <strong>da</strong> potência sobrenatural.<br />
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