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Roma e as sociedades - Núcleo de Estudos da Antiguidade - UERJ

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em ca<strong>da</strong> livro, Varrão <strong>as</strong>socia os escravos a categori<strong>as</strong> inferiores aos Homens. Ess<strong>as</strong> cl<strong>as</strong>sificações são<br />

conseqüênci<strong>as</strong> <strong>da</strong> tentativa <strong>de</strong> <strong>de</strong>sumanizar os escravos, recorrente em to<strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> escravista. São ao<br />

mesmo tempo uma estratégia <strong>de</strong> distinção social entre livres e escravos e <strong>de</strong> justificativa <strong>da</strong> própria<br />

escravidão. Porém, a humani<strong>da</strong><strong>de</strong> do escravo é uma reali<strong>da</strong><strong>de</strong> que se impõe aos seus proprietários, seja<br />

negativamente quando <strong>da</strong> resistência escrava, seja positivamente quando este se mostra um instrumento<br />

mais produtivo que qualquer outro. Este ponto que ressalto no tratamento <strong>da</strong>do aos escravos no texto<br />

varroniano, a ambigüi<strong>da</strong><strong>de</strong>, já foi aponta<strong>da</strong> por Moses Finley como a principal característica do Escravismo.<br />

Pouc<strong>as</strong> linh<strong>as</strong> após tratar os escravos como instrumentos Varrão afirma que os “Escravos não <strong>de</strong>vem ser<br />

covar<strong>de</strong>s nem corajosos”, provavelmente, por que um escravo muito corajoso seria perigoso e um covar<strong>de</strong>,<br />

inútil. Assim, ao mesmo tempo que tenta <strong>de</strong>sumanizar os escravos, Varrão precisa li<strong>da</strong>r com o fato <strong>de</strong> que<br />

estes são humanos.<br />

E esta consi<strong>de</strong>ração é bem clara quando pensamos n<strong>as</strong> questões relativ<strong>as</strong> às estratégi<strong>as</strong> <strong>de</strong><br />

controle dos escravos. Pretendo a partir <strong>de</strong> agora aprofun<strong>da</strong>r-me neste ponto específico na minha<br />

comunicação. A última citação que fiz abre uma lista <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rações que <strong>de</strong> alguma maneira se relacionam<br />

a tal questão: Os escravos não <strong>de</strong>vem ser covar<strong>de</strong>s nem corajosos. Eles <strong>de</strong>vem ter homens acima <strong>de</strong>les<br />

capazes <strong>de</strong> ler e escrever e que tenham mais educação, que sejam mais confiáveis e velhos que aqueles<br />

trabalhadores que mencionei; pois eles serão mais respeitáveis com estes do que com aqueles mais novos<br />

que eles. Também é especialmente importante que o vilicus seja experiente n<strong>as</strong> cois<strong>as</strong> do campo; ele não<br />

po<strong>de</strong> apen<strong>as</strong> <strong>da</strong>r or<strong>de</strong>ns, precisa tomar parte do trabalho para que seus subordinados sigam o seu exemplo e<br />

vejam que há bons motivos para estarem submetidos a ele – o fato <strong>de</strong> ele ser superior em conhecimento.<br />

Eles não <strong>de</strong>vem tratá-los com o chicote se com <strong>as</strong> palavr<strong>as</strong> pu<strong>de</strong>r alcançar o mesmo objetivo. Ter muitos<br />

escravos <strong>da</strong> mesma nação é fonte <strong>de</strong> problem<strong>as</strong> domésticos. O vilicus <strong>de</strong>ve ser feto mais zeloso através <strong>de</strong><br />

recompens<strong>as</strong>, e <strong>de</strong>ve ter um pe<strong>da</strong>ço <strong>de</strong> terra e sua esposa <strong>de</strong>ve lhe <strong>da</strong>r filhos. Desta maneira se tornará mais<br />

mo<strong>de</strong>rado e preso a terra. A boa vonta<strong>de</strong> do vilicus <strong>de</strong>ve ser conquista<strong>da</strong> através <strong>de</strong> um tratamento<br />

respeitoso; eles <strong>de</strong>vem ser consultados sobre o trabalho a ser feito. Quando isto é feito eles pensam que<br />

possuem a estima do senhor. Eles se tornam mais interessados no seu trabalho por um tratamento mais<br />

liberal com relação à comi<strong>da</strong>, mais roup<strong>as</strong>, isenção <strong>de</strong> trabalho ou permissão para ter gado em su<strong>as</strong> própri<strong>as</strong><br />

terr<strong>as</strong>, ou outr<strong>as</strong> cois<strong>as</strong> do tipo; se alguma ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> árdua for imposta ou alguma punição, sua leal<strong>da</strong><strong>de</strong> e<br />

benevolência serão restaurad<strong>as</strong> pelo consolo <strong>de</strong>rivado <strong>de</strong>ss<strong>as</strong> medid<strong>as</strong>.<br />

Diversos pontos saltam aos olhos neste trecho. Comecemos com uma questão importante: qual a<br />

temática do trecho? Não é sem motivo que a consi<strong>de</strong>ração sobre os escravos <strong>de</strong> uma mesma nação serem<br />

fonte <strong>de</strong> problema está lado a lado sobre <strong>as</strong> consi<strong>de</strong>rações sobre qual o tipo <strong>de</strong> autori<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>ve ser imposta<br />

aos escravos e sobre como estes escravos <strong>de</strong>vem ser tratados. Na minha opinião, todos estes conselhos<br />

estão relacionados a form<strong>as</strong> <strong>de</strong> evitar “problem<strong>as</strong> domésticos”, não só o conselho sobre escravos <strong>de</strong> mesma<br />

nação.<br />

Tal hipótese ganha força se pensarmos que Varrão vivenciou na sua juventu<strong>de</strong> <strong>as</strong> maiores<br />

rebeliões escrav<strong>as</strong> já vist<strong>as</strong> no mundo romano (e na História Universal, só superad<strong>as</strong> pela Revolução<br />

Haitiana). Além d<strong>as</strong> três gran<strong>de</strong>s revolt<strong>as</strong> (<strong>as</strong> du<strong>as</strong> sicilian<strong>as</strong> e a li<strong>de</strong>ra<strong>da</strong> por Espártaco), diversos outros<br />

episódios <strong>de</strong> insubordinação escrava sacudiram a Itália no século II a.C. e início do século I a.C. É razoável<br />

acreditar que um tratado <strong>de</strong>dicado às cois<strong>as</strong> do campo tivesse a preocupação com tais levantes em seu<br />

horizonte. Dessa forma, Varrão <strong>de</strong>saconselha gran<strong>de</strong>s concentrações <strong>de</strong> escravos <strong>de</strong> mesma origem <strong>as</strong>sim<br />

como apresenta uma noção <strong>de</strong> autori<strong>da</strong><strong>de</strong> sobre o escravo b<strong>as</strong>tante preocupa<strong>da</strong> com a legitimi<strong>da</strong><strong>de</strong> perante<br />

estes, no lugar <strong>de</strong> uma dominação mais b<strong>as</strong>ea<strong>da</strong> na coerção. Cabe lembrar aqui que tanto Apiano como<br />

Plutarco apontam como principal causa dos levantes escravos o mau tratamento dispensado pelos senhores.<br />

Não quero com isso, <strong>de</strong> maneira alguma, afirmar que essa foi a causa única dos levantes e que na Villa<br />

i<strong>de</strong>aliza<strong>da</strong> por Varrão não havia maus tratos e, portanto, não havia resistência escrava (voltarei a este ponto),<br />

o que quero dizer é: havia, <strong>de</strong> certa maneira, uma opinião entre a cl<strong>as</strong>se proprietária romana <strong>de</strong> que maus<br />

tratos levavam a episódios <strong>de</strong> insubordinação, e que era necessário evitá-los através <strong>de</strong> cert<strong>as</strong> estratégi<strong>as</strong>. O<br />

trecho acima do Rerum Rusticarum esta recheados <strong>de</strong> exemplos <strong>de</strong>st<strong>as</strong> estratégi<strong>as</strong>.<br />

A concessão <strong>de</strong> certos benefícios é vista como um meio <strong>de</strong> compensar atitu<strong>de</strong>s mais dur<strong>as</strong> contra o<br />

escravo. Esta estratégia volta a surgir no capítulo <strong>de</strong>zenove <strong>de</strong>ste mesmo livro primeiro, <strong>de</strong>dicado aos<br />

instrumentos semi-vocais, quando há menção aos animais sob pecúlio dos escravos, que “facilitam seu<br />

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