Roma e as sociedades - Núcleo de Estudos da Antiguidade - UERJ
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A ESCRAVIDÃO RURAL ROMANA NO RERUM RUSTICARUM DE VARRÃO<br />
José Ernesto Moura Knust<br />
Esta comunicação difere <strong>da</strong> maior parte d<strong>as</strong> comunicações a serem apresentad<strong>as</strong> neste encontro,<br />
pois não se trata do relato <strong>de</strong> conclusões – mesmo que parciais – <strong>de</strong> uma pesquisa. Ela é qu<strong>as</strong>e uma carta<br />
<strong>de</strong> intenções. Estou numa f<strong>as</strong>e completamente inicial <strong>da</strong> pesquisa e pretendo apresentar aos meus coleg<strong>as</strong><br />
hoje princípios que consi<strong>de</strong>ro fun<strong>da</strong>mentais para a análise <strong>da</strong> Escravidão Rural <strong>Roma</strong>na no Rerum<br />
Rusticarum <strong>de</strong> Varrão e minh<strong>as</strong> primeir<strong>as</strong> impressões dos meus primeiros mergulhos no mar revolto que é a<br />
análise <strong>de</strong>sta obra.<br />
Por volta do ano <strong>de</strong> 36 a.C., o “mais erudito dos <strong>Roma</strong>nos”, segundo Quintiliano, resolveu <strong>de</strong>dicar a<br />
sua esposa um tratado sobre <strong>as</strong> cois<strong>as</strong> do campo. O fazia para permitir que esta tivesse seus conselhos<br />
disponíveis mesmo <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> sua morte, po<strong>de</strong>ndo <strong>as</strong>sim tornar uma terra produtiva através do bom cultivo. E<br />
<strong>as</strong>sim surgiu o Rerum Rusticarum <strong>de</strong> Marcos Terêncio Varrão.<br />
Varrão n<strong>as</strong>ceu na ci<strong>da</strong><strong>de</strong> Sabina <strong>de</strong> Reate em 116 a.C., <strong>de</strong>dicando-se <strong>de</strong>s<strong>de</strong> cedo ao estudo <strong>de</strong><br />
literatura e antigui<strong>da</strong><strong>de</strong>s, primeiro em <strong>Roma</strong> sendo discípulo <strong>de</strong> Lucio Élio Stilo e <strong>de</strong>pois em Aten<strong>as</strong> sob<br />
orientação <strong>de</strong> Antíoco <strong>de</strong> Ascalon. A erudição se tornava nesta época uma importante forma <strong>de</strong> <strong>as</strong>censão<br />
social d<strong>as</strong> elites italian<strong>as</strong> <strong>de</strong>ntro do sistema político romano, fenômeno cujo maior exemplo é Cícero. Dentro<br />
d<strong>as</strong> disput<strong>as</strong> intern<strong>as</strong> que consumiam a República <strong>Roma</strong>na no século I a.C, Varrão se aliou à facção <strong>de</strong><br />
Pompeu, tendo ocupado importantes magistratur<strong>as</strong>, como Tribuno e Pretor. Com a morte <strong>de</strong> Pompeu, Varrão<br />
acabou perdoado por César, que o queria como Diretor <strong>da</strong> Biblioteca Pública que planejava criar em <strong>Roma</strong>.<br />
Porém, Varrão voltou a ter problem<strong>as</strong> com a morte do Ditador, sendo perseguido por Marco Antonio. Incluso<br />
na lista <strong>de</strong> proscritos, Varrão só conseguiu salvar sua vi<strong>da</strong> graç<strong>as</strong> à intervenção <strong>de</strong> Otávio, p<strong>as</strong>sando seus<br />
últimos anos fora <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> política, <strong>de</strong>dicando-se ao estudo e a su<strong>as</strong> obr<strong>as</strong>.<br />
Estima-se que sua produção tenha ultrap<strong>as</strong>sado <strong>as</strong> 620 obr<strong>as</strong>, versando sobre os mais diversos<br />
campos, como agricultura, gramática, história, entre outros. Porém, chegaram até nós apen<strong>as</strong> algum<strong>as</strong> <strong>de</strong>l<strong>as</strong>,<br />
e nem sempre <strong>de</strong> forma completa: os livros V a X <strong>de</strong> seu tratado gramático De língua Latina, cerca <strong>de</strong> 600<br />
fragmentos <strong>de</strong> su<strong>as</strong> Satirae Menippeae e os três livros do Rerum Rusticarum.(1)<br />
Os três livros são escritos em forma <strong>de</strong> diálogos, sendo que o primeiro <strong>de</strong>stes Varrão <strong>de</strong>dica à<br />
agricultura, o segundo ao p<strong>as</strong>toreio e o terceiro ao que o autor chama <strong>de</strong> P<strong>as</strong>tio Villatica, isto é, a criação <strong>de</strong><br />
animais <strong>de</strong>ntro <strong>da</strong> própria Villa, como avicultura, piscicultura entre outr<strong>as</strong> cois<strong>as</strong>. No livro <strong>de</strong>dicado à<br />
agricultura, o diálogo varroniano é dominado pela figura <strong>de</strong> Gnao Tremélio Scrofa, que aparece como o<br />
gran<strong>de</strong> encarregado <strong>de</strong> discursar sobre o tema. Nos outros dois livros, os personagens se revezam no<br />
controle do diálogo, ca<strong>da</strong> um sendo encarregado <strong>de</strong> dissertar sobre um subtema específico que fosse <strong>de</strong> seu<br />
conhecimento.<br />
Neste primeiro momento <strong>da</strong> minha pesquisa, no qual se insere essa comunicação, me <strong>de</strong>terei<br />
apen<strong>as</strong> nos dois primeiros livros, principalmente, por uma questão <strong>de</strong> tempo, no primeiro, pois o terceiro não<br />
possui trechos específicos sobre a escravidão consi<strong>de</strong>ráveis, enquanto os dois primeiros livros possuem<br />
capítulos específicos sobre os escravos.<br />
No livro I, através <strong>da</strong> boca <strong>de</strong> Scrofa, Varrão enumera os conhecimentos necessários à Agricultura:<br />
o conhecimento do solo, o conhecimento dos equipamentos a serem utilizados, o conhecimento d<strong>as</strong> ações a<br />
serem realizad<strong>as</strong>, e o conhecimento <strong>da</strong> época apropria<strong>da</strong> a ca<strong>da</strong> ação. Nesta divisão, consi<strong>de</strong>ra os escravos<br />
<strong>de</strong>ntro do grupo dos instrumentos, na p<strong>as</strong>sagem provavelmente mais famosa do livro: Agora discutiremos os<br />
instrumentos por meio dos quais a terra é trabalha<strong>da</strong>. Alguns divi<strong>de</strong>m em du<strong>as</strong> partes: os homens, e <strong>as</strong><br />
ferrament<strong>as</strong> dos homens, sem <strong>as</strong> quais eles não po<strong>de</strong>m trabalhar a terra; outros divi<strong>de</strong>m em três: os<br />
instrumentos vocais, os instrumentos semi-vocais e os instrumentos mudos. (Re.Rus.1.17.1)<br />
Novamente através <strong>de</strong> Scrofa, Varrão divi<strong>de</strong> a ciência do p<strong>as</strong>toreio, no livro II, na análise <strong>de</strong> três<br />
grupos <strong>de</strong> três animais: os <strong>de</strong> pequeno porte (ovelh<strong>as</strong>, cabr<strong>as</strong> e suínos), os <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> porte (bovinos, <strong>as</strong>nos<br />
e cavalos) e <strong>da</strong>queles que não se tira proveito em si, m<strong>as</strong> sim <strong>de</strong> sua utilização sobre os dois outros grupos<br />
(mul<strong>as</strong>, cães e p<strong>as</strong>tores). De instrumentos falantes os escravos se tornam animais. De maneir<strong>as</strong> diferentes<br />
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