05.11.2012 Views

Roma e as sociedades - Núcleo de Estudos da Antiguidade - UERJ

Roma e as sociedades - Núcleo de Estudos da Antiguidade - UERJ

Roma e as sociedades - Núcleo de Estudos da Antiguidade - UERJ

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

crença na existência dos <strong>de</strong>uses. A ci<strong>da</strong><strong>de</strong> permanecerá fiel à evidência dos <strong>de</strong>uses e aos ritmos <strong>de</strong> uma<br />

liturgia <strong>de</strong> sacrifícios e fest<strong>as</strong>. Só a quali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> ci<strong>da</strong>dãos abria caminho dos altares, reciprocamente, era a<br />

prática regular dos sacrifícios que nutria o exercício cotidiano <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia (1990:207).<br />

Retomando <strong>as</strong> palavr<strong>as</strong> <strong>de</strong> Paul Veyne - entre a cultura e a crença, há que escolher”, consi<strong>de</strong>ro<br />

muito profícuo <strong>as</strong> construções narrativ<strong>as</strong> entre dois adversários filósofos, que apresentaram uma discussão<br />

em torno d<strong>as</strong> prátic<strong>as</strong> religios<strong>as</strong> politeíst<strong>as</strong> e monoteíst<strong>as</strong>, nos séculos II e III a.C., Celso e Orígenes,<br />

respectivamente. Na minha opinião <strong>as</strong> argumentações postulad<strong>as</strong> por esses dois eruditos do saber filosófico,<br />

<strong>de</strong>ixam claro a especulação entre cultura e crença no mundo antigo, como dois campos suscetíveis <strong>de</strong><br />

escolh<strong>as</strong>, e me pergunto conciliáveis ou não? Aqui pensamos, particularmente n<strong>as</strong> questões <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m <strong>da</strong><br />

experiência cultural, tradição, senso comum, religião e seus componentes simbólicos, também em habitus,<br />

como disposições duradour<strong>as</strong> que se vieram formar na experiência prática <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> social e que se<br />

apresentam como <strong>de</strong>terminações estruturad<strong>as</strong> (BOURDIEU, 1992: XL). Devemos estar atentos aos pontos <strong>de</strong><br />

vista particulares (multiplici<strong>da</strong><strong>de</strong>) que actores sociais possuem do espaço a partir <strong>da</strong> posição que nele<br />

ocupam e <strong>da</strong> atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> conservação ou <strong>de</strong> transformação que <strong>as</strong>sumem nos seus confrontos.<br />

Celso(2), filósofo inserido na cultura politeísta, n<strong>as</strong> últim<strong>as</strong> décad<strong>as</strong> do século II d.C., <strong>de</strong>monstrava<br />

conhecimento <strong>de</strong> distint<strong>as</strong> religiões e escrevia sobre a existência dos <strong>de</strong>uses, construindo a sua interpretação<br />

a respeito <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>les. Celso afirmava que a varie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> culto e <strong>de</strong> <strong>de</strong>uses, correspondia às<br />

diferentes cultur<strong>as</strong>, povos, etni<strong>as</strong>, que existiam no mundo antigo, e admitia a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> coexistência<br />

pacífica entre diferentes <strong>de</strong>i<strong>da</strong><strong>de</strong>s, sob a regência <strong>de</strong> um “príncipe” que gui<strong>as</strong>se <strong>as</strong> ações que<br />

empreen<strong>de</strong>ssem.<br />

Celso <strong>de</strong>ixava claro sua crença na existência <strong>de</strong> um <strong>de</strong>us máximo, auxiliado por outr<strong>as</strong> forç<strong>as</strong><br />

sobrenaturais, cabendo a est<strong>as</strong> ren<strong>de</strong>r-lhe culto e honr<strong>as</strong>, a quem todos pertencem (Contra Celso, VIII).<br />

Celso continua sua explanação ressaltando que tudo quanto há no universo, seja obra <strong>de</strong> um <strong>de</strong>us, <strong>de</strong> anjos,<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>mônios ou heróis, todos recebem a lei do <strong>de</strong>us máximo. Vernant observa o seguinte: o que faz <strong>de</strong> uma<br />

potência uma divin<strong>da</strong><strong>de</strong> é que ela reúne sob sua autori<strong>da</strong><strong>de</strong>, uma plurali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> efeitos (1992). Na<br />

percepção <strong>de</strong> mundo entre os politeíst<strong>as</strong>, aos <strong>de</strong>mônios/<strong>de</strong>uses (forç<strong>as</strong> invisíveis, anônim<strong>as</strong>, que se<br />

diversificam) tem cabido a administração d<strong>as</strong> cois<strong>as</strong> <strong>da</strong> terra e pagar-lhes primíci<strong>as</strong> e votos, praticar a<br />

pie<strong>da</strong><strong>de</strong> (seja ao sol ou a Atena), significa tê-los benévolos, e evitar causar-lhes <strong>da</strong>no ou ofensa; roga-se<br />

aos <strong>de</strong>uses que sejam propícios aos homens. Guar<strong>da</strong>r com diligência <strong>as</strong> leis prescrit<strong>as</strong> na ci<strong>da</strong><strong>de</strong>, observar<br />

oráculos, reconhecer a providência evoca<strong>da</strong> pelo genius <strong>de</strong> Augusto e pelo culto imperial, guiar-se por eles,<br />

eram prátic<strong>as</strong> comuns que regiam <strong>as</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s, que consagravam a or<strong>de</strong>m coletiva.<br />

“M<strong>as</strong> se nos man<strong>da</strong> bendizer ao sol ou a Atena, entoando com maior fervor um formoso hino, tanto<br />

mais parecerá, sem dúvi<strong>da</strong>, que honres ao gran<strong>de</strong> Deus quanto mais cantes a estes. Por que a pie<strong>da</strong><strong>de</strong>, ao<br />

repartir-se por todos, resulta mais perfeita” (Contra Celso,VIII-66).<br />

Celso também repudiava aqueles que contrariavam a tradição, citando exemplo <strong>de</strong> ju<strong>de</strong>us que<br />

teriam rejeitado a cultura egípcia, tendo lá convivido por um bom tempo, ou sendo <strong>de</strong>la proveniente. Para<br />

Celso todos os homens viviam segundo seus costumes tradicionais, a religião <strong>de</strong> sua família e pátria. Do<br />

mesmo modo, não via diferença em chamar <strong>de</strong>us <strong>de</strong> Zeus, Ísis, Serapis, Adonai, Amon, Altíssimo, pois eram<br />

apen<strong>as</strong> expressões em língu<strong>as</strong> diferenciad<strong>as</strong> para os mesmos <strong>de</strong>uses. Ain<strong>da</strong> mais, se duvid<strong>as</strong>sem <strong>de</strong> quem<br />

realmente eram.<br />

Concluímos neste ponto que Celso, tenta buscar uma conciliação entre cultura e crença, e mesmo<br />

que esta já não fosse tão <strong>de</strong>terminante, pelo menos <strong>de</strong>veria observar <strong>as</strong> prátic<strong>as</strong> culturais (a ver<strong>da</strong><strong>de</strong> nos<br />

costumes ancestrais), como que cham<strong>as</strong>se, ou apel<strong>as</strong>se aos cristãos para a sua inserção nos quadros <strong>da</strong><br />

ci<strong>da</strong><strong>de</strong>, fun<strong>da</strong>mental para atrair a pax <strong>de</strong>orum, para integrar-se a civili<strong>da</strong><strong>de</strong> e partilhar com o império <strong>as</strong> su<strong>as</strong><br />

conquist<strong>as</strong> (Contra Celso, III).<br />

Sissa e Detienne afirmam que “a reflexão dos gregos abre a via às polêmic<strong>as</strong> dos padres <strong>da</strong> Igreja”<br />

(1990). Orígenes, <strong>as</strong>sim como alguns cristãos, dos séculos IIº e IIIº, <strong>de</strong>ram prosseguimento a algum<strong>as</strong><br />

discussões, pel<strong>as</strong> quais <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>riam o distanciamento d<strong>as</strong> prátic<strong>as</strong> tradicionais <strong>de</strong> há tempos arraigad<strong>as</strong><br />

entre os povos, engendrando um “refazer”, nov<strong>as</strong> experiênci<strong>as</strong>, que no proselitismo cristão se traduzia no<br />

cumprimento <strong>de</strong> uma nova lei, a <strong>da</strong> natureza escrita nos corações dos homens, e não <strong>as</strong> leis que regiam <strong>as</strong><br />

comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>s d<strong>as</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s. Orígenes fazia contraponto às prátic<strong>as</strong> sociais antig<strong>as</strong> que regiam o tempo e a<br />

vi<strong>da</strong> dos homens, fest<strong>as</strong>, cerimoniais, ritos, e seus significados religiosos.<br />

94

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!