Roma e as sociedades - Núcleo de Estudos da Antiguidade - UERJ
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localizações geográfic<strong>as</strong> por todo o Mediterrâneo, e mesmo no Oriente. Supunha-se que os Livros romanos<br />
eram provenientes <strong>da</strong> Sibila itálica, que supostamente os <strong>de</strong>positara numa caverna em Cumae. Tanto os<br />
romanos como os etruscos do século VI AC mantinham estreitos contatos com os gregos que viviam na<br />
Campânia e no Sul <strong>da</strong> Itália, logo não seria impossível a chega<strong>da</strong> <strong>de</strong> textos proféticos gregos nesta época.<br />
Menos verossímil é a conexão dos textos com a Sibila <strong>de</strong> Cumae, que não é nomea<strong>da</strong> n<strong>as</strong> versões que<br />
chegaram até nós, Não sabemos ao certo nem mesmo se os textos eram escritos em grego. É significativo,<br />
porém, que estes textos se relacionem com a mítica tradição <strong>de</strong> Tarqüínio, um rei a quem se atribuía uma<br />
origem grega, <strong>de</strong> Corinto, e não a Rômulo ou a Numa (3).<br />
Lembramos aqui que os romanos tinham um colégio especial <strong>de</strong> sacerdotes, <strong>de</strong>nominado “os dois<br />
homens para os sacrifícios” (duoviri sacris faciundis, mais tar<strong>de</strong> aumentados para quinze), responsável por<br />
aconselhar o Senado sobre o conteúdo dos Livros, em c<strong>as</strong>o <strong>de</strong> prodígios ou <strong>de</strong>s<strong>as</strong>tres. De um modo geral,<br />
este colégio parecia ser responsável pelo controle dos cultos <strong>de</strong> origem estrangeira na vi<strong>da</strong> religiosa romana.<br />
Sob o Império, encontramos alguns documentos que mostram que se <strong>de</strong>dicavam a este controle, entre<br />
comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> ci<strong>da</strong>dãos romanos em outr<strong>as</strong> partes <strong>da</strong> Itália: Os quin<strong>de</strong>cimviri sacris faciundi saú<strong>da</strong>m os<br />
pretores e <strong>de</strong>mais magistrados <strong>de</strong> Cumae. Ouvimos <strong>de</strong> sua carta que vocês nomearam Licínio Segundo<br />
sacerdote <strong>da</strong> Mãe dos Deuses em lugar <strong>de</strong> Cláudio Restituto. A seu pedido, o autorizamos a portar o escudo<br />
e a coroa, m<strong>as</strong> somente em sua colônia (ILS 4175) (4).<br />
O controle sobre os cultos estrangeiros é atestado <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a República arcaica, e estava<br />
evi<strong>de</strong>ntemente <strong>as</strong>sociado ao controle dos Livros Gregos. De fato, os romanos tinham cultos que eram<br />
celebrados por meio do que chamavam “rito grego” (Graeco ritu); cuja particulari<strong>da</strong><strong>de</strong> mais óbvia era a <strong>de</strong> que<br />
o condutor do sacrifício o fazia com a cabeça <strong>de</strong>scoberta, enquanto que o “rito romano” exigia a toga sobre a<br />
cabeça. Discute-se muito o modo como se caracterizavam, se distinguiam e se originavam esses dois tipos<br />
<strong>de</strong> rituais, m<strong>as</strong>, para nossos propósitos nesta apresentação, o mais importante é notar que era característica<br />
dos romanos preservarem cui<strong>da</strong>dosamente <strong>as</strong> diferentes cerimôni<strong>as</strong> e viam alguns rituais como nativos e<br />
outros como estrangeiros, m<strong>as</strong> todos eram consi<strong>de</strong>rados parte integrante <strong>de</strong> su<strong>as</strong> própri<strong>as</strong> tradições. Muitos<br />
dos cultos nos quais o rito grego era usado foram introduzidos pelos Livros Sibilinos, sob a recomen<strong>da</strong>ção do<br />
colégio. Os exemplos mais notáveis são: Ceres, Líber e Libera (496 AC), Esculápio (293 AC) e Vênus <strong>de</strong> Eryx<br />
(217 AC), que tinham estreit<strong>as</strong> conexões com cultos gregos <strong>de</strong> diferentes regiões.<br />
Os Livros Sibilinos não eram o único medium pelo qual est<strong>as</strong> mu<strong>da</strong>nç<strong>as</strong>, modificações e adições<br />
foram feit<strong>as</strong> na religião romana. Era possível, por exemplo, a um general prometer um templo a uma nova<br />
divin<strong>da</strong><strong>de</strong> no curso <strong>de</strong> seu comando. Se ele fosse vitorioso, em seu retorno precisaria do apoio dos<br />
sacerdotes, do senado e do povo, nos comitia, para cumprir com sua promessa, e sabemos que muitos<br />
templos foram construídos <strong>de</strong>ssa forma. Uma inovação famosa no curso <strong>da</strong> guerra contra Aníbal – a<br />
introdução do culto <strong>da</strong> Magna Mater em <strong>Roma</strong> – veio <strong>de</strong> um texto profético – explicitamente fora <strong>da</strong> coleção<br />
sibilina – um texto <strong>de</strong> origem aparentemente local, escrito em latim e <strong>de</strong>scoberto quando os textos proféticos<br />
foram confiscados pelos magistrados, como uma medi<strong>da</strong> <strong>de</strong> controle. Alguns extratos <strong>de</strong>le estão preservad<strong>as</strong><br />
em Tito Lívio (25.23.1-13). Em muitos c<strong>as</strong>os, simplesmente não temos informação, ou não temos informações<br />
confiáveis, sobre os procedimentos e a origem d<strong>as</strong> invocações.<br />
Em relação às influênci<strong>as</strong> estrangeir<strong>as</strong>, em geral <strong>as</strong> interpretações p<strong>as</strong>sad<strong>as</strong> sofriam <strong>de</strong> uma<br />
espécie <strong>de</strong> “vesgueira” anacrônica. Uma opinião muita arraiga<strong>da</strong> sobre o caráter <strong>da</strong> religião romana, mesmo<br />
após ter se tornado objeto <strong>de</strong> um estudo específico no século XIX, era a <strong>de</strong> que, na República tardia, houve<br />
um profundo <strong>de</strong>clínio <strong>da</strong> religião romana, poluí<strong>da</strong> por cultos e rituais estrangeiros, que se viu reduzi<strong>da</strong> a um<br />
certo número <strong>de</strong> rituais e procedimentos mantidos para a conveniência dos agentes políticos. A religião<br />
romana, contudo, era essencialmente uma religião “pública” e estava profun<strong>da</strong>mente envolvi<strong>da</strong> na vi<strong>da</strong><br />
política romana em todos os períodos. Deuses, <strong>de</strong>us<strong>as</strong> e rituais estavam intimamente ligados a tod<strong>as</strong> <strong>as</strong><br />
ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> guerra e paz e os interesses divinos se voltavam à promoção do sucesso <strong>de</strong> <strong>Roma</strong>, tendo um<br />
papel ativo neste, em cooperação com os seres humanos. De certo modo, <strong>as</strong> <strong>de</strong>i<strong>da</strong><strong>de</strong>s roman<strong>as</strong> estavam<br />
sempre presentes, não somente como estátu<strong>as</strong> em seus templos, m<strong>as</strong> n<strong>as</strong> ru<strong>as</strong>, nos Jogos, n<strong>as</strong> oc<strong>as</strong>iões<br />
públic<strong>as</strong>, nos eventos especiais. Neste sentido, eram ci<strong>da</strong>dãos pertencentes à ci<strong>da</strong><strong>de</strong>, participando <strong>de</strong> seus<br />
triunfos, <strong>de</strong>rrot<strong>as</strong> e <strong>de</strong> seus rituais. Certamente, tod<strong>as</strong> <strong>as</strong> ações importantes do Estado envolviam consult<strong>as</strong><br />
repetid<strong>as</strong> às divin<strong>da</strong><strong>de</strong>s, tanto em forma <strong>de</strong> auspícios como <strong>de</strong> sacrifícios; uma vitória era celebra<strong>da</strong> por uma<br />
procissão, o triunfo, no qual o exército e seu general <strong>de</strong>sfilavam pela ci<strong>da</strong><strong>de</strong> para sacrificar a Júpiter no<br />
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