Roma e as sociedades - Núcleo de Estudos da Antiguidade - UERJ
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sucessos obtidos durante su<strong>as</strong> exposições n<strong>as</strong> aren<strong>as</strong>, construía para si uma imagem com um forte apelo,<br />
principalmente entre <strong>as</strong> mulheres, que era amplamente difundi<strong>da</strong> até mesmo fora dos limites <strong>da</strong> arena.(11)<br />
Trata-se, portanto, <strong>da</strong> “arte do fraco [o gladiador], diante <strong>da</strong> estratégia do mais forte [os valores e i<strong>de</strong>ais<br />
romanos], sem que, no entanto, essa interação se <strong>de</strong>sse pela via <strong>da</strong> resistência violenta.”(12) Tal constatação<br />
nos conduz a outra categoria <strong>de</strong>senvolvi<strong>da</strong> por Certeau: a bricolage, que é <strong>de</strong>fini<strong>da</strong> como a apropriação, <strong>de</strong><br />
forma <strong>as</strong>tuciosa, dispersa, insinuante, silenciosa e qu<strong>as</strong>e imperceptível, d<strong>as</strong> insígni<strong>as</strong> e dos valores <strong>de</strong> um<br />
ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro herói.<br />
Outra possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> ganha espaço ao nos questionarmos o valor social e/ou moral <strong>da</strong>do ao jogador<br />
<strong>de</strong> futebol no início do século p<strong>as</strong>sado e como esta reali<strong>da</strong><strong>de</strong> mudou n<strong>as</strong> últim<strong>as</strong> décad<strong>as</strong>. A<br />
supervalorização <strong>de</strong>stes atlet<strong>as</strong> contribui para torná-los símbolos i<strong>de</strong>ais <strong>de</strong> uma nova or<strong>de</strong>m social, ca<strong>da</strong> vez<br />
mais distante dos signos pejorativos atribuídos a estes profissionais há décad<strong>as</strong>. Com isso, o futebol se torna<br />
uma atraente opção, como outrora fora <strong>as</strong> aren<strong>as</strong>, para aqueles que, não sendo “bem n<strong>as</strong>cidos”, procuram<br />
fama, prestígio e po<strong>de</strong>r por uma via marginal. Em contraparti<strong>da</strong>, seguindo os mesmos exemplos <strong>da</strong><br />
Antigüi<strong>da</strong><strong>de</strong>(13), observamos também ca<strong>da</strong> vez mais evi<strong>de</strong>nte, a participação <strong>de</strong> indivíduos <strong>de</strong> origem sócioeconômica<br />
privilegia<strong>da</strong>, no universo do futebol.<br />
Neste c<strong>as</strong>o, apontamos um resgate <strong>de</strong>ssa concepção <strong>de</strong> gladiador relacionado a i<strong>de</strong>ais como<br />
bravura, <strong>de</strong>streza, coragem e virili<strong>da</strong><strong>de</strong>. No contexto social contemporâneo, enfocamos a figura do jogador<br />
<strong>de</strong> futebol que, a partir <strong>de</strong> su<strong>as</strong> façanh<strong>as</strong> nos gramados, é comparado a uma imagem pré-concebi<strong>da</strong> do<br />
gladiador <strong>da</strong> Antigüi<strong>da</strong><strong>de</strong>. Assim como este último, o jogador <strong>da</strong> atuali<strong>da</strong><strong>de</strong> incorpora os mesmos i<strong>de</strong>ais<br />
anteriormente citados, tornando-se um símbolo atraente e <strong>de</strong> forte apelo para a socie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> consumo na<br />
qual estamos inseridos(14). Ao mesmo tempo, reafirma sua i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> enquanto romano, perante a<br />
plurali<strong>da</strong><strong>de</strong> cultural <strong>de</strong>, outrora um império no auge <strong>de</strong> sua expansão e agora, <strong>de</strong> uma Itália membro <strong>de</strong> um<br />
gran<strong>de</strong> bloco econômico.<br />
NOTAS:<br />
(1) MURAD, Maurício. Dos pés à cabeça - elementos básicos <strong>de</strong> Sociologia do Futebol. Rio <strong>de</strong> Janeiro:<br />
Irradiação Cultural, 1996. - p.: 91.<br />
(2) I<strong>de</strong>m. - p.p.: 84-91. Nest<strong>as</strong> págin<strong>as</strong>, o autor <strong>de</strong>screve o Tsü Tsü, um ritual <strong>de</strong> guerra <strong>da</strong> antiga China (c.<br />
2600 a.C.), no qual os pés teriam papel importante por serem “...a b<strong>as</strong>e do corpo, que é o lugar <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>...”;<br />
<strong>de</strong>screve o Kemary, jogado no Japão <strong>de</strong>s<strong>de</strong> c 2600 a.C.; o Tlachtli, que o autor cl<strong>as</strong>sifica como uma “forma<br />
ancestral <strong>de</strong> futebol na América pré-hispânica” e que tinha seu momento culminante quando havia a<br />
execução ritualística <strong>de</strong> um dos jogadores, sacralizando o espaço com o <strong>de</strong>rramamento <strong>de</strong> sangue; o<br />
Epyskiros e o Harp<strong>as</strong>tum na Grécia e em <strong>Roma</strong> respectivamente, on<strong>de</strong> praticados qu<strong>as</strong>e exclusivamente pela<br />
aristocracia e tinham sua realização liga<strong>da</strong> ao culto a Baco (Dionisos) e, finalmente o Calcio, que seria uma<br />
“reedição histórica do Harp<strong>as</strong>tum romano na Itália pré-mo<strong>de</strong>rna”(século XIV) e que, até hoje dá nome ao jogo<br />
<strong>de</strong> futebol para os italianos.<br />
(3) GIULIANOTTI, R. Sociologia do Futebol - dimensões históric<strong>as</strong> e socioculturais do esporte d<strong>as</strong> multidões.<br />
Trad.: W. N. C. Brant e M. <strong>de</strong> O. Nunes. São Paulo: Editora Nova Alexandria, 2002. - p.: 53.<br />
(4) I<strong>de</strong>m. Ibi<strong>de</strong>m.<br />
(5) Usamos esta expressão para contextualizar o processo <strong>de</strong> formação do Estado Italiano durante os<br />
séculos XIX e XX.<br />
(6) BERTONHA, J. F.. Os Italianos. São Paulo: Editora Contexto, 2005. – p.: 57.<br />
(7) I<strong>de</strong>m. - p.: 63.<br />
(8) Usamos esta expressão para <strong>de</strong>finir os jogadores oriundos <strong>de</strong> países integrantes <strong>da</strong> União Européia que,<br />
antes <strong>da</strong> formação <strong>de</strong>ste bloco econômico, eram contados como estrangeiros nos elencos dos times e hoje<br />
usufruem <strong>de</strong> uma ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia comum. A título <strong>de</strong> esclarecimento, até o início <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 90 do século XX,<br />
somente era permiti<strong>da</strong>, na formação do time que iria entrar em campo, uma cota máxima <strong>de</strong> três jogadores<br />
estrangeiros. Com o conceito <strong>de</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia ampliado pela legislação <strong>da</strong> UE, este número fugiu a um controle<br />
rígido e esta regra ficou praticamente restrita aos c<strong>as</strong>os <strong>de</strong> jogadores provenientes <strong>de</strong> outros continentes.<br />
(9) Ver nota 03<br />
(10) Gladiador, imperador, tri<strong>de</strong>nte e golpe, respectivamente. Tradução nossa.<br />
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